quinta-feira, 15 de abril de 2010

MISE EN ABYME

O Instituto Cervantes, do Rio de Janeiro, promoveu, dia 14 de abril último, um evento, denominado "Liter@atur@ na rede", de que participamos, como conferencistas, Doménico Chiappe, peruano, e eu, mediados por Ramon Mello. Quando fui convidado, por indicação do Programa de Pós-Graduação em Letras, da UFF, não titubeei nem um minuto quanto ao tema que exporia: "o blog". Fundou-se meu desejo em um duplo fato: sou, desde 2009, blogueiro convicto, e ofereci, na própria UFF, todo um curso "Epistemoloia da arte", baseado no "blog", como novo "locus" para o texto de arte e, sobretudo, o texto literário. Tivemos casa cheia, quase superlotada, não fora o qüiproqüó quanto ao lugar do evento; para mim, seria na Livraria da Travessa, na Rua do Ouvidor, mas soube, na última hora, que falaríamos no próprio Cervantes. Assim, vários de meus alunos não puderam ouvir-me, porque foram ao endereço errado. A grande vantagem, penso eu, para além de poder expor sua idéias e pesquisas, desses eventos é, a meu ver, o encontro e o reencontro com pessoas. Conheci o pessoal do Cervantes, em especial o diretor, Antonio Martinez que se me revelou um cavalheiro, bem como a Ruth, muito eficaz. À mesa, tive o grande prazer de ouvir a Deménico Chiappe, que mora em Madri e falou sobre "O autor frente aos desafios da tela". Ele apresentou um romance multimédia, de sua autoria, e discorreu sobre o processo e o resultado dessa inovação toda, que mistura texto literário, música, canções, imagens: uma parafernália, enfim. Ramon Mello é um jovem poeta araruemense, que trabalha na Secretaria da Cultura e vive, literalmente, na metafórica rede, pois ganha o pão com a Internet. Brinquei com ele, dizendo-lhe que é um Macunaíma, deitado na rede da cultura. Foi excelente a mediação do Ramon, que justificou, mais uma vez, meu entusiasmo com relação a essa juventude conectada. Conferi à minha palestra o título "Eu, blogueiro, me confesso ou o prazer do blog", um sintagma duplo, que refere, ao mesmo tempo, a liturgia católica da penitência ("eu, pecador me confesso")e a semiologia de Roland Barthes (1915-1980), autor do magnífico livro "O prazer do texto". O título que, finalmente, aparece no prospecto do evento "Está nervoso? Vai blogar" foi a epígrafe, em que parafraseo os adesivos de carros aqui na Região dos Lagos: "Está nervoso? Vai pescar". Não que eu considere a arte uma terapia ou catársis à la Aristóteles. Arte é pensar, repensar, refletir (e "refletir" em sua etimologia, significando dobrar-se sobre si mesmo, o pensamento voltado para si, a linguagem em torno da linguagem). Em minha intervenção, parti da minha práxis de usuário do "blog", presente de minha amiga Roseana Murray (ela é judia e eu sou árabe: somos, definitivamente, o emblema da paz universal). Uso o "blog" como um espaço de minha experiência de escritura, uma oficina de textos, um laboratório do labor literário. Não insiro imagens, tampouco sons, não só porque não sei mexer, na internet, com esse tipo de sistemas semióticos, como pelo fato de querer o texto, o texto absoluto, o texto luminoso, o texto em si, sem "links" outros que afastem da letra o provável leitor. Já o mundo anda locupletado de imagens e sons e eu quero o silêncio da palavra cansada ("a pá que lavra", consignou Wilson Coelho, aluno meu de doutorado). Hipertextual por natureza, a internet não deve dispersar mais ainda quem dela se serve. Venho notando que meus alunos de graduação, que andam na adolescência, ou recém-saídos dela, têm uma criatividade absurda, mas apresentam uma enorme dispersividade, fazendo 1001 coisas ao mesmo tempo; fazem coisas ótimas, mas prefiro que eles fiquem focados, centrados, compenetrados diante da Internet, máquina da dispersão. Não concordo, em absoluto, com aqueles que sustentam que a juventude não pensa. Os jovens pensam sim. Pensam diferentemente. Pensam obliquamente. E estão disponíveis para quem queira fazê-lo pensar, como é o caso do professor. Meu blog não é, definitivamente, uma viagem em torno de meu fatigado umbigo. É claro que aqui inscrevo experiências minhas, observações, iluminações (todo ser é iluminado), anotando coisas que, não fora a blogsfera, eu perderia. Todavia, opto, sobretudo, por montar um blog como se fora uma antologia, com meus poemas preferidos, fragmentos que me encantam, aforismos e quejandos. Sei da força do blog e minha práxis de blogueiro me tem exigido uma disciplina literária. Mesmo fora da sala de aula, sinto-me um professor para o mundo. E quem mais aprende sou eu, blogueiro que se confessa com o prazer do blog. O apelido do meu blog seria "blogozoso".

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