domingo, 29 de novembro de 2009

CRÔNICA ANUNCIADA DE UMA PEQUENA RODA DE LEITURA INFINITA

Como aves alvissareiras, que buscam um novo ninho, professores e alunos das escolas municipais de Saquarema foram chegando aos bandos à casa de Roseana Murray e Juan Arias para participarem, dia 25 de novembro de 2009, da 14ª. Roda de Leitura, derradeira edição, no ano em curso, de um evento, que marca, a cada vez, o calendário cultural de nossa cidade, bela e acolhedora. Vieram representantes de todas as escolas e a ampla casa amarela, com muitas cadeiras, variegados tapetes e gostosas almofadas, tornou-se, de repente, pequena para tanta gente. Cheguei até a pensar que teríamos que ir para a praia ali em frente, mas o sol era tão escaldante e talvez tanta beleza marítima desviasse nossa atenção do texto a ser lido. Notei certa preocupação no semblante maternal de Roseana, mas ela faria a mágica do espaço poético e a todos enredaria nas malhas da paixão pela Literatura, desafio que vem vencendo desde que iniciou, em 2003, seu original projeto de levar a todas as escolas daqui a leitura como prazer do texto e não como obrigação escolar.
Convidada constante, Tânia Damásio, ex-livreira carioca e contadora de histórias, moradora de Araruama e atuando em Macaé e Campos, veio, com sua presença discreta, ratificar a importância de um projeto, arrojado e feliz, que ultrapassa os muros marítimos de uma casa no Gravatá.
Se a cada vez a Roda de Leitura Roseana Murray tem uma digital, que a diferencia das anteriores, esta 14ª. Edição foi totalmente especial, na medida em que, como nos eventos anteriores, não se privilegiou o conto; embora sempre presente no que ela, Roseana, costuma chamar “Café Literário”, a Poesia (e estamos na casa de uma Poeta) ocupou plenamente o espaço e o tempo da Roda final de 2009. O poeta escolhido foi Federico García Lorca (1898-1936), que se terá reencarnado em duas pessoas: primeiramente em nosso anfitrião, o escritor Juan Arias que, na qualidade de espanhol, recebeu a incumbência de apresentar o artista seu conterrâneo. Com visível emoção que a todos contagiava, o correspondente, no Brasil, do jornal espanhol El Pais, começou seu discurso desvendando um mistério: o verdadeiro nome do poeta andaluz: Federico del Sagrado Corazón García Lorca, nome que não consta em nenhuma Wikipédia e que se deve à arraigada tradição católica da Espanha, que, àquela época, exigia que todos os recém-nascidos fossem batizados com nomes de santos; as meninas, por exemplo, tinham que se chamar “Maria”, em todas as suas modulações e mortificações... Com sedutor conhecimento de causa, Juan discorreu sobre as várias facetas do artista-mártir, que atinge, porque fala o tempo todo de amor, a leitores de todos os tempos e idades, sendo ícone máximo da luta pela liberdade; nascido em uma minúscula aldeia, do tamanho de nossa Mombaça, Lorca tornou-se o mais universal dos poetas espanhóis do século XX. Com a autêntica música do idioma de Miguel de Cervantes (1791-1616), Juan brindou, ainda, a todos com a leitura do poema lorqueano “Preciosa y el aire”. Mais do que apresentar e (re)apresentar Lorca, Juan Arias, possuidor de uma enciclopédica erudição, tratou de cultura, uma cultura fundada na mais lídima Poesia.
Já o outro personagem García Lorca representou-o o premiadíssimo ator carioca José Mauro Brant, que roterizou, com Antônio Gilberto, e atuou como Lorca na peça Pequeno Poema Infinito - traduzida, com rigor e vigor, por Roseana Murray -, que, desde 2007, roda, com imenso sucesso, o Brasil todo. A presença linda do José Mauro foi uma surpresa para todos e tornou aquela Roda de Leitura, com uma apoteótica performance, um sublime sarau. A convite da Roseana, eu assistira à pré-estréia da peça no Caixa Cultural, no Rio, e ficara emocionadíssimo; vendo, bem mais de perto e em frente ao mar, a encenação de algumas partes do Pequeno Poema Infinito, tive outras emoções e outras reflexões, inesquecíveis; é bem verdade que, em Saquarema, José Mauro não cantou, tampouco executou ao piano canções andaluzas, mas havia a música do mar ao fundo e nenhuma música, no mundo, é mais bela. Também um feérico flamboyant no quintal da casa, que florescia, pela primeira vez nesta primavera ensolaradíssima, foi testemunha gloriosa da atuação de José Mauro; como homenagem ao jovem ator, ele lhe oferecia, inserida em seu tronco, uma orquídea branca. Pesquisador ardente da obra de Lorca, tendo, inclusive, estado várias vezes em Granada – último reino mouro na Espanha -, José Mauro tem outro parentesco com Lorca: o poeta espanhol levava, numa barraca, o teatro aos mais afastados e pobres rincões da Espanha; José Mauro carregou, durante algum tempo, num caminhão, o teatro para regiões carentes de nosso imenso País. Espanha e Brasil têm muito em comum, já poetizara João Cabral de Melo Neto (1920-1999). Com uma Arte encarnada, José Mauro declamou alguns fragmentos de sua peça teatral e levou a platéia a uma emoção, densa e silenciosa, só interrompida pelos aplausos das ondas atlânticas. Já não cabiam comentários, interpretações, releituras, como sói acontecer em cada Roda de Leitura, porque estava tudo completo; Shakespeare (1564-1616), o bardo paradigmático, se fez ouvir: the rest is silence.
Para que fique na memória das ondas, inscrevo, aqui, no original, o poema “Pequeño Poema Infinito”:
Para Luis Cardoza y Aragón
Equivocar el camino
es llegar a la nieve
y llegar a la nieve
es pacer durante veinte siglos las hierbas de los cementerios.
Equivocar el camino
es llegar a la mujer,
la mujer que no teme la luz,
la mujer que no teme a los gallos
y los gallos que no saben cantar sobre la nieve.
Pero si la nieve se equivoca de corazón
puede llegar el viento Austro
y como el aire no hace caso de los gemidos
tendremos que pacer otra vez las hierbas de los cementerios.
Yo vi dos dolorosas espigas de cera
que enterraban un paisaje de volcanes
y vi dos niños locos que empujaban llorando las pupilas de un asesino.
Pero el dos no ha sido nunca un número
porque es una angustia y su sombra,
porque es la guitarra donde el amor se desespera,
porque es la demostración de otro infinito que no es suyo
y es las murallas del muerto
y el castigo de la nueva resurrección sin finales.
Los muertos odian el número dos,
pero el número dos adormece a las mujeres
y como la mujer teme la luz
la luz tiembla delante de los gallos
y los gallos sólo saben votar sobre la nieve
tendremos que pacer sin descanso las hierbas de los cementerios.

Federico García Lorca, 10 de enero de 1930

Ainda na linha teatral (García Lorca é famosíssimo dramaturgo), o Prof. Robledo trouxe uma trupe de alunos seus, que encenaram parte do livro Os títeres do porrete e outras peças, de Lorca; no grupo, destacou-se a menina Paula, focada em seu papel de promissora atriz do poeta de Granada.
Com um belo poema, de sua verve - “Granada”-, a Profa. Maria Clara homenageou Roseana e Juan, poema concreto em que destaco esta estrofe:

Ósculos cheios
de morte e músculos,
amor e medo.

Mas haveria uma outra surpresa: as Escolas apresentaram uma avaliação do que representaram as Rodas de Leitura, avaliação feita em forma de poemas, cordel e ensaios críticos. A Profa. Kátia Devino, por exemplo, da Escola Padre Manuel, leu excelente texto, em que trata da importância, em sua Escola, das Rodas, que têm propiciado um ótimo desenvolvimento dos alunos, em todos os níveis e disciplinas; a Padre Manuel, ergue-se, então, segundo Kátia Devino, como modelo de uma práxis de leitura prazerosa e formadora da consciência-cidadã. Em seu discurso de abertura, Roseana citara Arnaldo Jabor que, em ensaio, afirmou: “O pensamento é coisa do diabo”. A avaliação mostra que os estudantes e os professores estão pensando, apesar dos anátemas.
Antes de nos convidar para saborear um arroz doce, sobremesa espanhola de origem árabe e aculturadíssima no Brasil, sobretudo com o acréscimo do coco, Roseana Murray agradeceu, entusiasta, a Saquarema a oportunidade de poder abrir sua casa para professores e alunos da rede escolar municipal, pois “Eu só acredito na arte dentro da vida, não separada da vida”, ensinou ela, do fundo de sua generosidade exemplar e sabedoria poética.
Esta pequena crônica de um escriba improvisado foi anunciada pela própria Roseana Murray, que, em postagem de 26 de novembro de seu blog, escreveu:
“Ontem o nosso Café Literário foi emocionante, o Latuf vai contar tudo em sua crônica que estará no site em breve. Mas quero contar um pouquinho também. Como era tudo sobre o Lorca , convidei meu amigo José Mauro Brant, ator e autor do espetáculo Pequeno poema Infinito traduzido por mim. Zé Mauro aceitou meu convite, mas como está atuando em vários espetáculos, só podia chegar a Saquarema bem tarde. Esperei na varanda, deitada na rede. Zé Mauro ia se perdendo pelo caminho e me telefonando, pedindo instruções. Fiquei aflita , assustada, mas ele chegou são e salvo. Acordei bem cedo para preparar o arroz doce. Quis fazer algum prato bem andaluz e pensei no arroz con leche. E antes das nove as pessoas já foram chegando e enchendo a varanda, só que, eu não sabia, a Secretaria de Educação , como era o último encontro, decidiu chamar TODAS as escolas, claro que apenas alguns alunos e professores de cada uma. Acho que eram umas 80 pessoas. Tive ontem a dimensão da beleza deste trabalho. Hoje, 6 anos depois do começo do projeto, podemos ver os frutos, principalmente depois da chegada do Valdinei na Secretaria, pois ele acompanha, fica em cima, faz um corpo a corpo com as escolas. Todas as escolas estão super envolvidas. Deu certo. Ontem chorei de alegria”.
Mais uma vez, o silêncio se faz eloqüente. Mas eu quis, até para transbordar um pouco uma oceânica emoção e insistente reflexão, compor esta crônica, que, qual garrafa, lanço ao mar da Internet.

RECONHECIMENTO

Sim, é Dorian Gray! Ele vive em Saquarema, onde pega onda e anda de bicicleta. Como máscara, tem um comum nome de batismo, mas é o real Dorian Gray, assumidamente "gay" e com a ímpar beleza dos Trópicos.
"Quem é Dorian Gray", perguntou-me ele.
É o mais belo efebo da Inglaterra, respondi, omitindo o fato de que ele era, também, o mais perverso.
Com um vinho português, brindamos ao reencontro da ficção e do real.

sábado, 28 de novembro de 2009

A PRINCESA E AS UVAS

- Vitorinha, vovô comprou uvas para você.
- Uvas, de que cor, vovô?
- Verdes.
- Mas tem uvas rosas, vermelhas, azuis...

HERNÁN ULM, PROFETA

já logo chegarão esses dias de não fazer nada e ficar deitado nas praias de Saquarema, escrevendo poemas e derivas sobre o mar.

HERNÁN ULM, FRAGMENTÁRIO

você contagia (eu posso dizer, também, mas perto de artaud: você contamina) o prazer dos textos!!!

HERNÁN ULM, MEU LEITOR AMADO

A palavra "almejar"!!!!! nossa, que palavra linda!!!!! Acho que você é daqueles professores que almejam, que fazem almejar, a paixão inelutável pela literatura

LATUFLAMBOYANT

No meio do meu caminho
há um flamboyant
dois flamboyants
três flamboyants
quatro flamboyants
cinco flamboyants
seis flamboyants
sete flamboyants
oito flamboyants
nove flamboyants
dez flamboyants...

Jamais esquecerei:
sou um sátiro
atravessando
uma floresta de flamboyants.

PEQUEÑO POEMA INFINITO, de Federico García Lorca (1898-1936)

Para Luis Cardoza y Aragón

Equivocar el camino
es llegar a la nieve
y llegar a la nieve
es pacer durante veinte siglos las hierbas de los cementerios.
Equivocar el camino
es llegar a la mujer,
la mujer que no teme la luz,
la mujer que no teme a los gallos
y los gallos que no saben cantar sobre la nieve.
Pero si la nieve se equivoca de corazón
puede llegar el viento Austro
y como el aire no hace caso de los gemidos
tendremos que pacer otra vez las hierbas de los cementerios.
Yo vi dos dolorosas espigas de cera
que enterraban un paisaje de volcanes
y vi dos niños locos que empujaban llorando las pupilas de un asesino.
Pero el dos no ha sido nunca un número
porque es una angustia y su sombra,
porque es la guitarra donde el amor se desespera,
porque es la demostración de otro infinito que no es suyo
y es las murallas del muerto
y el castigo de la nueva resurrección sin finales.
Los muertos odian el número dos,
pero el número dos adormece a las mujeres
y como la mujer teme la luz
la luz tiembla delante de los gallos
y los gallos sólo saben votar sobre la nieve
tendremos que pacer sin descanso las hierbas de los cementerios.

Federico García Lorca, 10 de enero de 1930

MINHAS ROSAS, MEUS JASMINS, HIBISCOS, BOUGANVILLES,MINHAS ACÁCIAS, BROMÉLIAS, ACEROLAS, ALAMANDAS,ESPADAS-DE-SÃO JORGE...

A coisa doméstica que mais amo fazer, aliás a única, é regar os jardins, o da minha casa e o da do meu filho, ao lado. Lembro-me sempre de Fernando Pessoa, que só queria cuidar de suas rosas. Sinto a alegria das plantas, tomando banho e se nutrindo, e me sinto um deus, fazendo chover. Hoje, depois de ter cumprido o meu ritual de amante das plantas, o céu teve inveja e fez chover.

BEIJA-FLOR ETÉREO E ETERNO

Pela janela do meu quarto de dormir, vislumbro um serelepe beija-flor que vem, continuamente, sugar o néctar de um coruscante hibisco. Nunca sei se é o mesmo beija-flor, mas, para mim, é o beija-flor, uma ave que me faz sonhar e, sobretudo, meditar sobre a imponderável leveza do ser belo.

HERÁCLITO PELO AVESSO

"Cuando el río es lento y se cuenta con una buena bicicleta o caballo sí es posible bañarse dos (y hasta trés, de acuerdo con las necesidades higiénicas de cada quién) veces en el mismo río".

Augusto Monterroso

JORGE DE SENA

Génesis

De mim não falo mais: não quero nada.
De Deus não falo: não tem outro abrigo.
Não falarei também do mundo antigo,
pois nasce e morre em cada madrugada.

Nem de existir, que é a vida atraiçoada,
para sentir o tempo andar comigo;
nem de viver, que é liberdade errada,
e foge todo o Amor quando o persigo.

Por mais justiça ...-Ai quantos que eram novos
em vão a esperaram porque nunca a viram!
E a eternidade...Ó transfusâo dos povos!

Não há verdade: O mundo não a esconde.
Tudo se vê: só se não sabe aonde.
Mortais ou imortais, todos mentiram.
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Tentações do Apocalipse

Não é de poesia que precisa o mundo.
Aliás, nunca precisou. Foi sempre
uma excrescência escandalosa que
se lhe dissesse como é infame a vida
que não vivamos para outrem nele.
E nunca, só de ser, disse a poesia
uma outra coisa, ainda quando finge
que de sobreviver se faz a vida.
O mundo precisa de morte. Não da morte
com que assassina diariamente quantos teimam
em dizer-lhe da grandeza de estar vivo.
Nem da morte que o mata pouco a pouco,
e de que todos se livram no enterro dos outros.
Mas sim da morte que o mate como um percevejo,
uma pulga, um piolho, uma barata, um rato.
Ou que a bomba venha para estas culpas,
se foi para isso que fizemos filhos.
Há que fazer voltar à massa primitiva
esta imundície. E que, na torpitude
de existir-se, ao menos possa haver
as alegrias ingénuas de todo o recomeço.
Que os sóis desabem. Que as estrelas morram.
Que tudo recomece desde quando a luz
não fora ainda separada às trevas
do espaço sem matéria. Nem havia um espírito
flanando ocioso sobre as águas quietas,
que pudesse mentir-se olhando a criação.
(O mais seguro, porém, é não recomeçar.)
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Reflorir, sempre

Não é já de Natal esta poesia.
E, se a teus pés deponho algo que encerra
e não algo que cria,
é porque em ti confio: como a terra,
por sobre ti os anos passarão,
a mesma serás sempre, e o coração,
como esse interior da terra nunca visto,
a primavera eterna de que existo,
o reflorir de sempre, o dia a dia,
o novo tempo e os outros que hão-de vir.

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*«ESTÃO PODRES AS PALAVRAS....»

Estão podres as palavras - de passarem
por sórdidas mentiras de canalhas
que as usam ao revés como o carácter deles.
E podres de sonâmbulos os povos
ante a maldade à solta de que vivem
a paz quotidiana da injustiça.
Usá-las puras - como serão puras,
se caem no silêncio em que os mais puros
não sabem já onde a limpeza acaba
e a corrupção começa? Como serão puras
se logo a infâmia as cobre de seu cuspo?
Estão podres: e com elas apodrece a mundo
e se dissolve em lama a criação do homem
que só persiste em todos livremente
onde as palavras fiquem como torres
erguidas sexo de homens entre o céu e a terra.
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Dizer Porquê e Para Quê

Dizer porquê e para quê do que descubro
que a vida ensina ou julgo que ela ensina?
Se o só descubro quando passou tempo,
e a gente já passou como eu também?
Se quem me leia não me entenderá?-
ou são mais velhos e já sabem,
ou mais antigos e têm outra língua
ou são mais jovens crendo que o saber
é a sua descoberta em que de passo em passo
descobrirão que a vida não ensina
senão o que mais tarde em nós descobriremos
de quanto nunca foi ou não escolhemos.

Di-lo-ei por mim e para mim? Porquê
Aos outros? Que comum tenho com eles
além de lhes dizer que não importa
dizer o que não dizem? se não há
maneira alguma de viver de novo
o que quiséramos que a vida fora?
E se outros não de nós mas de si mesmos
já descobriram de outro modo a mesma coisa,
ou hão-de descobri-la? De experiência
Falamos e falemos. E nenhuma
serve a ninguém. Que tê-la não atendo
Ou que não tê-la tendo-a é o que se diz dizendo.

A UN GATO, JORGE LUIS BORGES

No son más silenciosos los espejos
ni más furtiva el alba aventurera;
eres, bajo la luna, esa pantera
que nos es dado divisar de lejos.
Por obra indescifrable de un decreto
divino, te buscamos vanamente;
más remoto que el Ganges y el poniente,
tuya es la soledad, tuyo el secreto.
Tu lomo condesciende a la morosa
caricia de mi mano. Has admitido,
desde esa eternidad que ya es olvido,
el amor de la mano recelosa.
En otro tiempo estás. Eres el dueño
de un ámbito cerrado como un sueño.

KONSTANTIO KAVÁFIS, "E os sábios, as que se aproximam", tradução de Ísis Borges da Fonseca

Pois os deuses percebem as coisas futuras; os homens aquelas que ocorrem; e os sábios, as que se aproximam. (Filóstrato, Vida de Apolônio de Tiana, VIII,7)

Os homens conhecem as coisas que ocorrem.
As futuras, os deuses as conhecem,
plenos e únicos possuidores de todas as luzes.
Das coisas futuras os sábios percebem
as que se aproximam. Sua audição

às vezes, em horas de sérios estudos,
perturba-se. O misterioso clamor
vem-lhe dos acontecimentos que se aproximam.
E, respeitosos, ficam atentos a ele. Enquanto na rua,
lá fora, nada escutam os povos.

MANUELAMADA

Fui a Camboinhas, em Niterói-RJ, ao batizado de minha sobrinha-neta Manuela. Essa menina chegou lindíssima e cheia de graças. Ofereci-lhe meu mais recente livro de poemas, "Águas de Saquarema", onde inscrevi esta dedicatória:

Manuela, eu batizo você nas águas da Poesia. Este é, certamente, o primeiro livro que você ganha. Acho que você ainda não sabe ler, mas sua mãe e seu pai poderão ler para você estes poemas como se fossem acalanto. Estes poemas cantam a mãe e o mar e você saberá, com o tempo, que as coisas mais belas do mundo são a mãe e o mar. Com seu nascimento, o Universo ficou mais belo, filha de Izzabelli & Astor. Tio-vô Latufelizardo.

Quando nos vimos pela primeira vez, Manuela me sorriu, adivinhando, talvez, a Poesia da vida, de que sou, mui modestamente, cantor.

ÁRVORE

Sempre contemplei a árvore como o ser mais perfeito do Universo: de natureza totalmente generosa, oferece frutos, sombra, aconchego e beleza, sem pedir nada, sem matar nada, sem competir. Só necessita de água e luz, que ela mesma busca. Só uma coisa me inquieta na árvore: o ser ela fixa num lugar. Peregrino desde menino, eu queria ser uma árvore, mas nunca poderia ficar enraizado. Mas a árvore, medito eu, sonha na copa e faz viagens com as raízes que vão, sabe Deus, até onde.

MÁRIO QUINTANA (1906-1994) DIXIT

A alma é essa coisa que nos pergunta se a alma existe.

A amizade é um amor que nunca morre.

A arte de viver é simplesmente a arte de conviver. Simplesmente, disse eu? Mas como é difícil!

A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda.

Autodidata é um ignorante por conta própria.

Um bom poema é aquele que nos dá a impressão de que está lendo a gente... e não a gente a ele!

Como seriam belas as estátuas equestres se constassem apenas dos cavalos!

Despertador é bom para a gente se virar para o outro lado e dormir de novo.

No fundo, não há bons nem maus. Há apenas os que sentem prazer em fazer o bem e os que sentem prazer em fazer o mal. Tudo é volúpia.

Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura
Tendo-os na ponta do nariz!

Não te irrites, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio...

O que me impressiona, à vista de um macaco, não é que ele tenha sido nosso passado: é este pressentimento de que ele venha a ser nosso futuro.

O segredo é não correr atrás das borboletas... É cuidar do jardim para que elas venham até você.

O tempo é um ponto de vista. Velho é quem é um dia mais velho que a gente.

Qualquer ideia que te agrade,
Por isso mesmo... é tua.
O autor nada mais fez que vestir a verdade
Que dentro em ti se achava inteiramente nua...

Quem pretende apenas a glória não a merece.

Tudo o que acontece é natural - inclusive o sobrenatural.

Que importa restarem cinzas se a chama foi bela e alta?


"Olho em redor do bar em que escrevo estas linhas.
Aquele homem ali no balcão, caninha após caninha,
nem desconfia que se acha conosco desde o início
das eras. Pensa que está somente afogando problemas
dele, João Silva... Ele está é bebendo a milenar
inquietação do mundo!"


Meu Quintana, os teus cantares
Não são, Quintana, cantares:
São, Quintana, quintanares.

Quinta-essência de cantares...
Insólitos, singulares...
Cantares? Não! Quintanares!

Quer livres, quer regulares,
Abrem sempre os teus cantares
Como flor de quintanares.

São cantigas sem esgares.
Onde as lágrimas são mares
De amor, os teus quintanares.

São feitos esses cantares
De um tudo-nada: ao falares,
Luzem estrelas luares.

São para dizer em bares
Como em mansões seculares
Quintana, os teus quintanares.

Sim, em bares, onde os pares
Se beijam sem que repares
Que são casais exemplares.

E quer no pudor dos lares.
Quer no horror dos lupanares.
Cheiram sempre os teus cantares

Ao ar dos melhores ares,
Pois são simples, invulgares.
Quintana, os teus quintanares.

Por isso peço não pares,
Quintana, nos teus cantares...
Perdão! digo quintanares.



Poeminho do Contra

Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!
(Prosa e Verso, 1978)

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

FRIORENTÍSSIMO

Acostumados a me verem coberto da cabeça aos pés - cachecol, meias, boné, casacos (sou uma cebola, digo aos meus alunos, que me assistem tirando minhas peças de roupa em sala de aula) -, as pessoas estão estranhando minha indumentária despojada. Comentaram: está realmente fazendo calor, pois o Latuf está quase nu. Lembrei, então, que Kant costumava passear todos os dias às 5h da tarde e as pessoas acertavam seus relógios pelo passeio do filósofo. Já eu terei virado termômetro..

LEITORES

Encontrei, por acaso, na rua Everest Damasceno, que me confessou que sua namorada gosta de meus poemas sobre Saquarema. Pensei com meus botões: minha poesia está sendo trilha amorosa de uns tantos...

No consultório do Dr. José Mauro, ele me pediu um autógrafo no meu livro, que comprou na Livraria Templário, daqui de Saquarema: "Para aquele que cuida deste coração poético".

VIDAS

Ontem, na UFF, disse, pela enésima vez, à Profa. Lúcia Bravo, que devo minha carreira acadêmica ao Prof. Antônio Serra. Realcei que aquela resposta dele, quando de minha inscrição no concurso para professor de teoria da arte, mudou minha vida; um colega ao lado acrescentou: "Várias vidas!"

CENA DE AMOR MATERNO

Vi uma mulher caminhando ao sol escaldante. Atrás dela, vinha, caminhando à sua sombra, sua filhinha.

FLAMEJANTES FLAMBOYANTS

Completamente alumbrado, pergunto-me quem terá plantado os inúmeros flamboyants, que cobrem toda a Saquarema de um fogo primaveril enunciador do verão. Que seja bendita a mão da beleza!

SEMÂNTICA TEATRAL

Ontem, quando voltei da UFF, meu neto João Otávio Latuf disse-em, eufórico: "Vô, fiz, no teatro do colégio, o papel de mendingo". Corrigi-o: "Mendigo, meu Príncipe!". E ele retrucou: "Mendingo, mesmo, vô, porque até ganhei 10 reais!"

domingo, 22 de novembro de 2009

QUIPROQUÓ AÉREO

No vôo Salta/Buenos Aires, o professor de filosofia da Universidade de Buenos Aires, que estava a meu lado e proferira, como eu, palestra nas III Jornadas de Filosofía da UNSA (Universidad Nacional de Salta), me pçrguntou: "Cual es tu escuela?" Hesitei em responder e estava pensando em barthesiana ou platônica, quando ele, pressentindo a minha dúvida, esclareceu: "Escuela de samba". De chofre, respondi, "Mangueira"; ele informou-me a sua: "Salgueiro".

BIBLIOTECA NA BAGAGEM

Finalmente pude comprar as mais recentes "Obras completas", de Jorge Luis Borges. Fi-lo, no dia seguinte à minha chegada à Argentina, na livraria Rayuela, em Salta, no Norte argentino. Desde 1988, quando comecei meu mestrado em Teoria Literária na UFRJ, tenho a primeira edição das "Obras completas", de 1974, em um único volume, uma edição preciosíssima, embora incompleta, porque editada enquanto ainda vivia o escritor de "El Aleph". Para trazer, de avião, para o Brasil, tamanho tesouro, tive que comprar uma mala especial, que carreguei comigo o tempo todo do longo vôo, não querendo despachá-la. Aqui, nesta casa-biblioteca, acomodei os cinco volumes num oratório barroco, que ganhei, há anos, da Cláudia. Creio ser o melhor lugar para abrigar a obra de um agnóstico.
P.S. Quando anunciei ao Jorge Lovisolo, meu amicíssimo portenho, que havia comprado as "Obras completas" de Borges em cinco volumes, ele quase ficou irritado: "Cinco volúmines? Yo tengo solo cuatro". No dia seguinte, ele, já apaziguado, me disse ser o volume de poesia um volume especial, recolhendo todos os poemas que aparecem nos demais volumes. A este volume especial outorguei o mais belo lugar do meu oratório barroco.

SAQUAREMA ALWAYS REVISITED

Acabo de chegar de viagem e reencontro Saquarema sob feéricos flamboyants, anunciando o verão, que enche praias e praças. Não são bárbaros os veranistas, nós é que somos civilizados...

Todas as cores do mar, Uma leitura de “Águas de Saquarema”, de Latuf Isaías Mucci, Camilo Mota

Soube, através de um amigo, que outro amigo o questionara do porquê de eu ter me mudado para Saquarema. O que eu vira nessa cidade, tão pacata, tão à beira do Oceano Atlântico? A água, o mar, o céu, o sol e suas cores, aqui, parecem ter me cativado de uma maneira diferente de outras terras. O sol nasce manso pela manhã, e mais tarde se põe em cores variadas além das montanhas, refletindo um adeus iluminado nas ondulações da lagoa... ele diz em seu quase silêncio de luz que a vida é enorme quando contemplamos a nossa pequenez. E também as pessoas com seu jeito solar, quente, de falar amigo. Alguma coisa mineira, de antanho, me faz olhar esse mar com admiração.
E não a mim apenas isso tudo é cativante. Pois que o professor Latuf Isaías Mucci foi mais além e derramou em versos tudo o que sente acerca desta terra ainda admirável, com suas ondas, surfistas, cores feitas em molduras de gente. Mineiro como eu, veio ele ter em Saquarema o encontro mítico e real. Assim como Manuel Bandeira exaltava uma Pasárgada para onde poderia se refugiar e encontrar o ápice da vida em seu máximo prazer, também Latuf o faz, mas num sentido concreto: ele não busca a terra mítica, pois que já encontrou a terra real de seus sonhos. Em “Águas de Saquarema” (Saquarema, Tupy Comunicações, 2009), o poeta revela um amor tal pela região que o acolheu que, à maneira dos românticos em relação a suas amadas, recolhe em versos as sensações e sentimentos que norteiam sua vida sempre em direção à coisa amada. Torna-se, camonianamente, o amante na coisa amada? “Fora de Saquarema / Sou / peixe com mágoa / pássaro sem paz / ave avessa / exilado poético / asilado ilhado / (...) Fora de Saquarema / Nenhum zen me segura”, revela o poeta em sua “Canção do Idílio”, como um Gonçalves Dias pós-moderno a exaltar a falta que lhe faz sua amada pátria, cujos sabiás fazem verdadeiros ninhos na alma. E reforça sua relação com a terra, firmando raiz: “Não me vou mais embora daqui, / nem que me arrastem pelos cabelos / que já perdi há muito na cidade” (“Radicalmente”).
A proposta de Latuf poderia cair no lugar comum. Afinal, fazer um livro com uma temática de grande exaltação e paixão por um local em particular é um desafio. Mas aqui revela-se um mistério, que faz parte da alma do poeta e também de Saquarema. Há vibrações tais nessa terra em que a natureza se expressa de forma tão dinâmica, que ela própria se mostra constantemente em oferenda para a inspiração de cantos de amor, como os cantados por Latuf. E ele faz jus a esse chamado. Tal qual o marinheiro que se deixa inebriar pelo canto da Iara, Latuf navega nos cabelos de Iemanjá, surfa as ondas, e mostra-nos uma leitura extremamente lírica e zen do mar, um dos principais personagens do livro. “Os meus velhos olhos / nem se cansam de sonhar / estas ondas antigas / vagando em cantigas, danças densas” (“O mar, o mar”). O poeta não cai no lugar comum. Sua “face líquida” vai se moldando a cada novo encontro com sua amada. Antes, apela à simplicidade para dizer de seu amor, de sua valorização da vida, das pessoas, do afeto. É isso: Saquarema é um grande afeto na vida do poeta. E ele, qual um girassol caeiriano, se volta para o brilho dessa luz que se lhe revela a cada dia de uma maneira nova.
Há que se ler o livro de Latuf como quem saboreia as ondas, ou como quem sente a tessitura de uma folha de orquídea ou, ainda, como quem chupa uma suculenta manga em pleno verão. Seus versos em “Águas de Saquarema” são leves, para serem levados pelo vento fresco, pelo hálito de palavras ditas com amor, simplesmente com amor.

Camilo Mota é natural de São João Nepomuceno-MG (1965), reside em Saquarema desde 2003. É editor do Jornal Poiésis (www.jornalpoiesis.com), membro titular da Academia Brasileira de Poesia, e membro honorífico da International Writers and Artists Association (IWA).

Siempre se vuelve a Buenos Aires, de Eladia Blázquez y Astor Piazzolla

Esta ciudad está embrujada, sin saber...
por el hechizo cautivante de volver.
No sé si para bien, no sé si para mal,
volver tiene la magia de un ritual.
Yo soy de aquí, de otro lugar no puedo ser...
¡Me reconozco en la costumbre de volver!
A reencontrarme en mí, a valorar después,
las cosas que perdí... ¡La vida que se fue!

Llegué y casi estoy, a punto de partir...
Sintiendo que me voy, y no me quiero ir.
Doblé la esquina de mi misma, para comprender,
¡que nadie escapa al fatalismo de su propio ser!
Y estoy pisando las baldosas,
¡floreciéndome las rosas por volver...!

Esta ciudad no se si existe, si es así...
¡O algún poeta la ha inventado para mí!
Es como una mujer, profética y fatal
¡pidiendo el sacrificio hasta el final!
Pero también tiene otra voz, tiene otra piel;
y el gesto abierto de la mesa de café...
El sentimiento en flor, la mano fraternal
y el rostro del amor en cada umbral.

Ya sé que no es casual, haber nacido aquí
y ser un poco asi... triste y sentimental.
Ya sé que no es casual, que un fueye por los dos,
nos cante el funeral para decir... ¡Adiós!
Decirte adiós a vos... ya ves, no puede ser.
Si siempre y siempre sos, ¡una razón para volver!

Siempre se vuelve a Buenos Aires, a buscar
esa manera melancólica de amar...
Lo sabe sólo aquel que tuvo que vivir
enfermo de nostalgia... ¡Casi a punto de morir!...

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

AFORISMO DE JORGE LOVISOLO

En el oxímoron las palabras se sacan chispas que iluminan la huidiza verdad

Jorge Luis Borges dixit!

"Que otros se jacten de las páginas que han escrito; a mi me enorgullecen las que he leído."

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

ANIVERSÁRIO, FERNANDO PESSOA (1888-1935)

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa como uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

LUIS DE LEÓN

Vivir quiero conmigo,
gozar quiero del bien que debo al Cielo,
a solas, sin testigo,
libre de amor, de celo,
de odio, de esperanza, de recelo.

JAIMES FREYRE

Peregrina paloma imaginaria
que enardeces los últimos amores;
alma de luz, de música y de flores,
peregrina paloma imaginaria.

domingo, 8 de novembro de 2009

AMORES DEFINITIVOS

Quanto mais ando pelo mundo e pelo Brasil, mais amo o meu País.
Quando saio de Saquarema, só penso em voltar a Saquá.

sábado, 7 de novembro de 2009

KITSCH, CURSI, BREGA

A saudade é uma cãimbra incurável.


PS A própria palavra "cãimbra" já é, em si mesma,a própria cafonice...