quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
MAYSA (1936-1977), NUA DE CORPO E ALMA
A voz plena de Maysa enchia, o tempo todo, os cantos e recantos de nossa casa em Santa Teresa, bairro de Belo Horizonte-MG. Jamais esquecerei aquela voz naqueles momentos sublimes, em que eu parava tudo para só ouvir Maysa.Duas coisas são únicas em Maysa: a voz e os olhos, profundamente verdes, ferinos e felinos. Décadas mais tarde, vejo, sem fôlego, o filme "Maysa, quando fala o coração", de Manoel Carlos e Ângela Chaves, com direção de Jayme Monjardim e estrelado por Larissa Maciel. Continuo alumbrado com a beleza da voz e a personalidade da cantora carioca, uma espécie de Billie Holliday tropical. Marcado por um requinte hollywoodiano, tem o filme uma estética caleidoscópica, enviesada até, sobrepondo imagens, lembranças e canções, com voltas, volteios e reviravoltas, configurando, não só a história dramática da cantora, como a da própria MPB, sobretudo com a aurora da Bossa Nova, e a história do Brasil. A protagonista atua de maneira absolutamente sedutora, emprestando seus olhos e sua elegância à real Maysa. A trilha sonora são as próprias canções que Maysa, poeta, compôs e cantou. Ela canta, também, em espanhol, inglês e francês. Lembro-me de que, num "cd" com as canções dos filmes de Almodovar, eu adorei ouvir "Ne me quitte pas", do belga Jacques Brel (1929-1978), e descobri, entusiasmado, que era Maysa quem a interpretava. Jamais gostei do rótulo "Fossa", que se colou à arte da compositora de "Ouça"; fica muito claro, no filme, que ela odiava qualquer etiqueta. Ela é romântica e ponto. Em todas as canções que interpreta, inclusive as da "Bossa Nova", imprime seu selo original: um lirismo sangrando, mas, jamais, auto-piedoso. Totalmente confessional, a narrativa do filme nunca é piegas, mesmo provocando lágrimas face aos dramas amorosos. Assistindo ao filme, lembro-me, imediatamente, de "La Môme ("Piaf", no Brasil), de Olivier Dahan, não só porque Larissa Maciel é tão excelente atriz quanto a francesa Marion Cotillard, galardeada com o Oscar de melhor atriz, como, principalmente, porque a vida de Piaf e a vida de Maysa têm muitas semelhanças, face ao fato de serem exageradamente românticas; aliás, Maysa verteu para o português a canção-chave da parisiense, "Hymne à l'amour". Outra cantora que poderia ser irmã-gêmea de Maysa é Dalida (nome artístico de Iolanda Christina Gigliotti, 1933-1987),egípcia, francesa e italiana, tão bela quanto infeliz por causa de amores inconclusos e tumultuados. Ao fim do longo filme (mais de seis horas de duração), revejo-o, já em minha memória, como uma linda história de amor entre mãe e filho; tenho, ainda, a nítida impressão de que, dirigindo a obra, Jayme Monjardim, filho da artista, presta-lhe uma homenagem, fazendo, de certa forma, um acerto de contas com a vida. Lembro-me, então, do que me disse Walmir Ayala (1933-1991), o protéico escritor gaúcho, que viveu no Rio e está enterrado aqui em Saquarema: seu mais premiado romance - "À beira do corpo", de 1964 - representou para ele a reconciliação com seu pai. No Brasil, país de grandes cantoras - Dalva de Oliveira, Ângela Maria, Elza Soares, Dolores Duran, Aracy de Almeida, Marina, Marisa Monte, Ângela Rô-Rô, Cássia Eller, Adriana Calcanhoto, Zizi Possi, Selma Reis, Bethânia, Gal Costa, Tamara Taxman, Elba Ramalho, Maria Rita, Elis Regina, Elizeth Cardoso, Dolores Duran, Nora Ney, Nara Leão, Nana Caymmi, Simone, Alcione, Bidu Sayão...-, Maysa emblema a canção em sua essência vivida. Consta que o poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973) escreveu em 14/07/1962: " Hallarás aquí el más hermoso canto al amor y la más dulce protesta por el sufrimiento. En definitiva, te hallarás tú, en tu dolor, tu amor y tu soledad". Definitivamente, os poetas se entendem. Com um texto muito bem articulado, com imagens fascinantes e, sobretudo, com a música sublime, "Maysa, quando fala o coração" é uma epópeia do amor, que se busca a si mesmo. O amor não se encontra, mas fica a beleza da busca.
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Muito feliz foram as suas palavras
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