quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

CLAUSURAS

Assistindo ao filme "Memórias de uma gueixa" (Memoirs of a Geisha,2005), dirigido por Rob Marshall, que se baseou no romance homônimo escrito por Arthur Golden,
dou-me conta de que também vivi, por quase dez anos, recluso como uma gueixa, pois um seminário é um local de disciplina férrea, castigos impressionantes, pressões inesquecíveis, desumanas repressões. Há, inclusive, no filme, rodado em Tóquio, dos anos 30 e 40, sentenças que poderiam ser ditas, "ipsis litteris" e "mutatis mutandis", pelos padres que me (de)formaram: "uma gueixa não tem a liberdade de amar"; "gueixas não têm desejos"; "gueixas não têm sentimentos". Fui deixado por um tio no Seminário Menor de Mariana-MG e jamais esquecerei o abandono e a solidão ímpares, que sofri naquele momento, eu, um menino de onze anos de idade e pureza total. Em determinada cena, uma gueixa diz que há, no templo, um poema, intitulado "A perda", mas as palavras foram rasuradas pelo poeta, porque não se pode ler uma perda, só senti-la. No seminário, eu era preparado para ser santo; na Niita okiya (casa de gueixas), uma menina é treinada para ser gueixa, cortesã, mulher do prazer. Um fim é sacro, o outro, profano, mas os meios são os mesmos: poder absoluto sobre a criança, "vendida" pela família à fé. A palavra "gueixa" traduz-se por "artista" e uma gueixa deve ser vista como uma obra de arte em movimento; "seminarista" significa aquele que está numa sementeira e deve espalhar a fé. No filme se diz que a casa é um mundo retrito para mulheres, assim como um seminário é só para homens. A rigorosa etiqueta da gueixa faz pensar na liturgia romana, de que eu era um "expert", um esteta "a priori". Agonia e beleza estão sempre juntas, diz a professora à aprendiz de gueixa; agonia e fé caminham "pari passu", me ensinavam, na teoria e na prática, os padres. Não guardo mágoa alguma dos meus tempos de seminarista, tampouco tenho queixa (perdão pelo infame trocadilho), até porque, sendo aluno que tirava o primeiro lugar, fui privilegiado, era uma flor de estufa e fui agraciado com bolsa para estudar na Pontificia Università Gregoriana, em Roma, de onde saem os cardeais. Lá, bem perto do Vaticano, um golpe de realidade quebrou o vidro de minha estufa e alcei vôo para Paris, lugar de minha libertação e onde começaria a ser uma "gueixa", no sentido de amante e praticante das artes.

P.S. Certa vez, perguntei a Walmir Ayala de qual país, por ele visitado, tinha gostado mais. Do Japão, respondeu-me. De minhas infindas leituras de Roland Barthes percebi a imensa admiração que nutria pela Japão (ele não gostou da China, aliás como eu)sobre o qual escreveu o belíssimo "Império dos signos". "Memórias de uma gueixa" mostra-me o absurdo requinte estético da país do sol nascente.

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