quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Andréa Lisboa

RETRATOS FAVORITOS
Na mão, perfurante e martelo a rasgar a pedra. Preparar a pena e a tinta, desenrolar o pergaminho. Abrir o livro sob a vela. Plugar, ligar, fazer acender e se mostrar na tela, dedilhar sobre ele. Há sempre uma relação erótica entre o “autor” e o meio que reterá seu pensamento.
É uma maneira de se dividir, primeiro com ele, e depois, talvez, com os outros. Como se dá esse empréstimo de si, se com uma esferográfica, uma câmera digital, ou um terminal de computador conectado à Internet, não é o mais relevante. O que me intriga é a necessidade que impulsiona essas transferências.
“Expressam a crescente necessidade de uma ancoragem espacial e temporal em um mundo de fluxo crescente em redes cada vez mais densas de espaços e tempos comprimidos” Conforme citação de Roland Barthes por Ana Cláudia Viegas.
A leitura do blog do professor Latuf abrandou em mim uma saudade da impressão que tive com a primeira leitura de “Fragmentos de um Discurso Amoroso”, de Barthes. Percebi a mesma tentativa, bem sucedida, de fotografar como que para construir haikais, fragmentos cotidianos marcados por afetividade.
Assim registradas, mas não congeladas, esses momentos poderão ser revistos e reinterpretados, transformando-se, como bem traduz o professor, em avatares. Manifestações metamorfoseadas e ressurgidas a qualquer tempo.
Essa análise cabe especialmente aos fragmentos: “Latufarofalho”; “Vitorinha, rainha familiar”, “Cláudia e Sérgio, sob os axés de Yansã, Xangô”, “Beijos do Efebo” e “Roseana nas alturas”. O “dar um lugar especial ao cotidiano” também pode ser ilustrado em “Receita de álcool gel”.
Em “Brasília, flor do serrado” e “David Grossman, em entrevista, intitulada ‘A literatura é o contrário da guerra, concedida à revista Bravo1’, de setembro de 2009” e em “Franciane Melo, nossa prefeita” é percebido o olhar do “autor” para o mundo (o ver/ler). Talvez com a intenção inconsciente de uma contribuição político-social, não ativista, mas natural de todos os que refletem sobre o mundo.
Fragmentos com um toque de humor (Roseana nas alturas) e os intertextos poéticos como “Sogno Vs Realtà” e “Noam Chomsk” ressaltam a multiplicidade das finalidades do projeto. Ou ainda, a falta de intenção comunicativa. Talvez os fragmentos tenham sidos criados mais para estarem do que para dizerem.
Vale ressaltar a apresentação do “autor” no blog. Latuf revela-se muito mais por meio de seus fragmentos do que por uma descrição autobiográfica. Além disso, em “Margareth Siman Wiedmann, da Alemanha” e até mesmo em “Quem sou eu”, Latuf admite a interpretação que o outro faz dele. O blog institucionaliza o alterego. O autor se permite à reconstrução fragmentada pelo outro. Reconstrução com a qual convivemos cotidianamente, mas agora percebida de uma maneira formal.
Um dos trechos mais marcantes do blog é “Raízes, marítimas e alterosas”. Nesse fragmento, o lirismo traz à tona uma profunda identidade do autor. Os blogs são espaços para poetas independentes das amarras que a produção cultural e intelectual das redes de consumo em massa impõe à criação. É lugar para a jouissance do autor (que é de fato co-autor) e para sua reconstrução infinita por meio de sua obra.

Andréa Lisboa
Jornalista
Macaé-RJ, 25 e setembro de 2009

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