Caros companheiros gragoatardenses,
Embora as palavras nunca possam dizer nada para além de si mesmas, e qualquer tentativa de transpor em linguagem as manifestações do corpo não passem de pueris instrumentalizações dos sujeitos em signos, compartilho convosco os calores de meu último escrito alimentado por nosso último encontro. Devo dizer que nossas divagações intelectuais, ou poderia dizer, disseminações sensoriais, tem provocado profundas cicatrizes no meu corpo-texto de cada dia. Na última aula, nossas reflexões finais sobre vida, morte, existência, arte e dionisismo convocaram-me impiedosamente para um flerte obsceno com as chamas, fui incendiado pelas labaredas estranhas da arte em potência, da revolução e do desregramento dos sentidos corpóreos e textuais.
Agradeço profundamente a todos vocês pelo andamento sublime que tem sido este corpo-a-corpo entre nossos pensamentos, anseios, paixões e corpos!
Amor, Luz e Revolução no coração de todos os homens,
Caio
IMANIFESTO HORIZONTAL AOS COVARDES
OU O ESTUDO DE DOIS CORPOS
Primeiro, um lugar que faça girar a cena
Um corpo escrito sobre outro corpo,
A divulgar as esculturas preservadas nos sujeitos
Os dois e o silêncio, o tempo como professor
Atinjo o óbvio obtuso das duas bocas
Assusto-me, evidências da minha morte!
Quem poderá, com um gesto,
Riscar a odisséia de vossas vidas?
Um corpo torna-se presença
Sob escombros fátuos do pensamento,
Cruzo ilhas férreas em cólicas de Gaia
No dia-a-dia Réia, digo rios (tempos)
Uno-me a ele através de seus gestos previsíveis,
Seus receios medíocres, suas plataformas castradas
Salivar seus indícios escusos,
No caos ácido da cidade entorpecida,
Faz-me sufocar o desejo e a selvagem figura.
Tento, mas não atinjo, seu vazio instaurador
- Do silêncio ou da morte do sentir?
Quem diz? Que importa quem fala?
Já disse alguém.
Nesse corpo, apenas sinto o neutro,
A opinião velada no insulto.
Eis o ser que se ausenta e teme-se,
Interrompe a imersão no acaso sexual
O neutro é a recusa do jogo e do amante,
É tornar-se ausência quando deveria tornar-se dado,
É fechar o texto no abrir da página
Há um tal provincianismo do geo-narcisismo
Que enjoa-me as alegorias e as divagações sexuais
As metáforas edipianizam-se, apagadas aqui
Nesse solo, inútil presença riscada
Fazer o que há é tarefa de poucos
Lançar-se no abismo do devaneio sutil,
Tactear as vertigens taradas do acaso indisciplinador
Assinar, no próprio sexo,
As libertações casuais dos trajetos em revoluções.
Tarefa nobre, corajosa e ensandecida,
Suicida, às vezes, no gosto sul do olhar noturno!
- Eis que pressinto Dioniso se apossar do texto /sic/
Os dados, já no jogo estamos lançados!
O segundo corpo, ilustre filho da meta-noite,
Intersecciona o fundo branco da tela
Desembainha, pelo avesso do sexo,
As peles vestidas na estranheza do corpo calado.
Há fuligem nas chamas dos dedos – um texto,
Perscruta ecos e tintas nos lagos obscenos da dedicação.
Em irradiação volátil de afetos, traquina,
Confunde as formas num deserto de almas.
Diz ser parte Fausto, parte Orfeu e todo enigma
Uno-me a ele através de suas imagens e seus fantasmas.
Insinua-se como um rito errante,
Cênico nas dissimulações amorosas,
Faz delirar os homens de prazeres outros.
Sob as tábuas inscritas em seu cheiro tatuado,
O laço do amante entregue ao delírio!
Origens dispersas, talvez eternamente,
De saudosas orgias bacantes
As primeiras mulheres selvagens abrem-se,
Libertam-se do temor e das gentes suas
Errando pelas colinas em busca de Dioniso,
Comem carne crua e trepam na relva nua
Em torpor ou vislumbre profético,
Escutamos a descontrolada manifestação do sublime.
Elas desinstrumentalizam-se, ex-sujeitos
Não sujeitas ao acaso obrigatório das identidades
Isoladas na mania dionisíaca,
Tratam de apagar os rastros serenos de Apolo,
O deus sol, a clave diurna e racional dos paradigmas
Ousam, no decorrer das luas,
Ondular os colapsos nervosos do bárbaro Dioniso,
Deus estranho, libertador de paixões e de fúrias
O limítrofe hermafrodita embriagado,
Imagem arquetípica da vida indestrutível,
Carrega em suas máscaras as vestes
E o tambor cintilante do ditirambo,
A convocar à vida o vinho, o teatro,
A metamorfose e a loucura.
Eis que o texto colide suas linhas, sinuosas,
Com o fulgor raro de existências puras!
Onde o corpo estranho levou meu texto?
Que importa? Há em mim muitos, sempre outros!
O corpo some e soma-se ao meu trajeto
Eis que somos um, e somos todos!
Viemos aqui por um motivo e sabemo-lo:
Dizer o inaudito sobre os corpos libertos,
Sobre as possíveis revoluções do mundo.
Somos, talvez por toda a eternidade,
Um espelho controverso de duas figuras quebradas.
Dedico as plêiades dessas letras minúsculas
Aos seguidores do bardo coxeado Dioniso,
Aos coroados por seus adornos iniciáticos:
Na testa, o impulso de todos,
Os festivais em ramos de Eras!
No rosto, a metamorfose das máscaras,
A dissimulação e loucura como transcurso,
Um brinde às vivências totais!
Na boca, o fogo da flauta e dos vinhos,
A busca do ardente texto em arritmia marginal
Ao corpo em elipses revolucionárias de libertação!
E nos pés, os leopardos adormecidos,
O presente de poucos,
Designar o grande lobo – a Morte,
Não como finitude perigosa ou tenebrosa,
E sim como flerte ilustre de vida e de caos!
Aos atores e aos palhaços deslocados,
Aos vadios boêmios e aos músicos errantes,
Aos poetas marginais e aos revolucionários militantes,
Infinitos em possibilidades de epifanias indestrutíveis,
Dou-vos parte de mim e toda minha paixão!
(Caio Di Palma)
quinta-feira, 27 de maio de 2010
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