domingo, 28 de fevereiro de 2010
CELEBRAÇÕES
A defesa de dissertação de mestrado de Rafael Santana começou a ser celebrada, aqui, em Saquarema, com um lauto almoço em casa de seus pais; depois, fomos ele e eu almoçar na Praia da Vila, festejando ao som das ondas. Em 23 de fevereiro, dia da defesa, seus pais me levaram de carro até à UFRJ, na Ilha do Fundão. Eles pararam no posto de gasolina, onde também abasteço o meu carro, e um dos atendentes, velho amigo, disse ao Sérgio, pai do Rafa: "Aonde você está levando este menino?" ("o menino" era eu...) "Para fazer um despacho", respondeu o "chauffeur". Lá, no Fundão, fui apresentado aos amigos do mestrando, que vieram da UERJ, onde também são professores. Um deles me disse que pensara ser eu o Pai-de-Santo do Rafael. Ah, preciso dizer que eu envergava uma túnica branquíssima, vinda da Índia; na realidade, eu queria vestir-me de guru. Depois da apoteótica defesa, em que a dissertação foi aprovada "summa cum laude" e com sugestão para publicação, fomos ao MAC (o museu de Niemayer, como é mundialmente conhecido) a fim de almoçar; éramos 7 (número cabalístico) e o Sérgio fez questão de pagar a conta. Ontem, à noite, fomos, Rafael e eu, ao belíssimo Sítio do Hélio e do Fernando, aqui em Saquarema, onde, com vinho chileno e um glorioso jantar, encerrou-se o ciclo das celebrações de um MESTRE, com todas as letras maiúsculas.
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010
RAFAEL SANTANA, MESTRE-EFEBO
Queridíssimo Latuf:
Minhas palavras nunca serão o suficiente para agradecer por tudo que você tem feito por mim. Mais do que atitudes de amigo, suas ações recentes se me afiguram dotadas de um amor que se assemelharia ao amor de mãe. A prova disso tive, primeiramente, na Praia da Vila, quando presenciei a cena em que você negou o carro ao seu próprio filho, porque disse querer estar junto de mim num momento tão importante da minha vida. Isso foi uma prova imensa de amizade, pois sei que você jamais negou o carro ao Otávio, nem mesmo por sua amiga Roseana Murray. E creio que nem preciso mencionar com detalhes a sua participação na minha banca, participação em que pude enxergar em você o perfil do próprio dandy, conceito mais largamente explorado pela minha dissertação. Passados exatos dois dias da minha defesa, recebo uma belíssima (superlativíssima) resenha sobre o meu trabalho (também ela em alta écriture artiste), resenha na qual você demonstra uma extrema sensibilidade de leitura e um carinho, mais que especial, para comigo.
Obrigadíssimo!
Efebelo
Minhas palavras nunca serão o suficiente para agradecer por tudo que você tem feito por mim. Mais do que atitudes de amigo, suas ações recentes se me afiguram dotadas de um amor que se assemelharia ao amor de mãe. A prova disso tive, primeiramente, na Praia da Vila, quando presenciei a cena em que você negou o carro ao seu próprio filho, porque disse querer estar junto de mim num momento tão importante da minha vida. Isso foi uma prova imensa de amizade, pois sei que você jamais negou o carro ao Otávio, nem mesmo por sua amiga Roseana Murray. E creio que nem preciso mencionar com detalhes a sua participação na minha banca, participação em que pude enxergar em você o perfil do próprio dandy, conceito mais largamente explorado pela minha dissertação. Passados exatos dois dias da minha defesa, recebo uma belíssima (superlativíssima) resenha sobre o meu trabalho (também ela em alta écriture artiste), resenha na qual você demonstra uma extrema sensibilidade de leitura e um carinho, mais que especial, para comigo.
Obrigadíssimo!
Efebelo
Ernst Curtius (1886-1956), Literatura européia e Idade Média
"(...) Se se perdessem os escritos de Platão, não seria possível reconstruí-los com o auxílio da plástica dos gregos. O Logos só pode expressar-se em palavras", p. 17
MARCUSE, A dimensão estética
" O tecido inexoráel de alegria e de tristeza, celebração e desespero, Eros e Thanatos, não podem dissolver-se em problemas de lutas de classes. A história também radica na natureza", p. 29.
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010
"MANUCURE", Mário e Sá-Carneiro (1890-1916)
Manucure
Na sensação de estar polindo as minhas unhas,
Súbita sensação inexplicável de ternura,
Tudo me incluo em Mim – piedosamente.
Entanto eis-me sozinho no Café:
De manhã, como sempre, em bocejos amarelos.
De volta, as mesas apenas – ingratas
E duras, esquinadas na sua desgraciosidade
Bocal, quadrangular e livre-pensadora...
Fora: dia de Maio em luz
E sol – dia brutal, provinciano e democrático
Que os meus olhos delicados, refinados, esguios e citadinos
Nem podem tolerar – e apenas forcados
Suportam em náuseas. Toda a minha sensibilidade
Se ofende com este dia que há-de ter cantores
Entre os amigos com quem ando às vezes –
Trigueiros, naturais, de bigodes fartos –
Que escrevem, mas têm partido político
E assistem a congressos republicanos,
Vão às mulheres, gostam de vinho tinto,
De peros ou de sardinhas fritas...
E eu sempre na sensação de polir as minhas unhas
E de as pintar com um verniz parisiense,
Vou-me mais e mais enternecendo
Até chorar por Mim...
Mil cores no Ar, mil vibrações latejantes,
Brumosos planos desviados
Abatendo flechas, listas volúveis, discos flexíveis,
Chegam tenuamente a perfilar-me
Toda a ternura que eu pudera ter vivido,
Toda a grandeza que eu pudera ter sentido,
Todos os cenários que entretanto Fui...
Eis como, pouco a pouco, se me foca
A obsessão débil dum sorriso
Que espelhos vagos reflectiram...
Leve inflexão a sinusar...
Fino arrepio cristalizado...
Inatingível deslocamento...
Veloz faúlha atmosférica...
E tudo, tudo assim me é conduzido no espaço
Por inúmeras intersecções de planos
Múltiplos, livres, resvalantes.
É lá, no grande Espelho de fantasmas
Que ondula e se entregolfa todo o meu passado,
Se desmorona o meu presente,
E o meu futuro é já poeira...
Deponho então as minhas limas,
As minhas tesouras, os meus godets de verniz,
Os polidores da minha sensação –
E solto meus olhos a enlouquecerem de Ar!
Oh! poder exaurir tudo quanto nele se incrusta,
Varar a sua Beleza – sem suporte, enfim! –
Cantar o que ele revolve, e amolda, impregna,
Alastra e expande em vibrações:
Subtilizado, sucessivo – perpétuo ao Infinito!...
Que calotes suspensas entre ogivas de ruínas,
Que triângulos sólidos pelas naves partidos!
Que hélices atrás dum voo vertical!
Que esferas graciosas sucedendo a uma bola de ténis! –
Que loiras oscilações se ri a boca da jogadora...
Que grinaldas vermelhas, que leques, se a dançarina russa,
Meia nua, agita as mãos pintadas da Salomé
Num grande palco a Oiro!
– Que rendas outros bailados!
Ah! mas que inflexões de precipício, estridentes, cegantes,
Que vértices brutais a divergir, a ranger,
Se facas de apache se entrecruzam
Altas madrugadas frias...
E pelas estações e cais de embarque,
Os grandes caixotes acumulados,
As malas, os fardos – pêle-mêle...
Tudo inserto em Ar,
Afeiçoado por ele, separado por ele
Em múltiplos interstícios
Por onde eu sinto a minh'Alma a divagar!...
– Ó beleza futurista das mercadorias!
– Sarapilheira dos fardos,
Como eu quisera togar-me de Ti!
– Madeira dos caixotes,
Como eu ansiara cravar os dentes em Ti!
E os pregos, as cordas, os aros... –
Mas, acima de tudo,
Como bailam faiscantes,
A meus olhos audazes de beleza,
As inscrições de todos esses fardos –
Negras, vermelhas, azuis ou verdes –
Gritos de actual e Comércio & Indústria
Em trânsito cosmopolita:
FRÁGIL! FRÁGIL!
843 – AG LISBON
492 – WR MADRID
Ávido, em sucessão da nova Beleza atmosférica,
O meu olhar coleia sempre em frenesis de absorvê-la
À minha volta. E a que mágicas, e m verdade, tudo baldeado
Pelo grande fluido insidioso,
Se volve, de grotesco – célere,
Imponderável, esbelto, leviano...
– Olha as mesas... Eia! Eia!
Lá vão todas no Ar às cabriolas,
Em séries instantâneas de quadrados
Ali – mas já, mais longe, em losangos desviados...
E entregolfam-se as filas indestrinçavelmente,
E misturam-se às mesas as insinuações berrantes
Das bancadas de veludo vermelho
Que, ladeando-o, correm todo o Café...
E, mais alto, em planos oblíquos,
Simbolismos aéreos de heráldicas ténues
Deslumbra m os xadrezes dos fundos de palhinha
Das cadeiras que, estremunhadas em seu sono horizontal,
Vá lá, se erguem também na sarabanda...
Meus olhos ungidos de Novo,
Sim! – meus olhos futuristas, meus olhos cubistas, meus olhos interseccionistas,
Não param de fremir, de sorver e faiscar
Toda a beleza espectral, transferida, sucedânea,
Toda essa Beleza-sem-Suporte,
Desconjuntada, emersa, variável sempre
E livre – em mutações contínuas,
Em insondáveis divergências...
– Quanto à minha chávena banal de porcelana?
Ah, essa esgota-se em curvas gregas de ânfora,
Ascende num vértice de espiras
Que o seu rebordo frisado a oiro emite...
É no ar que ondeia tudo! É lá que tudo existe!...
...Dos longos vidros polidos que deitam sobre a rua,
Agora, chegam teorias de vértices hialinos
A latejar cristalizações nevoadas e difusas.
Como um raio de sol atravessa a vitrine maior,
Bailam no espaço a tingi-lo em fantasias,
Laços, grifos, setas, ases – na poeira multicolor
Na sensação de estar polindo as minhas unhas,
Súbita sensação inexplicável de ternura,
Tudo me incluo em Mim – piedosamente.
Entanto eis-me sozinho no Café:
De manhã, como sempre, em bocejos amarelos.
De volta, as mesas apenas – ingratas
E duras, esquinadas na sua desgraciosidade
Bocal, quadrangular e livre-pensadora...
Fora: dia de Maio em luz
E sol – dia brutal, provinciano e democrático
Que os meus olhos delicados, refinados, esguios e citadinos
Nem podem tolerar – e apenas forcados
Suportam em náuseas. Toda a minha sensibilidade
Se ofende com este dia que há-de ter cantores
Entre os amigos com quem ando às vezes –
Trigueiros, naturais, de bigodes fartos –
Que escrevem, mas têm partido político
E assistem a congressos republicanos,
Vão às mulheres, gostam de vinho tinto,
De peros ou de sardinhas fritas...
E eu sempre na sensação de polir as minhas unhas
E de as pintar com um verniz parisiense,
Vou-me mais e mais enternecendo
Até chorar por Mim...
Mil cores no Ar, mil vibrações latejantes,
Brumosos planos desviados
Abatendo flechas, listas volúveis, discos flexíveis,
Chegam tenuamente a perfilar-me
Toda a ternura que eu pudera ter vivido,
Toda a grandeza que eu pudera ter sentido,
Todos os cenários que entretanto Fui...
Eis como, pouco a pouco, se me foca
A obsessão débil dum sorriso
Que espelhos vagos reflectiram...
Leve inflexão a sinusar...
Fino arrepio cristalizado...
Inatingível deslocamento...
Veloz faúlha atmosférica...
E tudo, tudo assim me é conduzido no espaço
Por inúmeras intersecções de planos
Múltiplos, livres, resvalantes.
É lá, no grande Espelho de fantasmas
Que ondula e se entregolfa todo o meu passado,
Se desmorona o meu presente,
E o meu futuro é já poeira...
Deponho então as minhas limas,
As minhas tesouras, os meus godets de verniz,
Os polidores da minha sensação –
E solto meus olhos a enlouquecerem de Ar!
Oh! poder exaurir tudo quanto nele se incrusta,
Varar a sua Beleza – sem suporte, enfim! –
Cantar o que ele revolve, e amolda, impregna,
Alastra e expande em vibrações:
Subtilizado, sucessivo – perpétuo ao Infinito!...
Que calotes suspensas entre ogivas de ruínas,
Que triângulos sólidos pelas naves partidos!
Que hélices atrás dum voo vertical!
Que esferas graciosas sucedendo a uma bola de ténis! –
Que loiras oscilações se ri a boca da jogadora...
Que grinaldas vermelhas, que leques, se a dançarina russa,
Meia nua, agita as mãos pintadas da Salomé
Num grande palco a Oiro!
– Que rendas outros bailados!
Ah! mas que inflexões de precipício, estridentes, cegantes,
Que vértices brutais a divergir, a ranger,
Se facas de apache se entrecruzam
Altas madrugadas frias...
E pelas estações e cais de embarque,
Os grandes caixotes acumulados,
As malas, os fardos – pêle-mêle...
Tudo inserto em Ar,
Afeiçoado por ele, separado por ele
Em múltiplos interstícios
Por onde eu sinto a minh'Alma a divagar!...
– Ó beleza futurista das mercadorias!
– Sarapilheira dos fardos,
Como eu quisera togar-me de Ti!
– Madeira dos caixotes,
Como eu ansiara cravar os dentes em Ti!
E os pregos, as cordas, os aros... –
Mas, acima de tudo,
Como bailam faiscantes,
A meus olhos audazes de beleza,
As inscrições de todos esses fardos –
Negras, vermelhas, azuis ou verdes –
Gritos de actual e Comércio & Indústria
Em trânsito cosmopolita:
FRÁGIL! FRÁGIL!
843 – AG LISBON
492 – WR MADRID
Ávido, em sucessão da nova Beleza atmosférica,
O meu olhar coleia sempre em frenesis de absorvê-la
À minha volta. E a que mágicas, e m verdade, tudo baldeado
Pelo grande fluido insidioso,
Se volve, de grotesco – célere,
Imponderável, esbelto, leviano...
– Olha as mesas... Eia! Eia!
Lá vão todas no Ar às cabriolas,
Em séries instantâneas de quadrados
Ali – mas já, mais longe, em losangos desviados...
E entregolfam-se as filas indestrinçavelmente,
E misturam-se às mesas as insinuações berrantes
Das bancadas de veludo vermelho
Que, ladeando-o, correm todo o Café...
E, mais alto, em planos oblíquos,
Simbolismos aéreos de heráldicas ténues
Deslumbra m os xadrezes dos fundos de palhinha
Das cadeiras que, estremunhadas em seu sono horizontal,
Vá lá, se erguem também na sarabanda...
Meus olhos ungidos de Novo,
Sim! – meus olhos futuristas, meus olhos cubistas, meus olhos interseccionistas,
Não param de fremir, de sorver e faiscar
Toda a beleza espectral, transferida, sucedânea,
Toda essa Beleza-sem-Suporte,
Desconjuntada, emersa, variável sempre
E livre – em mutações contínuas,
Em insondáveis divergências...
– Quanto à minha chávena banal de porcelana?
Ah, essa esgota-se em curvas gregas de ânfora,
Ascende num vértice de espiras
Que o seu rebordo frisado a oiro emite...
É no ar que ondeia tudo! É lá que tudo existe!...
...Dos longos vidros polidos que deitam sobre a rua,
Agora, chegam teorias de vértices hialinos
A latejar cristalizações nevoadas e difusas.
Como um raio de sol atravessa a vitrine maior,
Bailam no espaço a tingi-lo em fantasias,
Laços, grifos, setas, ases – na poeira multicolor
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
SABEDORIAS
"O verdadeiro mistério é o vísível, não o invisível", Oscar Wilde.
"Milagre é o que acontece todo dia, não o extraordinário", Nelson dos Santos - Nelsinho -, pintor saquaremense.
"Milagre é o que acontece todo dia, não o extraordinário", Nelson dos Santos - Nelsinho -, pintor saquaremense.
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
Álvaro de Campos a Fernando Pessoa
(Depois de ler seu drama estático "O marinheiro" em "Orfeu I")
Depois de doze minutos
Do seu drama O Marinheiro,
Em que os mais ágeis e astutos
Se sentem com sono e brutos,
E de sentido nem cheiro,
Diz rima das veladoras
Com langorosa magia
De eterno e belo há apenas o sonho.
Por que estamos nós falando ainda?
Ora isso mesmo é que eu ia
Perguntar a essas senhoras...
Depois de doze minutos
Do seu drama O Marinheiro,
Em que os mais ágeis e astutos
Se sentem com sono e brutos,
E de sentido nem cheiro,
Diz rima das veladoras
Com langorosa magia
De eterno e belo há apenas o sonho.
Por que estamos nós falando ainda?
Ora isso mesmo é que eu ia
Perguntar a essas senhoras...
FERNANDO PESSOA, "Passagem das horas".
Fui para a cama com todos os sentimentos,
Fui souteneur de todas as emoções,
Pagaram-me bebidas todos os acasos das sensações,
Troquei olhares com todos os motivos de agir,
Estive mão em mão com todos os impulsos para partir,
Febre imensa das horas!
Angústia da forja das emoções!
Raiva, espuma, a imensidão que não cabe no meu lenço,
Todos os amantes beijaram-se na minh'alma,
Todos os vadios dormiram um momento em cima de mim,
Foram dados na minha boca os beijos de todos os encontros,
Acenaram no meu coração os lenços de todas as despedidas,
Todos os chamamentos obscenos de gesto e olhares
Batem-me em cheio em todo o corpo com sede nos centros sexuais.
Os braços de todos os atletas apertaram-me subitamente feminino,
E eu só de pensar nisso desmaiei entre músculos supostos.
Multipliquei-me, para me sentir,
Para me sentir, precisei sentir tudo,
Transbordei, não fiz senão extravasar-me,
Despi-me, entreguei-rne,
E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente.
Tudo isso é a razão de ser da minha vida.
Fui souteneur de todas as emoções,
Pagaram-me bebidas todos os acasos das sensações,
Troquei olhares com todos os motivos de agir,
Estive mão em mão com todos os impulsos para partir,
Febre imensa das horas!
Angústia da forja das emoções!
Raiva, espuma, a imensidão que não cabe no meu lenço,
Todos os amantes beijaram-se na minh'alma,
Todos os vadios dormiram um momento em cima de mim,
Foram dados na minha boca os beijos de todos os encontros,
Acenaram no meu coração os lenços de todas as despedidas,
Todos os chamamentos obscenos de gesto e olhares
Batem-me em cheio em todo o corpo com sede nos centros sexuais.
Os braços de todos os atletas apertaram-me subitamente feminino,
E eu só de pensar nisso desmaiei entre músculos supostos.
Multipliquei-me, para me sentir,
Para me sentir, precisei sentir tudo,
Transbordei, não fiz senão extravasar-me,
Despi-me, entreguei-rne,
E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente.
Tudo isso é a razão de ser da minha vida.
FERNANDO PESSOA ABSOLUTO
"Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.
Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também."
Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também."
POSES DE APOSENTADO
Depois de quase um mês sem ir à minha UFF, saí, todo serelepe, hoje, na ainda madrugada, para presidir a banca de qualificação de doutorado do Ricardo Portella. Pensei com meus botões ainda adormecidos: como vou me aposentar se gosto tanto de ir à UFF? Tendo, pouco depois dessas reflexões, enfrentado, na Alameda São Boaventura, em Niterói-RJ, um engarrafamento de quase um hora, voltei atrás nas minhas dúvidas e, bem acordado, disse a mim mesmo que já é mais do que hora de eu gozar uma digna aposentadoria. Amém!
domingo, 21 de fevereiro de 2010
BOTAFOGO, BI-CAMPEÃO DA TAÇA GUANABARA!
Tenho com o Botafogo, time carioca de futebol, uma genuína relação semiológica, na medida em que, quando eu tinha uns 6 ou 7 anos, minha prima Therezinha me perguntou, lá em Viçosa-MG, a mim e meu irmão Mucci por que time torcíamos: "Flamengo ou Botafogo". Eu nem sabia do que se tratava, mas gostei tanto do nome "Botafogo", que afirmei, sem pestanejar, ser torcedor do Botafogo. Ganhei, de presente, um espelhinho com "a estrela solitária". Vendo, na tv, a euforia da torcida botafoguense, com a conquista do bi-camnpeonato da taça Guanabara, remeti-me à minha viçosense infância e uma furtiva lágrima correu dos meus vetustos olhos.
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
FERNANDO PESSOA, MESTRE SOBERANÍSSIMO
O artista deve escrever, pintar, esculpir, sem olhar a outra coisa que ao que escreve, pinta ou esculpe. Deve escrever sem olhar para fora de si. Por isso a arte não deve ser, propositadamente, moral nem imoral. É tão vergonhoso fazer arte moral como imoral", Obra em prosa, p. 434.
FERNANDO PESSOA (1888 -1935) ORACULAR
"Só a arte é útil. Crenças, exércitos, impérios, atitudes - tudo isso passa. Só a arte fica, por isso só a arte vê-se, porque dura", Obra em prosa, p. 218.
OCTAVIO PAZ (1914-1998) DIXIT
"El hombre es un ser que se ha creado a sí mismo al crear un lenguaje. Por la palabra, el hombre es una metáfora de sí mismo", Octaio Paz, El arco y la lira, p. 34.
ERÓTICA & SEMIÓTICA
" A relação entre erotismo e poesia é tal que se pode dizer, sem afetação, que o primeiro é uma poética corporal e a segunda uma erótica verbal", Octavio Paz, A dupla chama: amor e erotismo. Trad. Wladyr Dupont.
Invictus, William E. Henley (1849-1903).
Out of the night that covers me,
Black as the pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.
In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.
Beyond this place of wrath and tears
Looms but the horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds, and shall find, me unafraid.
It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll,
I am the master of my fate;
I am the captain of my soul.
Do fundo desta noite que persiste
A me envolver em breu - eterno e espesso,
A qualquer deus - se algum acaso existe,
Por minha alma insubjugável agradeço.
Nas garras do destino e seus estragos,
Sob os golpes que o acaso atira e acerta,
Nunca me lamentei - e ainda trago
Minha cabeça - embora em sangue - ereta.
Além deste oceano de lamúria,
Somente o horror das trevas se divisa;
Porém o tempo, a consumir-se em fúria,
Não me amedronta, nem me martiriza.
Por ser estreita a senda - eu não declino,
Nem por pesada a mão que o mundo espalma;
Eu sou dono e senhor de meu destino;
Eu sou o comandante de minha alma.
Black as the pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.
In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.
Beyond this place of wrath and tears
Looms but the horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds, and shall find, me unafraid.
It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll,
I am the master of my fate;
I am the captain of my soul.
Do fundo desta noite que persiste
A me envolver em breu - eterno e espesso,
A qualquer deus - se algum acaso existe,
Por minha alma insubjugável agradeço.
Nas garras do destino e seus estragos,
Sob os golpes que o acaso atira e acerta,
Nunca me lamentei - e ainda trago
Minha cabeça - embora em sangue - ereta.
Além deste oceano de lamúria,
Somente o horror das trevas se divisa;
Porém o tempo, a consumir-se em fúria,
Não me amedronta, nem me martiriza.
Por ser estreita a senda - eu não declino,
Nem por pesada a mão que o mundo espalma;
Eu sou dono e senhor de meu destino;
Eu sou o comandante de minha alma.
REPELENTE NATURAL
Cravos espetados em limão afastam os mosquitos
Um repelente eficiente e barato. Posso garantir que funciona mesmo.
O limão, quem diria, tão apreciado nas caipirinhas, não tem o mesmo prestígio entre os mosquitos. Aliado ao cravo, ajuda-nos a combater o Aedes Aegypt.
Repelente de mosquitos
O cravo-da-índia, espalhado por superfícies, é muito utilizado para afastar formigas. Contra mosquitos era novidade, até que experimentei e fiquei admirado com os resultados. Enterre alguns cravos em meio limão. Faça isso com 3 ou 4 limões e espalhe pela casa.
Mais uma arma para afastar os mosquitos e se prevenir contra a dengue, malária e outras doenças transmitidas por mosquitos.
Um repelente eficiente e barato. Posso garantir que funciona mesmo.
O limão, quem diria, tão apreciado nas caipirinhas, não tem o mesmo prestígio entre os mosquitos. Aliado ao cravo, ajuda-nos a combater o Aedes Aegypt.
Repelente de mosquitos
O cravo-da-índia, espalhado por superfícies, é muito utilizado para afastar formigas. Contra mosquitos era novidade, até que experimentei e fiquei admirado com os resultados. Enterre alguns cravos em meio limão. Faça isso com 3 ou 4 limões e espalhe pela casa.
Mais uma arma para afastar os mosquitos e se prevenir contra a dengue, malária e outras doenças transmitidas por mosquitos.
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
SEMIOLOGIA EXISTENCIAL
SEMIOLOGIA EXISTENCIAL
As palavras são as palavras e as coisas são as coisas. "Vertigem", por exemplo, é uma linda palavra: tem ritmo, cria imagem, afirma, embora seja hesitação. Quando adolescente, passei, lembro-me, por uma crise de labirintite. Agora, já decano (todavia, sem cãs, pois tenho a cabeça zenmente raspada), tenho, de novo, neste carnaval escaldante, uma crise de vertigem. Tudo roda comigo. Eu rodo no meio de tudo. Sinto náuseas. Perco, literalmente, o equilíbrio e ando como um bêbado que não bebeu. Não sou bêbado nem equilibrista. É horrível a coisa da vertigem. Mas a palavra é bela e até nomeia uma estética, o Decadentismo, que consagrei no meu livro "Ruína & simulacro decadentista", tão lido, tão parafraseado, tão intertextualizado. "As palavras e as coisas", escreveu muito bem Michel Foucault, sintagma onde a conjunção aditiva "e" diferencia-se, essencialmente, da terceira pessoa do plural do verbo "ser": as palavras não "são" as coisas. O signo designa. O nome nomeia. O termo determina. Mas a coisa é a coisa. E pronto. Ponto final na semiologia.
As palavras são as palavras e as coisas são as coisas. "Vertigem", por exemplo, é uma linda palavra: tem ritmo, cria imagem, afirma, embora seja hesitação. Quando adolescente, passei, lembro-me, por uma crise de labirintite. Agora, já decano (todavia, sem cãs, pois tenho a cabeça zenmente raspada), tenho, de novo, neste carnaval escaldante, uma crise de vertigem. Tudo roda comigo. Eu rodo no meio de tudo. Sinto náuseas. Perco, literalmente, o equilíbrio e ando como um bêbado que não bebeu. Não sou bêbado nem equilibrista. É horrível a coisa da vertigem. Mas a palavra é bela e até nomeia uma estética, o Decadentismo, que consagrei no meu livro "Ruína & simulacro decadentista", tão lido, tão parafraseado, tão intertextualizado. "As palavras e as coisas", escreveu muito bem Michel Foucault, sintagma onde a conjunção aditiva "e" diferencia-se, essencialmente, da terceira pessoa do plural do verbo "ser": as palavras não "são" as coisas. O signo designa. O nome nomeia. O termo determina. Mas a coisa é a coisa. E pronto. Ponto final na semiologia.
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
CARNAVAL, CARNAVAL
No carnaval brasileiro, os blocos e as bandas exibem a riqueza de ritmos nacionais, como, além do arquetípico samba, o frevo, o forró, o maracatu, o jongo, o funk carioca, as imorredouras marchinhas, por exemplo, tudo numa mistura bem carnavalesca ou, oswaldianamente falando, antropófaga.
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
JULIANA RAMOS
Majestoso Rei...queria enviar esse e-mail para agradecer...por sua generosidade, seu caráter, sua gentileza...fui sua aluna durante quatro anos e me sentirei sua amiga pelos longos anos que nos aguardam no futuro.Nem sempre posso responder a seus maravilhosos e-mails, não dou a atenção que sua escrita de qualidade e sua perspectiva, sempre atual, têm na escolha dos temas dos e-mails, mas eu tenho respeito e fidelidade à pessoa maravilhosa que você é.Muito do que sou se deve ao fato de ter aprendido com você a importância de ser amável e de ser amor.....Te amooooooooo!Obrigada por tudo!A Produtora Cultural em que me tornei e em que continuarei me tornando ao longo da vida tem o seu modelo de virtude.A alegria...a sinceridade...a criatividade...ser absoluta!!!!!!!!!! Bjs!!!
CONFIRMAÇÃO
Acabo de perguntar ao Gabriel: "Você vai ao colégio hoje?" "Eu gostei do colégio", confirmou o Menino.
OVÌDIO
Non sum ego quod fueram. Quid inanem proteris umbram?
[Não sou o que fui. Por que te aproveitas de mim, débil sombra? III, XI, 25 Ovidio, Tristia]
[Não sou o que fui. Por que te aproveitas de mim, débil sombra? III, XI, 25 Ovidio, Tristia]
ESCOLARES
Ontem, Gabriel foi, pela primeira vez, à escola. Lembro-me de quando cada um de meus netos começou a estudar. O João Otavinho fazia birra no colégio "Lápis de cor"; já a Vitorinha entrou faceira. Gael sempre quis ir ao Colégio "Corujinha", onde estuda sua irmãzinha, tanto é que, a cada vez em que ia com o pai levá-la, queria ficar lá. Finalmente, conseguimos vaga para ele, que começou, ontem, a estudar. Foi todo arrumadinho, quase um dândi. Fiquei curioso para saber suas primeiras impressões. Não queria voltar para casa e, quando lhe perguntei se gostou da escola, respondeu, com toda certeza e com os olhinhos sorridentes: "Gostei!"
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
Gotfried Benn
"Equivocarse, y a pesar de ello, deber otorgar confianza a mi ser interior, esto es el hombre."
TAUTOLOGIA
"Robinho é Robinho", disse o menino, pedindo um autógrafo, na sua camiseta de sãopaulino, do jogador santista, que fez um gol de letra no jogo contra o São Paulo. A linguagem é tautológica, mostrou o torcedor mirum. "Gol de letra" será feito por um letrado? Robinho disse que escreveu a letra "J", de seu filho Júnior.
TZVETAN TODOROV DIXIT
"Os livros acumulam a sabedoria que os povos de toda a Terra adquiriram ao longo dos séculos. É improvável que a minha vida individual, em tão poucos anos, possa ter tanta riqueza quanto a soma de vidas representadas pelos livros. Não se trata de substituir a experiência pela literatura, mas multiplicar uma pela outra. Não lemos para nos tornar especialistas em teoria literária, mas para aprender mais sobre a existiência humana. Quando lemos, nos tornamos antes de qualquer coisa especialistas em vida. Adquirimos uma riqueza que não está apenas no acesso às idéias, mas também no conhecimento do ser humano em toda a sua diversidade".
domingo, 7 de fevereiro de 2010
GABRIEL SEMIÓTICO
Ao ver o Gabriel saindo da piscina, observei-lhe: "Gael, você está pelado!"; da alta sabedoria de seus três anos, ele me contestou: "Pelado, não, vô; de cueca".
JOGOS DE VERÃO
Procurando driblar esta canícula, quase insuportável, faço de um tudo: fico semi-nu, qual São Sebatião tropicalo sem flechas, abro todas as portas (a janelas vivem escancaradas), baixo as cortinas, ligo todos os ventiladores, até faço funcionar o aparelho de ar condicionado, por anos ocioso, tomo intermitentes banhos, bebo líquido aos borbotões. De pouco adianta tanto esforço e tamanha estratégia. Acabo de descobrir que, ouvindo a magnífica Monserrat Caballé, a beleza da música me faz esquecer o calor. Calor mais alto se alevanta.
MARIODEANDRADIANDO
Quando fico muito tempo sem ler, escrever ou falar de Mário de Andrade, "corpus" de minha pesquisa, em nível de pós-doutorado, na USP, sob a regência de Massaud Moisés, fico com uma saudade imensa do poeta paulistano desvairado. Então, vasculho minha ampla bilbioteca mariodeandradiana, e sinto um beijo de reencontro.
Gabriel Otávio Latuf, leitor de signos animais
Olhando, atentamente, no jardim, a tartaruga-mor, Bastião, o scheik do grupo de minhas seis tartarugas, Gael afirma: "É o pai".
GUTO, O VIRTUOSO
Enquanto lia em pé no jardim, acabei de notar que, entre suas várias virtudes, Guto, meu cão parafinado, tem ciúme de mim. Não tem ciúme de meus três netos, mas, quando uma das sete tartarugas, que perabulam por estes jardins, se aproxima de mim, querendo fazer um carinho nos meus pés, ele, Gutemberg de nome de batismo, rosna, ameaça, late. A tartaruga simplesmente esconde a cabeça sob a pétrea carapaça. E tudo volta a ser paz no reino do amor animal.
SANCTA INVIDIA
Li que Fernando Pessoa - para mim, o mais extraordinário de todos os poetas, um poeta que emblema todos os poetas, um poeta-mandala - escreveu, em pé e de uma só vez, 35 poemas. Quanto a mim, contento-me em ler em pé, no meu jardim.
sábado, 6 de fevereiro de 2010
FRONTEIRAS
Estava fechado o portãozinho que une, e separa, a minha casa da casa de Otávio, meu filho. Com as carinhas coladas ao portão, Vitória Latifa e Gabriel Otávio Latuf insistiam em ultrapassar a fronteira. Gael, do alto de seus três gloriosos aninhos, foi mais incisivo: "Vô, eu quero você!"
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
"PASSEIO SOCRÁTICO" , Frei Betto
Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos, e em paz nos seus mantos cor de açafrão...
Em outro dia, eu observava o movimento do Aeroporto de São Paulo: a sala de espera estava cheia de Executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado o seu café da manhã em casa; mas, como a companhia aérea oferecia outro café, todos comiam vorazmente.
Aquilo me fez refletir: “Qual dos dois modelos vistos por mim, até aqui, realmente produz felicidade?”.
Passados alguns dias, encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: “Não foi à aula?”. E ela me respondeu: “Não. Eu só tenho aula à tarde”. Comemorei: “Que bom! Isto significa, então, que, de manhã, você pode brincar, ou dormir até mais tarde!....”. “Não!”, retrucou-me ela, “tenho tanta coisa a fazer, de manhã...”. “Que tanta coisa?”, perguntei. “Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina”, e começou a elencar seu programa de garota robotizada...
Fiquei pensando: “Que pena! A Daniela não me disse: “Tenho aula de meditação”. Vê-se que estamos construindo super-homens e super-mulheres, totalmente equipados, mas, emocionalmente infantilizados.
Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo... Mas, preocupo-me com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos. Alguns perguntaram “Como estava o defunto?”. E outros responderão: “Olha..., uma maravilha, não tinha uma celulite!”...
Mas, como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?
Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação, porém, de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais...
A palavra hoje é “entretenimento”. Domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil, o apresentador; imbecil, quem vai lá e se apresenta no palco; imbecil, quem perde a tarde diante da telinha... E como a publicidade não consegue vender felicidade, ela nos passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: “Se tomar este refrigerante, calçar este tênis, usar esta camisa, comprar este carro..., você chega lá!”.
O problema é que, em geral, “não se chega”! Pois, quem cede a tantas propagandas desenvolve, de tal maneira, o seu desejo, que acaba precisando de um analista, ou de remédios. E quem, ao contrário, resiste, aumenta a sua neurose.
O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: a amizade, a autoestima e a ausência de estresse.
Mas há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno.. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um Shopping Center. É curioso: a maioria dos Shoppings Centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles, não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de “missa de domingo”. E ali dentro se sente uma sensação paradisíaca: não há mendigos, não há crianças de rua, não se vê sujeira pelas calçadas...
Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno: aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se vários nichos: capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Mas, aquele que só pode comprar passando cheque pré-datado, ou a crédito, ou, ainda, entrando no “cheque especial”, se sente no purgatório. E pior: aquele que não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno...
Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do McDonald...
Por tudo isto, costumo dizer aos balconistas que me cercam à porta das lojas, que estou, apenas, fazendo um “passeio socrático”.. E, diante de seus olhares espantados, explico: “Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: Estou, apenas, observando quantas coisas existem e das quais não preciso para ser feliz!".
Em outro dia, eu observava o movimento do Aeroporto de São Paulo: a sala de espera estava cheia de Executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado o seu café da manhã em casa; mas, como a companhia aérea oferecia outro café, todos comiam vorazmente.
Aquilo me fez refletir: “Qual dos dois modelos vistos por mim, até aqui, realmente produz felicidade?”.
Passados alguns dias, encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: “Não foi à aula?”. E ela me respondeu: “Não. Eu só tenho aula à tarde”. Comemorei: “Que bom! Isto significa, então, que, de manhã, você pode brincar, ou dormir até mais tarde!....”. “Não!”, retrucou-me ela, “tenho tanta coisa a fazer, de manhã...”. “Que tanta coisa?”, perguntei. “Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina”, e começou a elencar seu programa de garota robotizada...
Fiquei pensando: “Que pena! A Daniela não me disse: “Tenho aula de meditação”. Vê-se que estamos construindo super-homens e super-mulheres, totalmente equipados, mas, emocionalmente infantilizados.
Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo... Mas, preocupo-me com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos. Alguns perguntaram “Como estava o defunto?”. E outros responderão: “Olha..., uma maravilha, não tinha uma celulite!”...
Mas, como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?
Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação, porém, de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais...
A palavra hoje é “entretenimento”. Domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil, o apresentador; imbecil, quem vai lá e se apresenta no palco; imbecil, quem perde a tarde diante da telinha... E como a publicidade não consegue vender felicidade, ela nos passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: “Se tomar este refrigerante, calçar este tênis, usar esta camisa, comprar este carro..., você chega lá!”.
O problema é que, em geral, “não se chega”! Pois, quem cede a tantas propagandas desenvolve, de tal maneira, o seu desejo, que acaba precisando de um analista, ou de remédios. E quem, ao contrário, resiste, aumenta a sua neurose.
O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: a amizade, a autoestima e a ausência de estresse.
Mas há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno.. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um Shopping Center. É curioso: a maioria dos Shoppings Centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles, não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de “missa de domingo”. E ali dentro se sente uma sensação paradisíaca: não há mendigos, não há crianças de rua, não se vê sujeira pelas calçadas...
Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno: aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se vários nichos: capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Mas, aquele que só pode comprar passando cheque pré-datado, ou a crédito, ou, ainda, entrando no “cheque especial”, se sente no purgatório. E pior: aquele que não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno...
Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do McDonald...
Por tudo isto, costumo dizer aos balconistas que me cercam à porta das lojas, que estou, apenas, fazendo um “passeio socrático”.. E, diante de seus olhares espantados, explico: “Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: Estou, apenas, observando quantas coisas existem e das quais não preciso para ser feliz!".
MARINA SILVA, MINHA PRESIDENTA DO BRASIL
Ontem, por um felicíssimo acaso, vi, na tv, uma entrevista com Marina Silva. Ela é linda. Acho-a parecida com Sônia Braga, em seus áureos tempos de Gabriela, cravo e canela. Do fundo do sertão brasileiro, Marina Silva fala sem clichês e me inspira confiança e esperança. Ela é um Lula de saias, mas não deslumbrada com o poder. Ela se fez e se faz na luta do cotidiano do povo brasileiro. Eu já a elegi, no meu vetusto coração, presidenta do Brasil. E quem for brasileiro que me siga!
O POETA É UMA ÁRVORE
Há alguns anos, de repente, não mais que de repente (como diria o Poetinha carioca), nasceu, no meu quintal, uma árvore que, logo logo, se tornou frondosa e florida. Jamais soube seu nome; apostei que fosse "Pau-Brasil" e sonhei que seria um Cedro-do-Líbano, justamente minhas duas Pátrias. Ninguém jamais conseguiu dizer-me o nome daquela árvore, que permanece anônima ou um signo sem significante. Ela é absoluta, a única árvore do meu quintal, ao contrário do meu jardim que tem palmeiras, flamboyants, amendoeiras.
Este ano, influenciado por algumas pessoas, quis instalar uma antena de tv, que captura 200 canais. O pessoal da instalação veio aqui, mas nada conseguia; foi-me dito que a culpa era da árvore do meu quintal, que impedia o sinal; resolveu-se, então, contra a minha vontade, podar bem minha árvore soberana. De nada adiantou. Resolvi não mais ter canais de tv e usar o televisor apenas para assistir aos meus "dvd's".
A cada vez que eu olhava meu quintal, sentia um travo. Mas, de novo, de repente, não mais que de repente, minha árvore única brotou, brotou intensamente, brotou como o sol de verão. Com ela me comunico com a vida perene.
Este ano, influenciado por algumas pessoas, quis instalar uma antena de tv, que captura 200 canais. O pessoal da instalação veio aqui, mas nada conseguia; foi-me dito que a culpa era da árvore do meu quintal, que impedia o sinal; resolveu-se, então, contra a minha vontade, podar bem minha árvore soberana. De nada adiantou. Resolvi não mais ter canais de tv e usar o televisor apenas para assistir aos meus "dvd's".
A cada vez que eu olhava meu quintal, sentia um travo. Mas, de novo, de repente, não mais que de repente, minha árvore única brotou, brotou intensamente, brotou como o sol de verão. Com ela me comunico com a vida perene.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
GATO ESCALDADO
Sempre tive horror de tomar banho de água fria. Lembro-me de minha Mãe, que, mesmo no verão mineiro, se banhava em águas quentes ou morna. E sua peleem seus 83 anos de vida, era lisa como porcelana, o que rompe o mito de que água quente causa rugas. Rugas cria o tempo, deixando marcas no rosto que sobrevive. Outro motivo de meu horror a banho frio radica nas duchas geladas que, no seminário de Mariana-MG, éramos obrigados a tomar, mesmo no inverno de quatro graus, às cinco horas da manhã. Menino, sentia, ao entrar no chuveiro de água gelada, um choque na cabeça, que jamais esquecerei. Até este verão abrasador de 2010, , eu dizia que só em Belém-PA uso, até no inverno, água fria no chuveiro, porque ela jorra tropicalmente tépida. Agora, também em minha Saquarema, desliguei o chuveiro quente e só tomo banho frio. Por ora, mudei meu hábito de gato escaldado.
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
ROMAN, ARTHUR RIMBAUD (1854-1891)
I
On n'est pas sérieux, quand on a dix-sept ans.
- Un beau soir, foin des bocks et de la limonade,
Des cafés tapageurs aux lustres éclatants !
- On va sous les tilleuls verts de la promenade.
Les tilleuls sentent bon dans les bons soirs de juin !
L'air est parfois si doux, qu'on ferme la paupière ;
Le vent chargé de bruits - la ville n'est pas loin -
A des parfums de vigne et des parfums de bière...
II
-Voilà qu'on aperçoit un tout petit chiffon
D'azur sombre, encadré d'une petite branche,
Piqué d'une mauvaise étoile, qui se fond
Avec de doux frissons, petite et toute blanche...
Nuit de juin ! Dix-sept ans ! - On se laisse griser.
La sève est du champagne et vous monte à la tête ...
On divague ; on se sent aux lèvres un baiser
Qui palpite là, comme une petite bête ...
III
Le coeur fou Robinsonne à travers les romans,
Lorsque, dans la clarté d'un pâle réverbère,
Passe une demoiselle aux petits airs charmants,
Sous l'ombre du faux col effrayant de son père ...
Et, comme elle vous trouve immensément naïf,
Tout en faisant trotter ses petites bottines,
Elle se tourne, alerte et d'un mouvement vif ...
- Sur vos lèvres alors meurent les cavatines ...
IV
Vous êtes amoureux. Loué jusqu'au mois d'août.
Vous êtes amoureux. - Vos sonnets La font rire.
Tous vos amis s'en vont, vous êtes mauvais goût.
- Puis l'adorée, un soir, a daigné vous écrire !...
- Ce soir-là,... - vous rentrez aux cafés éclatants,
Vous demandez des bocks ou de la limonade...
- On n'est pas sérieux, quand on a dix-sept ans
Et qu'on a des tilleuls verts sur la promenade.
29 septembre 1870
On n'est pas sérieux, quand on a dix-sept ans.
- Un beau soir, foin des bocks et de la limonade,
Des cafés tapageurs aux lustres éclatants !
- On va sous les tilleuls verts de la promenade.
Les tilleuls sentent bon dans les bons soirs de juin !
L'air est parfois si doux, qu'on ferme la paupière ;
Le vent chargé de bruits - la ville n'est pas loin -
A des parfums de vigne et des parfums de bière...
II
-Voilà qu'on aperçoit un tout petit chiffon
D'azur sombre, encadré d'une petite branche,
Piqué d'une mauvaise étoile, qui se fond
Avec de doux frissons, petite et toute blanche...
Nuit de juin ! Dix-sept ans ! - On se laisse griser.
La sève est du champagne et vous monte à la tête ...
On divague ; on se sent aux lèvres un baiser
Qui palpite là, comme une petite bête ...
III
Le coeur fou Robinsonne à travers les romans,
Lorsque, dans la clarté d'un pâle réverbère,
Passe une demoiselle aux petits airs charmants,
Sous l'ombre du faux col effrayant de son père ...
Et, comme elle vous trouve immensément naïf,
Tout en faisant trotter ses petites bottines,
Elle se tourne, alerte et d'un mouvement vif ...
- Sur vos lèvres alors meurent les cavatines ...
IV
Vous êtes amoureux. Loué jusqu'au mois d'août.
Vous êtes amoureux. - Vos sonnets La font rire.
Tous vos amis s'en vont, vous êtes mauvais goût.
- Puis l'adorée, un soir, a daigné vous écrire !...
- Ce soir-là,... - vous rentrez aux cafés éclatants,
Vous demandez des bocks ou de la limonade...
- On n'est pas sérieux, quand on a dix-sept ans
Et qu'on a des tilleuls verts sur la promenade.
29 septembre 1870
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
Symphony No. 45 (Haydn)
Symphony No. 45 in F-sharp minor, known as the "Farewell" Symphony (in German: Abschieds-Symphonie), was composed by Joseph Haydn in 1772.
It was written for Haydn's patron, Prince Nikolaus Esterházy, while he, Haydn and the court orchestra were at the Prince's summer palace in Eszterhaza. The stay there had been longer than expected, and most of the musicians had been forced to leave their wives back at home in Eisenstadt, so in the last movement of the symphony, Haydn subtly hinted to his patron that perhaps he might like to allow the musicians to return home: during the final adagio each musician stops playing, snuffs out the candle on his music stand, and leaves in turn, so that at the end, there are just two muted violins left (played by Haydn himself and the concertmaster, Alois Luigi Tomasini). Esterházy seems to have understood the message: the court returned to Eisenstadt the day following the performance.
The first movement of Symphony No. 85 contains a reference to this symphony
It was written for Haydn's patron, Prince Nikolaus Esterházy, while he, Haydn and the court orchestra were at the Prince's summer palace in Eszterhaza. The stay there had been longer than expected, and most of the musicians had been forced to leave their wives back at home in Eisenstadt, so in the last movement of the symphony, Haydn subtly hinted to his patron that perhaps he might like to allow the musicians to return home: during the final adagio each musician stops playing, snuffs out the candle on his music stand, and leaves in turn, so that at the end, there are just two muted violins left (played by Haydn himself and the concertmaster, Alois Luigi Tomasini). Esterházy seems to have understood the message: the court returned to Eisenstadt the day following the performance.
The first movement of Symphony No. 85 contains a reference to this symphony
CLÁUDIA DAMASCENO, ORACULAR
Meu querido Amor,
venho acompanhando a sua produção poética de férias e me dou conta de que você está vivendo a plenitude...
Sim.
E a plenitude significa o momento, o ápice e também a colheita. Em verdade, ( a verdade é de cada um ), você está onde você deveria estar, desfrutando dos relacionamentos que nos fazem sentir vivos, estar vivos, e é onde existimos realmente, produzindo poesia.
Te amo, meu poeta. Obrigada por você existir na minha vida.
Cláudia
venho acompanhando a sua produção poética de férias e me dou conta de que você está vivendo a plenitude...
Sim.
E a plenitude significa o momento, o ápice e também a colheita. Em verdade, ( a verdade é de cada um ), você está onde você deveria estar, desfrutando dos relacionamentos que nos fazem sentir vivos, estar vivos, e é onde existimos realmente, produzindo poesia.
Te amo, meu poeta. Obrigada por você existir na minha vida.
Cláudia
CHEZ BERTHA KLIGERMAN
A casa de Bertha Kligerman, em Teresópolis-RJ, tem belas peças antigas, que ela, estilista e artista de vanguarda, colheu em suas viagens mundo afora. Como sou colecionador esteta, conservando, em minha casa-santuário-museu-monastério-tebaida-memorial, obras de arte, também adquiridas em minhas façanhas de "globetrotter", fiquei encantado com o que vi na decoração da casa de minha mais jovem amiga, de quase 90 anos. Contemplava eu aqueles objetos, quando Roseana Murray, sua primogênita, chamou minha atenção para uma boneca de cristal da Boêmia, com uma saia amarela, porque guardava um licor dessa cor. Dizia-me a consagrada ecritora que aquela boneca a impressionava muito, quando ela era criança, até porque a mãe-modista vestia com licores de cores diferentes, por exemplo, a blusa branca e a saia vermelha, usando-a, quem sabe, pensava eu, como manequim. Curiosíssimo como todo esteta que se preza, peguei a boneca, que estava soberana em cima do movel, também de estilo. Comecei a analisar a peça, considerei-a, dado a seu ar enigmático, quase uma múmia egípcia, observei seus detalhes e quis virá-la de cabeça para baixo, como se faz com as porcelas, no sentido de saber sua origem. Bertha afirmava que a trouxera de Roma. Quando fiz o movimento para olhar a base da boneca, derramou-se o líquido amarelo que foi manchar, justamente, o vestido novinho de Roseana, que usava para irmos à festa de 90 anos de Jacob, marido de Rivka. Fiquei envergonhadíssimo com o sucedido. Evelyn, a filha-caçula, acudiu imediatamente e foi jogar detergente no vestido; depois, Roseana teve que usar o vestido de sua tia Alice, aliás um lindo tubinho, que combina com a cor de cobre de seus eslavos cabelos. A todo momento eu me desculpava, me dizia "maladroit", "gauche", como Drummond, desajeitadíssimo, enfim. Eu estava no meio de meu mais cruel constrangimento quando Bertha, do alto de sua sabedoria zen, me consolou maternalmente: "Não há problema!"
DE COMO SURGIU O BUDISMO
O Budismo surgiu da insatisfação de um jovem príncipe, chamado Sidarta Gautama Sakyamuni, que nasceu na cidade de Kapilavastu, localizada no centro-norte da Índia, atualmente Nepal, no oitavo dia do quarto mês, há Aproximadamente 565a.C.
Conta a tradição que Sidarta levava uma vida luxuosa, cheia de confortos e regalias, sem que nada lhe pudesse dar a idéia das agruras e vicissitudes da vida. Seu pai, o Rei Sudodhana, empenhava-se tanto em mantê-lo afastado dessas realidades, que proibiu-o de ultrapassar as muralhas do palácio, onde ele usufruía do luxo e da riqueza. Alimentos maravilhosos, contato somente com pessoas bonitas e alegres, belos e bem cuidados jardins e pomares, enfim, tudo aquilo que um ser humano pode desejar como agradável para os sentidos.
Após certos acontecimentos, o jovem Sidarta resolveu sair do palácio e aventurar-se pelas estradas e cercanias da cidade que seu pai governava. Conta a tradição, que num dado momento, ele viu um homem extremamente velho, enrugado, encurvado que caminhava com bastante dificuldade, apoiando-se sobre uma bengala. Aquilo o deixou horrorizado, porque ele nunca havia se dado conta de que as pessoas envelheciam e entravam em decadência física.
Continuando o passeio, o príncipe encontrou um outro homem que chamou sua atenção, desta vez não tão velho, mas com o corpo e o rosto inteiramente dilacerados por feridas causadas por algum tipo de doença terrível. Isso foi um novo choque. Em toda a sua jovem vida, ele jamais percebera que as pessoas podem ser acometidas por doenças horríveis.
Mais adiante, ele se deparou com um cadáver já meio devorado pelos lobos e chacais. Aquilo o abalou profundamente. Sidarta não tinha consciência de que na vida todos caminham incessantemente para a morte.
No caminho de volta, ele se deparou com um peregrino (espécie de homem considerado santo na Índia - sadhu), que apesar de quase nu, e sem nada possuir, além de uma tigela para mendigar comida e um bastão, aquele homem parecia estar tranquilo, seu rosto irradiava paz, dignidade e contentamento.
Profundamente combalido e decepcionado com as cenas terríveis que presenciara em seu passeio e, assustado por não ter tido anterior conhecimento sobre tudo aquilo que presenciou, retornou ao palácio. Ali refletiu longamente e qualificou o que vira como as três marcas da impermanência (velhice, doença e morte). Entretanto, a lembrança do peregrino deu-lhe a certeza de que a única maneira de extinguir aquela angústia imensa que dele se apoderara era o abandono físico e mental daquela vida de confortos e acomodação material. Tomada essa decisão, assim ele fez, abandonou a casa paterna para tentar encontrar uma resposta para tanto sofrimento por que passam os seres.
Durante os seis anos seguintes, o ex-príncipe estudou com os maiores mestres da época todos os modos de espiritualidade conhecidos até então. Desde o estudo erudito das mais profundas leis espirituais, até a mortificação mais severa. Mas, nada disso o satisfez, não tinha encontrado ainda o lenitivo final para as angústias e sofrimentos humanos, fossem eles físicos ou mentais.
Após ter percebido que ainda não fora inventado o remédio para aquele tipo de "doença", resolveu ele, por conta própria, tentar descobri-lo. Desta vez iria procurar a resposta dentro de sí, pois inutilmente a procurara fora e não a encontrara. Sentou-se debaixo de uma velha e imponente figueira, disposto a não mais se levantar até descobrir o fim do sofrimento. Ali ficou durante 49 dias, em profunda e silenciosa meditação. Sidarta, então experimentou e ultrapassou todos os níveis de consciência, chegando até a suprema iluminação, o Nirvana. Neste momento, ele transformou-se no Buda, que significa "o supremo iluminado, totalmente consciente" . Contava ele com 35 anos de idade. A partir deste momento, e até o dia de sua morte aos 80 anos, ele viajou por todo o noroeste da Índia, partilhando com um número crescente de discípulos as suas experiências e sua luz.
O Budismo baseia-se no conceito de que tudo é ilusório, transitório e portanto impermanente. A busca essencial consiste em se ultrapassar a ilusão rumo à perfeita consciência, que é o estado de Nirvana. É também conhecido como o "Caminho do meio", por afastar-se dos extremos, tais como escetismo de um lado e luxuosidade de outro. Além desses elementos a doutrina budista baseia-se também nas Quatro Nobres Verdades e na chamada Nobre Senda Óctupla.
O budismo ao longo de todos esses séculos dividiu-se em três principais ramificações: O budismo Theravada, ou a doutrina dos antigos. É um sistema muito ortodoxo, baseado nos princípios monásticos indianos. O budismo Zen, que é a forma chinesa e japonesa de explicar a doutrina. É considerada a maneira mais rápida e direta de se compreender o método de iluminação de Buda. Dá muita ênfase na meditação e nas artes. É o ramo de maior prestígio no Ocidente. O budismo Tibetano ou Lamaismo é o sincretismo entre o Budismo, o Tantrismo e o Bon Po (prática Xamânica que era a religião original do Tibete).
Assim como todas as grandes religiões, o Budismo tem muito de sabedoria para nos oferecer. Na próxima semana, mais história sobre Buda e sua filosofia.
*Getúlio Taigen é monge Budista Zen, com ordenação leiga
Conta a tradição que Sidarta levava uma vida luxuosa, cheia de confortos e regalias, sem que nada lhe pudesse dar a idéia das agruras e vicissitudes da vida. Seu pai, o Rei Sudodhana, empenhava-se tanto em mantê-lo afastado dessas realidades, que proibiu-o de ultrapassar as muralhas do palácio, onde ele usufruía do luxo e da riqueza. Alimentos maravilhosos, contato somente com pessoas bonitas e alegres, belos e bem cuidados jardins e pomares, enfim, tudo aquilo que um ser humano pode desejar como agradável para os sentidos.
Após certos acontecimentos, o jovem Sidarta resolveu sair do palácio e aventurar-se pelas estradas e cercanias da cidade que seu pai governava. Conta a tradição, que num dado momento, ele viu um homem extremamente velho, enrugado, encurvado que caminhava com bastante dificuldade, apoiando-se sobre uma bengala. Aquilo o deixou horrorizado, porque ele nunca havia se dado conta de que as pessoas envelheciam e entravam em decadência física.
Continuando o passeio, o príncipe encontrou um outro homem que chamou sua atenção, desta vez não tão velho, mas com o corpo e o rosto inteiramente dilacerados por feridas causadas por algum tipo de doença terrível. Isso foi um novo choque. Em toda a sua jovem vida, ele jamais percebera que as pessoas podem ser acometidas por doenças horríveis.
Mais adiante, ele se deparou com um cadáver já meio devorado pelos lobos e chacais. Aquilo o abalou profundamente. Sidarta não tinha consciência de que na vida todos caminham incessantemente para a morte.
No caminho de volta, ele se deparou com um peregrino (espécie de homem considerado santo na Índia - sadhu), que apesar de quase nu, e sem nada possuir, além de uma tigela para mendigar comida e um bastão, aquele homem parecia estar tranquilo, seu rosto irradiava paz, dignidade e contentamento.
Profundamente combalido e decepcionado com as cenas terríveis que presenciara em seu passeio e, assustado por não ter tido anterior conhecimento sobre tudo aquilo que presenciou, retornou ao palácio. Ali refletiu longamente e qualificou o que vira como as três marcas da impermanência (velhice, doença e morte). Entretanto, a lembrança do peregrino deu-lhe a certeza de que a única maneira de extinguir aquela angústia imensa que dele se apoderara era o abandono físico e mental daquela vida de confortos e acomodação material. Tomada essa decisão, assim ele fez, abandonou a casa paterna para tentar encontrar uma resposta para tanto sofrimento por que passam os seres.
Durante os seis anos seguintes, o ex-príncipe estudou com os maiores mestres da época todos os modos de espiritualidade conhecidos até então. Desde o estudo erudito das mais profundas leis espirituais, até a mortificação mais severa. Mas, nada disso o satisfez, não tinha encontrado ainda o lenitivo final para as angústias e sofrimentos humanos, fossem eles físicos ou mentais.
Após ter percebido que ainda não fora inventado o remédio para aquele tipo de "doença", resolveu ele, por conta própria, tentar descobri-lo. Desta vez iria procurar a resposta dentro de sí, pois inutilmente a procurara fora e não a encontrara. Sentou-se debaixo de uma velha e imponente figueira, disposto a não mais se levantar até descobrir o fim do sofrimento. Ali ficou durante 49 dias, em profunda e silenciosa meditação. Sidarta, então experimentou e ultrapassou todos os níveis de consciência, chegando até a suprema iluminação, o Nirvana. Neste momento, ele transformou-se no Buda, que significa "o supremo iluminado, totalmente consciente" . Contava ele com 35 anos de idade. A partir deste momento, e até o dia de sua morte aos 80 anos, ele viajou por todo o noroeste da Índia, partilhando com um número crescente de discípulos as suas experiências e sua luz.
O Budismo baseia-se no conceito de que tudo é ilusório, transitório e portanto impermanente. A busca essencial consiste em se ultrapassar a ilusão rumo à perfeita consciência, que é o estado de Nirvana. É também conhecido como o "Caminho do meio", por afastar-se dos extremos, tais como escetismo de um lado e luxuosidade de outro. Além desses elementos a doutrina budista baseia-se também nas Quatro Nobres Verdades e na chamada Nobre Senda Óctupla.
O budismo ao longo de todos esses séculos dividiu-se em três principais ramificações: O budismo Theravada, ou a doutrina dos antigos. É um sistema muito ortodoxo, baseado nos princípios monásticos indianos. O budismo Zen, que é a forma chinesa e japonesa de explicar a doutrina. É considerada a maneira mais rápida e direta de se compreender o método de iluminação de Buda. Dá muita ênfase na meditação e nas artes. É o ramo de maior prestígio no Ocidente. O budismo Tibetano ou Lamaismo é o sincretismo entre o Budismo, o Tantrismo e o Bon Po (prática Xamânica que era a religião original do Tibete).
Assim como todas as grandes religiões, o Budismo tem muito de sabedoria para nos oferecer. Na próxima semana, mais história sobre Buda e sua filosofia.
*Getúlio Taigen é monge Budista Zen, com ordenação leiga
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