segunda-feira, 1 de março de 2010

A CRISTALEIRA DA MAMÃE

Minha Mãe tinha uma cristaleira, que era um luxo, porque guardava, além de porcelanas da Baviera, da Inglaterra e de Limoges, cristais Bascarat, lembranças de uma breve, mas felicíssima vida, com meu Pai, que faleceu com apenas 32 anos, deixando-a viúva, grávida de seis meses e com mais quatro filhos. Menino e já esteta, eu contemplava, com olhos de espanto, aquela cristaleira, num canto da sala da casa mineira. Era um templo de beleza e homenagem ao amor, perfeito e eterno, enquanto pôde durar. A cristaleira era intocável. Nada ali podia ser usado. Era o próprio reduto esteta: belo e inútil.
Mamãe gostava muito de mandar pintar sua casa. Um dia, um pintor desajeitado derrubou a cristaleira inviolável e tudo ficou em ruínas. Salvou-se apenas um cinzeiro de cristal da Boêmia que Mikía Prlich, amigo meu, lhe mandara de presente. Este cinzeiro de cristal é a única herança material que recebi de minha Mãe, amante da arte. Este cinzeiro de cristal é o que restou do meu bailarino checo.

PS 1. "O deslumbre do texto é trazer vida pelas palavras... e hoje, exatamente dois anos após a morte de minha avó, rememoro a mesma coisa: uma estante na sala dela, com pequenas estátuas de porcelana... pequenos animais, bailarinas, jardins em miniatura. Eu, também, amava comtemplá-los, mas, ousadamente, sempre me arriscava em pegar um tal lobo, de que ela quebrara o fundo para fazer de cofre misterioso contra possíveis ladrões imaginários (ou não). Eu era o único portador deste segredo matriarcal.
Antes de morrer, ela pediu para eu pegar o tal lobo. Dentro, havia o maior tesouro: sua foto, ainda jovem, para eu guardar de recordação.
Obrigado, querido, por fazer-me lembrar do amor e da felicidade".

Luiz Guaracy Gasparelli Júnior

PS.2. "Esse teu texto me fez pensar...em como carregamos pessoas dentro de nós mesmo sem ter algum objeto para lembrá-las...não tenho nada do meu pai, mas sou capaz de tocá-lo quase 24 anos depois. Ele foi sem deixar vestígios materiais, e, no entanto, aqui sinto ele ao meu lado.
São pensamentos que o texto desperta..."

Evelyn Kligerman

PS 3 Bom dia Amado Tio!

Há um pequeno erro na sua linda história: salvaram-se também deste triste episódio 3 pequenos pratos que encontram-se na minha parede de recordações, na qual você é a preseça mais constante.

Flávia Mucci

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