domingo, 22 de novembro de 2009

Todas as cores do mar, Uma leitura de “Águas de Saquarema”, de Latuf Isaías Mucci, Camilo Mota

Soube, através de um amigo, que outro amigo o questionara do porquê de eu ter me mudado para Saquarema. O que eu vira nessa cidade, tão pacata, tão à beira do Oceano Atlântico? A água, o mar, o céu, o sol e suas cores, aqui, parecem ter me cativado de uma maneira diferente de outras terras. O sol nasce manso pela manhã, e mais tarde se põe em cores variadas além das montanhas, refletindo um adeus iluminado nas ondulações da lagoa... ele diz em seu quase silêncio de luz que a vida é enorme quando contemplamos a nossa pequenez. E também as pessoas com seu jeito solar, quente, de falar amigo. Alguma coisa mineira, de antanho, me faz olhar esse mar com admiração.
E não a mim apenas isso tudo é cativante. Pois que o professor Latuf Isaías Mucci foi mais além e derramou em versos tudo o que sente acerca desta terra ainda admirável, com suas ondas, surfistas, cores feitas em molduras de gente. Mineiro como eu, veio ele ter em Saquarema o encontro mítico e real. Assim como Manuel Bandeira exaltava uma Pasárgada para onde poderia se refugiar e encontrar o ápice da vida em seu máximo prazer, também Latuf o faz, mas num sentido concreto: ele não busca a terra mítica, pois que já encontrou a terra real de seus sonhos. Em “Águas de Saquarema” (Saquarema, Tupy Comunicações, 2009), o poeta revela um amor tal pela região que o acolheu que, à maneira dos românticos em relação a suas amadas, recolhe em versos as sensações e sentimentos que norteiam sua vida sempre em direção à coisa amada. Torna-se, camonianamente, o amante na coisa amada? “Fora de Saquarema / Sou / peixe com mágoa / pássaro sem paz / ave avessa / exilado poético / asilado ilhado / (...) Fora de Saquarema / Nenhum zen me segura”, revela o poeta em sua “Canção do Idílio”, como um Gonçalves Dias pós-moderno a exaltar a falta que lhe faz sua amada pátria, cujos sabiás fazem verdadeiros ninhos na alma. E reforça sua relação com a terra, firmando raiz: “Não me vou mais embora daqui, / nem que me arrastem pelos cabelos / que já perdi há muito na cidade” (“Radicalmente”).
A proposta de Latuf poderia cair no lugar comum. Afinal, fazer um livro com uma temática de grande exaltação e paixão por um local em particular é um desafio. Mas aqui revela-se um mistério, que faz parte da alma do poeta e também de Saquarema. Há vibrações tais nessa terra em que a natureza se expressa de forma tão dinâmica, que ela própria se mostra constantemente em oferenda para a inspiração de cantos de amor, como os cantados por Latuf. E ele faz jus a esse chamado. Tal qual o marinheiro que se deixa inebriar pelo canto da Iara, Latuf navega nos cabelos de Iemanjá, surfa as ondas, e mostra-nos uma leitura extremamente lírica e zen do mar, um dos principais personagens do livro. “Os meus velhos olhos / nem se cansam de sonhar / estas ondas antigas / vagando em cantigas, danças densas” (“O mar, o mar”). O poeta não cai no lugar comum. Sua “face líquida” vai se moldando a cada novo encontro com sua amada. Antes, apela à simplicidade para dizer de seu amor, de sua valorização da vida, das pessoas, do afeto. É isso: Saquarema é um grande afeto na vida do poeta. E ele, qual um girassol caeiriano, se volta para o brilho dessa luz que se lhe revela a cada dia de uma maneira nova.
Há que se ler o livro de Latuf como quem saboreia as ondas, ou como quem sente a tessitura de uma folha de orquídea ou, ainda, como quem chupa uma suculenta manga em pleno verão. Seus versos em “Águas de Saquarema” são leves, para serem levados pelo vento fresco, pelo hálito de palavras ditas com amor, simplesmente com amor.

Camilo Mota é natural de São João Nepomuceno-MG (1965), reside em Saquarema desde 2003. É editor do Jornal Poiésis (www.jornalpoiesis.com), membro titular da Academia Brasileira de Poesia, e membro honorífico da International Writers and Artists Association (IWA).

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