HISTÓRIAS & MISTÉRIOS DE LULI OSWALD
Foi através de meu filho Otavinho que conheci, há mais de duas décadas, Luli Oswald, ou melhor, conheci-a por meio de sua filha Márcia, muito amiga de meu filho. As notícias sobre aquela senhora chegaram-me cheias de aura: meu filho mas contava como se falasse de um ser extraordinário. Luli Oswald amava imensamente Saquarema, que freqüentava até para dar assistência à sua filha, que, segundo diziam, quando casada com poderoso industrial de Turim, , sofrera grave acidente automobilístico na Itália.
Em Saquarema, cidade-berço de pescadores e surfistas, situada na Região dos Lagos, no Estado do Rio de Janeiro, as pessoas são, ao mesmo tempo, anônimas e comuns. Com o tempo, a gente vai conhecendo pessoas incrivelmente interessantes que, na rua, são “como um qualquer”, como dizia, com sua proverbial sabedoria , minha mineira mãe. Vem-me, agora, à mente a figura maravilhosa de José Maria Delgado Tubino, diplomata que, depois de reintegrado em suas funções, tendo amargado um exílio, veio morar aqui, em uma casa, construída com troncos de árvores. Para mim, ele era a pessoa mais erudita que jamais conhecera; então, tornei-me, há dois anos, amigo de outro “anônimo” saquaremense, Juan Arias, que tem uma erudição verdadeiramente enciclopédica.
Como tantos, Luli Oswald passou, anonimamente, por Saquarema, onde desfilava sua postura nobre: era uma figura alta, altiva, com longos cabelos lisos, amarrados em um rabo-de-cavalo; ela olhava para um horizonte, talvez perdido. Sempre que a vislumbrava, eu corria a seu encontro, ouvindo-a falar de música, de sua música, de sua vida musical. Contou-me, por exemplo, de seus concertos no Japão, onde ganhara um piano Yamaha, mas que não pudera trazer ao Brasil por causa dos impostos; ainda sobre o Japão, relatou-me que lá, na terra do sol nascente, os anfitriões convidam os convivas para um banho coletivo, convite que ela recusava sempre, alegando que sua religião não permitia esse tipo de promiscuidade. Se tinha alguma religião, essa era, absolutamente, a música. Soube, também, por ela, que era muito amiga de Nelson Freire e que tinha adorado o filme sobre esse famoso pianista mineiro. Admirei-a ainda mais, pois, como artista, jamais deixava de festejar o talento alheio, coisa rara. Tinha especial orgulho em falar de seus concertos na Universidade Federal de Viçosa-MG, considerada a terceira melhor universidade pública do Brasil e a mais renomada universidade de agronomia da América Latina. Lá, ela era tratada como uma verdadeira celebridade. Luli era discretíssima e o que soube a seu respeito, ouviu-o da boca do povo saquaremense, que narrava como um conto de fadas. Com efeito, diziam que ela era uma princesa, filha do celebérrimo pianista polonês Arthur Rubinstein (1887-1982). Seria Luli filha de Henrique Oswald, nascido no Rio de Janeiro em 1852, onde morreu em 1931, festejado pianista, compositor, concertista e diplomata brasileiro, filho do suíço Jean Jacques Oschwald (que, ao naturalizar-se brasileiro, mudou o sobrenome para Oswald) e de Carlota Cantagalli, de origem italiana? Como auréola de uma santa, muitos insondáveis mistérios giram em torno de Luli. Jamais quis saber de suas origens verdadeiras, pois o que me interessava era sua arte da música e sua arte de viver singelamente, passeando, como uma Sílfide, por nossa Saquarema comum.
Incentivado pela saudade e querendo escrever sobre ela, fui entrevistar alguns amigos, que conheceram muito de perto a Luli e deles escutei as mesmas histórias que conhecia, porém com um tom diferente. Soube que ela fora entrevistada, várias vezes, no programa Jô Soares, da TV Globo, onde tocara piano. De sua origem misteriosa e mítica, deram-me conta de que certa princesa européia se havia engravidado de um plebeu, tendo que fugir em um navio para a América do Sul. Nasceu, em águas internacionais, uma menina, que foi criada por Henrique Oswald, donde o sobrenome da Luli. Sua filha Márcia, que fora modelo de passarela na Itália (lembrei-me, então, das fotos dela, que eu vira e que me faziam pensar em Brigitte Bardot, em seus gloriosíssimos dias), ter-se-ia casado com um piloto da “Fórmula 1”; já o acidente automobilístico que a deixou muito prejudicada acontecera na própria Região dos Lagos, e não na Itália. Pesquisando, ainda mais sobre minha amiga Luli, fui ter com a ex-babá da Márcia, primogênita entre vários irmãos. Disse-me ela que D. Luli morava numa casa na Rua Lopes Quintas, no Jardim Botânico, bairro muito chique do Rio de Janeiro; seu pai chamava-se Marquesini, sua mãe, Dona Mima, e seu marido, Eurico Teixeira de Freitas, era proprietário de várias terras em Saquarema, jogava golfe e cuidava de cavalos. Segundo essa adorável senhora, D. Luli tratava muitíssimo bem a criadagem.
De outro amigo, meu e da Luli, fiquei a par de que, no Japão, ela dera aulas de piano a crianças de 2 a 4 anos, tendo sido agraciada pelo Governo daquele país. Quando de seu falecimento, descobriu-se, porque lavrou seguro a favor de Márcia, seu verdadeiro nome: Margarida Marquesini Teixeira de Freitas. Se, de acordo com esse amigo jornalista, era filha de Arthur Rubinstein, sua mãe deve ter sido Carmen di Viaggino.
Outra história, essa misteriosíssima, a respeito da Luli, dava conta de que ela fora abduzida por ET’s, que a deixavam passar o fim-de-semana em nossas praias; essa história fantástica era contada com ares secretos e a boca pequena, ou, no jargão da música, a bocca chiusa. Ninguém duvidava, tampouco acreditava, mas havia comentários, como ocorre nos mitos, que nos fascinam. De acordo com alguns, ela embarcara, rumo a Vênus, na nave espacial, a partir da ponte de Saquarema; na versão de outros, zarpara de Jaconé, bairro saquaremense. Sua filha jamais mencionou o que fosse, nem com relação a esses fabulosos fatos nem quanto à origem nobre de sua mãe. Quando Luli era entrevistada e se apresentava, como concertista, na Rádio MEC, aí, sim, havia certa comoção por aqui, a gente se telefonando e avisando que os dedos mágicos de Luli brindar-nos-iam com a arte divina. Acredito que apenas uma vez ela apresentou, há uns três anos, um concerto aqui, em Saquarema, no Teatro Municipal Mário Lago, quando tive a subida honra de ser o arauto. Eis o repertório por ela mesma escolhido: Vivaldi: “Maestoso e Ária”; Gluck: “Melodia”; Scarlatti: “Pequena Sonata”; Bach: duas valsas”; Chopin: “ Romance”, “Prelúdios”, “Noturno”; Debussy: “Prelúdio”; Henrique Oswald: “Sonhando”; Villa-Lobos: “ Ginette do Pierozinho”; Francisco Braga: “ Ingenuidade”; Alexander Seriabine: “ Prélude”; Prokofieff: “Marcha do amor das três laranjas”. Como fui o apresentador do espetáculo, tenho, zelosamente, comigo o manuscrito desse variado repertório. O público, que locupletava o teatro, aplaudia-a fervorosamente. Ela apenas sorria, exibindo aquele inesquecível sorriso num rosto cheio de paz. O piano não fazia jus ao talento da musicista, mas, mesmo assim, tirando leite de pedra, ou melhor, tirando a melhor música de um instrumento que não estava à altura de sua arte, Luli Oswald a todos emocionou. Parecia que ela se despedia en beauté. Algum tempo depois, soube, na rua, por uma amiga comum, que Luli morrera no Hospital Municipal de Saquarema. Sem glórias, sem aplausos, sem fanfarras. Como uma pessoa qualquer saquaremense, ela, concertista internacional, filha, talvez, do maior pianista do século XX, e , quem sabe, de uma princesa européia, passava a outras dimensões, que, creio eu, ela bem conhecia. Ela partia, definitivamente, mas deixava, em nossas Saquarema, uma partitura de 1001 histórias, executadas por anônimos.
Com relação à experiência por que Luli Oswald, sendo abduzida, passou, recebi, dia 13 de fevereiro deste ano da Graça de 2009, justamente quando se inaugurava a Era de Aquário, um telefonema de São Paulo, onde um senhor, até então anônimo para mim, declarava ter me achado na edição virtual do jornal Poiésis, onde eu fazia rápida menção a Luli Oswald; ele, Mário Rangel, ufólogo, com trabalhos publicados, inclusive nos Estados Unidos, queria saber mais sobre a abdução da musicista carioca-saquaremense. Confirmou-me ele que há grande interesse, por parte da Ufologia universal, no caso de Luli Oswald, que, por exemplo, não podia ver o desenho de um ET, pois ficava terrivelmente transtornada. Em nossos contatos imediatos por Internet, escrevi ao ufólogo que, a respeito da Luli, apenas conhecia histórias, talvez fantásticas, e enredos, certamente sublimes, ligados à música, sem me inteirar da questão de transporte para outras dimensões. Prometi-lhe, outrossim, elaborar uma crônica sobre Luli Oswald a fim de que sua imagem e memória ficassem fixas nas ondas perpétuas de nossa Saquarema mágica.
Latuf Isaias Mucci: Pós-doutor em Letras Clássicas e Vernáculas/USP; doutor em Poética/UFRJ; mestre em Teoria Literária/UFRJ; mestre em Ciências Sociais (Université Catholique de Louvain, Bélgica). Professor dos Programas de Pós-Graduação em Letras e em Ciência da Arte/UFF. Ensaísta, poeta, tradutor e crítico de arte.
proflatuf@saquarema.com.br
proflatuf@uol.com.br
quarta-feira, 29 de abril de 2009
domingo, 26 de abril de 2009
La Vie En Rose, Edith Piaf (1915-1963)
Des yeux qui font baiser les miens,
Un rire qui se perd sur sa bouche,
Voilà le portrait sans retouche
De l'homme auquel j'appartiens
Quand il me prend dans ses bras
Il me parle tout bas,
Je vois la vie en rose.
Il me dit des mots d'amour,
Des mots de tous les jours,
Et ça m'fait quelque chose.
Il est entré dans mon coeur
Une part de bonheur
Dont je connais la cause.
C'est lui pour moi,
Moi pour lui dans la vie,
Il me l'a dit, l'a juré
Pour la vie.
Et dès que je l'aperçois
Alors je sens en moi
Mon coeur qui bat
Des nuits d'amour à plus finir
Un grand bonheur qui prend sa place
Des ennuis des chagrins s'effacent
Heureux, heureux à en mourir.
Un rire qui se perd sur sa bouche,
Voilà le portrait sans retouche
De l'homme auquel j'appartiens
Quand il me prend dans ses bras
Il me parle tout bas,
Je vois la vie en rose.
Il me dit des mots d'amour,
Des mots de tous les jours,
Et ça m'fait quelque chose.
Il est entré dans mon coeur
Une part de bonheur
Dont je connais la cause.
C'est lui pour moi,
Moi pour lui dans la vie,
Il me l'a dit, l'a juré
Pour la vie.
Et dès que je l'aperçois
Alors je sens en moi
Mon coeur qui bat
Des nuits d'amour à plus finir
Un grand bonheur qui prend sa place
Des ennuis des chagrins s'effacent
Heureux, heureux à en mourir.
OS MEUS VERSOS, DE FLORBELA ESPANCA (1894-1930)
Rasga estes versos que eu te fiz, amor!
Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento,
Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
Que a tempestade os leve aonde for!
Rasga-os na mente, se o souberes de cor,
Que volte ao nada o nada dum momento!
Julguei-me grande pelo sentimento,
E pelo orgulho ainda sou maior!...
Tanto verso já disse o que eu sonhei!
Tantos penaram já o que eu penei!
Asas que passam, todo o mundo as sente...
Rasga os meus versos...Pobre endoidecida!
Como se um grande amor cá nesta vida
não fosse o amor de toda a gente!...
Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento,
Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
Que a tempestade os leve aonde for!
Rasga-os na mente, se o souberes de cor,
Que volte ao nada o nada dum momento!
Julguei-me grande pelo sentimento,
E pelo orgulho ainda sou maior!...
Tanto verso já disse o que eu sonhei!
Tantos penaram já o que eu penei!
Asas que passam, todo o mundo as sente...
Rasga os meus versos...Pobre endoidecida!
Como se um grande amor cá nesta vida
não fosse o amor de toda a gente!...
ROLAND BARTHES, O PRAZER DO TEXTO
"ESCREVO PORQUE NÃO QUERO AS PALAVRAS QUE ENCONTRO: POR SUBTRAÇÃO."
sexta-feira, 24 de abril de 2009
CLÁUDIA DAMASCENO, AMOR DE MUSA
Meu Amor, adorei o seu blog, é um presente para todos nós. Obrigada. A cada ano esta comemoração dos nossos ancestrais tem um significado especial. Este ano, especialmente, senti uma presença forte masculina, a festa estava com ares masculinos. Aos pouquinhos vou sentindo este significado: é a presença do seu pai, que você não conheceu em vida, mas que está dentro de você, com você ,nesta e em outras dimensões. Fiquei tão emocionada com o seu discurso que precisei me sentar e segurar na mão de uma criança para me recompor... Senti que a nossa varanda do Juninho era um grande deserto e que estávamos no Líbano. Quando você terminou de ler senti que os nossos ancestrais dançavam nas areias comemorando a grande emoção da sua poesia e do nosso amor. Obrigada, mais uma vez, e sempre, por ser a poesia na minha vida...Sua, Cláudia
COMME ILS DISENT JE SUIS UN HOMO, DE CHARLES AZNAVOUR: POUR CHARLIE, IN MEMORIAM
J'habite seul avec maman,
Dans un vieil appartement,
Rue Sarrasates
J'ai, pour me tenir compagnie,
Une tortue, deux canaris,
Et une chatte
Pour laisser maman reposer,
Très souvent, je fais le marché
Et la cuisine
Je range, je lave, j'essuie,
A l'occasion, je pique aussi
A la machine
Le travail ne me fait pas peur
Je suis un peu décorateur
Un peu styliste
Mais mon vrai métier, c'est la nuit
Je l'exerce travesti
Je suis artiste
J'ai un numéro très spécial
Qui finit en nu intégral
Après strip-tease
Et dans la salle je vois que
Les mâles n'en croient pas leurs yeux
Je suis un homo, comme ils disent
Vers les trois heures du matin
On va manger entre copains
De tous les sexes
Dans un quelconque bar-tabac
Et là on s'en donne à coeur joie
Et sans complexes
On déballe des vérités
Sur des gens qu'on a dans le nez
On les lapide
Mais on le fait avec humour
Enrobé dans des calembours
Mouillés d'acide
On rencontre des attardés
Qui, pour épater leurs tablées,
Marchent et ondulent
Singeant ce qu'ils croient être nous
Et se couvrent, les pauvres fous,
De ridicule
Ça gesticule et parle fort
Ça joue les divas, les ténors
De la bêtise
Moi les lazzi, les quolibets,
Me laissent froid puisque c'est vrai
Je suis un homo, comme ils disent
A l'heure où naît un jour nouveau
Je rentre retrouver mon lot
De solitude
J'ôte mes cils et mes cheveux
Comme un pauvre clown malheureux
De lassitude
Je me couche mais ne dors pas
Je pense à mes amours sans joie
Si dérisoires
A ce garçon beau comme un dieu
Qui sans rien faire a mis le feu
A ma mémoire
Ma bouche n'osera jamais
Lui avouer mon doux secret
Mon tendre drame
Car l'objet de tous mes tourments
Passe le plus clair de son temps
Au lit des femmes
Nul n'a le droit, en vérité,
De me blâmer, de me juger,
Et je précise
Que c'est bien la Nature qui
Est seule responsable si
Je suis un homo, comme ils disent.
Dans un vieil appartement,
Rue Sarrasates
J'ai, pour me tenir compagnie,
Une tortue, deux canaris,
Et une chatte
Pour laisser maman reposer,
Très souvent, je fais le marché
Et la cuisine
Je range, je lave, j'essuie,
A l'occasion, je pique aussi
A la machine
Le travail ne me fait pas peur
Je suis un peu décorateur
Un peu styliste
Mais mon vrai métier, c'est la nuit
Je l'exerce travesti
Je suis artiste
J'ai un numéro très spécial
Qui finit en nu intégral
Après strip-tease
Et dans la salle je vois que
Les mâles n'en croient pas leurs yeux
Je suis un homo, comme ils disent
Vers les trois heures du matin
On va manger entre copains
De tous les sexes
Dans un quelconque bar-tabac
Et là on s'en donne à coeur joie
Et sans complexes
On déballe des vérités
Sur des gens qu'on a dans le nez
On les lapide
Mais on le fait avec humour
Enrobé dans des calembours
Mouillés d'acide
On rencontre des attardés
Qui, pour épater leurs tablées,
Marchent et ondulent
Singeant ce qu'ils croient être nous
Et se couvrent, les pauvres fous,
De ridicule
Ça gesticule et parle fort
Ça joue les divas, les ténors
De la bêtise
Moi les lazzi, les quolibets,
Me laissent froid puisque c'est vrai
Je suis un homo, comme ils disent
A l'heure où naît un jour nouveau
Je rentre retrouver mon lot
De solitude
J'ôte mes cils et mes cheveux
Comme un pauvre clown malheureux
De lassitude
Je me couche mais ne dors pas
Je pense à mes amours sans joie
Si dérisoires
A ce garçon beau comme un dieu
Qui sans rien faire a mis le feu
A ma mémoire
Ma bouche n'osera jamais
Lui avouer mon doux secret
Mon tendre drame
Car l'objet de tous mes tourments
Passe le plus clair de son temps
Au lit des femmes
Nul n'a le droit, en vérité,
De me blâmer, de me juger,
Et je précise
Que c'est bien la Nature qui
Est seule responsable si
Je suis un homo, comme ils disent.
EMMENEZ-MOI, DE CHARLES AZNAVOUR
Vers les docks, où le poids et l'ennui
Me courbent le dos
Ils arrivent, le ventre alourdi de fruits,
Les bateaux
Ils viennent du bout du monde
Apportant avec eux des idées vagabondes
Aux reflets de ciel bleu, de mirages
Traînant un parfum poivré
De pays inconnus
Et d'éternels étés,
Où l'on vit presque nu,
Sur les plages
Moi qui n'ai connu, toute ma vie,
Que le ciel du nord
Je voudrais débarbouiller ce gris
En virant de bord
Emmenez-moi au bout de la terre
Emmenez-moi au pays des merveilles
Il me semble que la misère
Serait moins pénible au soleil
Dans les bars, à la tombée du jour,
Avec les marins
Quand on parle de filles et d'amour,
Un verre à la main
Je perds la notion des choses
Et soudain ma pensée m'enlève et me dépose
Un merveilleux été, sur la grève
Où je vois, tendant les bras,
L'amour qui, comme un fou, court au devant de moi
Et je me pends au cou de mon rêve
Quand les bars ferment, et que les marins
Rejoignent leurs bords
Moi je rêve encore jusqu'au matin,
Debout sur le port
Emmenez-moi au bout de la terre
Emmenez-moi au pays des merveilles
Il me semble que la misère
Serait moins pénible au soleil
Un beau jour, sur un raffiot craquant
De la coque au pont
Pour partir, je travaillerai dans
La soute à charbon
Prenant la route qui mène
A mes rêves d'enfant, sur des îles lointaines,
Où rien n'est important que de vivre
Où les filles alanguies
Vous ravissent le coeur en tressant, m'a-t-on dit
De ces colliers de fleurs qui enivrent
Je fuirai, laissant là mon passé,
Sans aucun remords
Sans bagage et le coeur libéré,
En chantant très fort
Emmenez-moi au bout de la terre
Emmenez-moi au pays des merveilles
Il me semble que la misère
Serait moins pénible au soleil
Emmenez-moi au bout de la terre
Emmenez-moi au pays des merveilles
Il me semble que la misère
Serait moins pénible au soleil
Me courbent le dos
Ils arrivent, le ventre alourdi de fruits,
Les bateaux
Ils viennent du bout du monde
Apportant avec eux des idées vagabondes
Aux reflets de ciel bleu, de mirages
Traînant un parfum poivré
De pays inconnus
Et d'éternels étés,
Où l'on vit presque nu,
Sur les plages
Moi qui n'ai connu, toute ma vie,
Que le ciel du nord
Je voudrais débarbouiller ce gris
En virant de bord
Emmenez-moi au bout de la terre
Emmenez-moi au pays des merveilles
Il me semble que la misère
Serait moins pénible au soleil
Dans les bars, à la tombée du jour,
Avec les marins
Quand on parle de filles et d'amour,
Un verre à la main
Je perds la notion des choses
Et soudain ma pensée m'enlève et me dépose
Un merveilleux été, sur la grève
Où je vois, tendant les bras,
L'amour qui, comme un fou, court au devant de moi
Et je me pends au cou de mon rêve
Quand les bars ferment, et que les marins
Rejoignent leurs bords
Moi je rêve encore jusqu'au matin,
Debout sur le port
Emmenez-moi au bout de la terre
Emmenez-moi au pays des merveilles
Il me semble que la misère
Serait moins pénible au soleil
Un beau jour, sur un raffiot craquant
De la coque au pont
Pour partir, je travaillerai dans
La soute à charbon
Prenant la route qui mène
A mes rêves d'enfant, sur des îles lointaines,
Où rien n'est important que de vivre
Où les filles alanguies
Vous ravissent le coeur en tressant, m'a-t-on dit
De ces colliers de fleurs qui enivrent
Je fuirai, laissant là mon passé,
Sans aucun remords
Sans bagage et le coeur libéré,
En chantant très fort
Emmenez-moi au bout de la terre
Emmenez-moi au pays des merveilles
Il me semble que la misère
Serait moins pénible au soleil
Emmenez-moi au bout de la terre
Emmenez-moi au pays des merveilles
Il me semble que la misère
Serait moins pénible au soleil
LA BOHÈME, DE JACQUES PLANTE ET CHARLES AZNAVOUR
Je vous parle d'un temps
Que les moins de vingt ans
Ne peuvent pas connaître
Montmartre en ce temps-là
Accrochait ses lilas
Jusque sous nos fenêtres
Et si l'humble garni
Qui nous servait de nid
Ne payait pas de mine
C'est là qu'on s'est connu
Moi qui criait famine
Et toi qui posais nue
La bohème, la bohème
Ça voulait dire on est heureux
La bohème, la bohème
Nous ne mangions qu'un jour sur deux
Dans les cafés voisins
Nous étions quelques-uns
Qui attendions la gloire
Et bien que miséreux
Avec le ventre creux
Nous ne cessions d'y croire
Et quand quelque bistro
Contre un bon repas chaud
Nous prenait une toile
Nous récitions des vers
Groupés autour du poêle
En oubliant l'hiver
La bohème, la bohème
Ça voulait dire tu es jolie
La bohème, la bohème
Et nous avions tous du génie
Souvent il m'arrivait
Devant mon chevalet
De passer des nuits blanches
Retouchant le dessin
De la ligne d'un sein
Du galbe d'une hanche
Et ce n'est qu'au matin
Qu'on s'assayait enfin
Devant un café-crème
Epuisés mais ravis
Fallait-il que l'on s'aime
Et qu'on aime la vie
La bohème, la bohème
Ça voulait dire on a vingt ans
La bohème, la bohème
Et nous vivions de l'air du temps
Quand au hasard des jours
Je m'en vais faire un tour
A mon ancienne adresse
Je ne reconnais plus
Ni les murs, ni les rues
Qui ont vu ma jeunesse
En haut d'un escalier
Je cherche l'atelier
Dont plus rien ne subsiste
Dans son nouveau décor
Montmartre semble triste
Et les lilas sont morts
La bohème, la bohème
On était jeunes, on était fous
La bohème, la bohème
Ça ne veut plus rien dire du tout
Que les moins de vingt ans
Ne peuvent pas connaître
Montmartre en ce temps-là
Accrochait ses lilas
Jusque sous nos fenêtres
Et si l'humble garni
Qui nous servait de nid
Ne payait pas de mine
C'est là qu'on s'est connu
Moi qui criait famine
Et toi qui posais nue
La bohème, la bohème
Ça voulait dire on est heureux
La bohème, la bohème
Nous ne mangions qu'un jour sur deux
Dans les cafés voisins
Nous étions quelques-uns
Qui attendions la gloire
Et bien que miséreux
Avec le ventre creux
Nous ne cessions d'y croire
Et quand quelque bistro
Contre un bon repas chaud
Nous prenait une toile
Nous récitions des vers
Groupés autour du poêle
En oubliant l'hiver
La bohème, la bohème
Ça voulait dire tu es jolie
La bohème, la bohème
Et nous avions tous du génie
Souvent il m'arrivait
Devant mon chevalet
De passer des nuits blanches
Retouchant le dessin
De la ligne d'un sein
Du galbe d'une hanche
Et ce n'est qu'au matin
Qu'on s'assayait enfin
Devant un café-crème
Epuisés mais ravis
Fallait-il que l'on s'aime
Et qu'on aime la vie
La bohème, la bohème
Ça voulait dire on a vingt ans
La bohème, la bohème
Et nous vivions de l'air du temps
Quand au hasard des jours
Je m'en vais faire un tour
A mon ancienne adresse
Je ne reconnais plus
Ni les murs, ni les rues
Qui ont vu ma jeunesse
En haut d'un escalier
Je cherche l'atelier
Dont plus rien ne subsiste
Dans son nouveau décor
Montmartre semble triste
Et les lilas sont morts
La bohème, la bohème
On était jeunes, on était fous
La bohème, la bohème
Ça ne veut plus rien dire du tout
THAT'S ALL
Finalmente, assisti, ontem, ao filme "The Devil wears Prada" ("O Diabo veste Prada"), de 2006, do diretor David Frankel, com Meryll Streep e Anne Hathaway. Baseado no romance homônimo de Lauren Weisberger,"bestseller" de 2003, o filme me divertiu muito, porque é uma comédia que tem lances dramáticos, mostrando a tensão imensa do mundo da moda, que, arrogante, promove uma guerra de nervos e de egos, protagonizada pela megera Miranda (este nome tem uma tradução belíssima, que só corresponde à atuação magnífica da consagrada atriz de Hollywood: "Aquela que dever ser admirada"; no caso vertente, a editora de moda da célebre revista "Runway", simulacro da famosíssima "Vogue", embora incensada pela imprensa, é temida). Seu poder é tanto e sua prepotência é tamanha, que seu discurso sempre termina com este refrão: "That's all", que poderia traduzir-se por "C'est fini" ou "Tenho dito". Assistindo, com sorrisos, à película, pensei muito no Prof. Luiz Gasparelli, que trabalha, em sua tese de doutorado, sobre a questão da moda. O que mais gostei foi ter revisto Paris, última cidade européia em que morei e que visitei inúmeras vezes. "Paris est une fête!", exclamou o estadunidense Ernest Hemingway (1899-1961); outra estadunidense, a poeta Gertrud Stein (1874-1946) também celebrou Paris, com uma frase, dita no discurso do filme: "A América é meu país, mas Paris é minha cidade natal". Parafraseo ambos os escritores e digo: Saquarema é Latufesta; Saquarema é minha Paris e minha cidade carnal. Falei! Ou melhor: "That's all!"
quinta-feira, 23 de abril de 2009
GRACIAS A LA VIDA, VIOLETA PARRA (1917-1967)
Gracias a la Vida que me ha dado tanto
me dio dos luceros que cuando los abro
perfecto distingo lo negro del blanco
y en el alto cielo su fondo estrellado
y en las multitudes el hombre que yo amo.
Gracias a la vida, que me ha dado tanto
me ha dado el oido que en todo su ancho
graba noche y dia grillos y canarios
martillos, turbinas, ladridos, chubascos
y la voz tan tierna de mi bien amado.
Gracias a la Vida que me ha dado tanto
me ha dado el sonido y el abedecedario
con él las palabras que pienso y declaro
madre amigo hermano y luz alumbrando,
la ruta del alma del que estoy amando.
Gracias a la Vida que me ha dado tanto
me ha dado la marcha de mis pies cansados
con ellos anduve ciudades y charcos,
playas y desiertos montañas y llanos
y la casa tuya, tu calle y tu patio.
Gracias a la Vida que me ha dado tanto
me dio el corazón que agita su marco
cuando miro el fruto del cerebro humano,
cuando miro el bueno tan lejos del malo,
cuando miro el fondo de tus ojos claros.
Gracias a la Vida que me ha dado tanto
me ha dado la risa y me ha dado el llanto,
asi yo distingo dicha de quebranto
los dos materiales que forman mi canto
y el canto de ustedes que es el mismo canto
y el canto de todos que es mi propio canto.
Gracias a la Vida
Gracias a la Vida
Gracias a la Vida
Gracias a la Vida.
me dio dos luceros que cuando los abro
perfecto distingo lo negro del blanco
y en el alto cielo su fondo estrellado
y en las multitudes el hombre que yo amo.
Gracias a la vida, que me ha dado tanto
me ha dado el oido que en todo su ancho
graba noche y dia grillos y canarios
martillos, turbinas, ladridos, chubascos
y la voz tan tierna de mi bien amado.
Gracias a la Vida que me ha dado tanto
me ha dado el sonido y el abedecedario
con él las palabras que pienso y declaro
madre amigo hermano y luz alumbrando,
la ruta del alma del que estoy amando.
Gracias a la Vida que me ha dado tanto
me ha dado la marcha de mis pies cansados
con ellos anduve ciudades y charcos,
playas y desiertos montañas y llanos
y la casa tuya, tu calle y tu patio.
Gracias a la Vida que me ha dado tanto
me dio el corazón que agita su marco
cuando miro el fruto del cerebro humano,
cuando miro el bueno tan lejos del malo,
cuando miro el fondo de tus ojos claros.
Gracias a la Vida que me ha dado tanto
me ha dado la risa y me ha dado el llanto,
asi yo distingo dicha de quebranto
los dos materiales que forman mi canto
y el canto de ustedes que es el mismo canto
y el canto de todos que es mi propio canto.
Gracias a la Vida
Gracias a la Vida
Gracias a la Vida
Gracias a la Vida.
HILDA HILST, in DO DESEJO
De cigarras e pedras, querem nascer palavras.
Mas o poeta mora
A sós num corredor de luas, uma casa de águas.
De mapas-múndi, de atalhos, querem nascer viagens.
Mas o poeta habita
o campo de estalagens da loucura.
Da carne de mulheres, querem nascer os homens.
E o poeta preexiste, entre a luz e o sem nome.
HILDA HILST, in DO DESEJO
Mas o poeta mora
A sós num corredor de luas, uma casa de águas.
De mapas-múndi, de atalhos, querem nascer viagens.
Mas o poeta habita
o campo de estalagens da loucura.
Da carne de mulheres, querem nascer os homens.
E o poeta preexiste, entre a luz e o sem nome.
HILDA HILST, in DO DESEJO
ACROSS MY UNIVERSE
Por mais uma belíssima indicação de Roseana Murray, vi o dvd "Across the Universe", que me fez reviver toda uma era de minha própria vida e me estendeu o espelho do que fui sendo feito. Com efeito, vivi aquele período todo em Londres, onde dancei, inclusive, "Hair", o primeiro musical que retrata uma geração inteira "hippie", cujo lema é "paz e amor". Nos anos sessenta, eu morava em Londres e acompanhava, em seu nascedouro, as canções dos Beatles; no apartamento em Notting Hill Gate, o "landlord" comprava os compactos com as novas músicas, que fazia girar o tempo todo, como, por exemplo, "Let it be", que sempre entendi como um hino budista. Lembro-me de que, quando o professor, na "International House" (escola em Piccadilly onde eu me preparava para o exame Cambridge), perguntou-me por que eu estudava inglês, respondi-lhe que era para compreender as canções dos Beatles; ele, então, orientou-me : "You should go to Liverpool". Psicodélica opereta, o filme "Across the Universe" (2007), de Julie Taymor, com Jim Sturgess, no papel de Jude, e Evan Rachel Wood, como Lucy ( todos os personagens têm nome dos personagens das canções do grupo de Liverpool), deu-me, entre outras coisas, a noção da importância essencial das canções dos Beatles, que, mais que baladas, embalam, desde sua publicação, gerações e gerações. Talvez o que mais me tenha feito ficar perplexo seja o fato de a questão da guerra, no caso a guerra no Vietnã, objeto de todos os performáticos protestos em "Across the Universe", não ocupar mais a atenção do mundo, que vive horrendas ( o adjetivo "horrendo" é um pleonasmo, em se tratando de guerra...) e intermináveis guerras no Oriente Médio, no Iraque, no Afeganistão; a guerra ter-se-á banalizado e os Estados Unidos, mentores e fazedores de guerra no mundo inteiro, não mais abrigam movimentos como o "hippie", que eclodiu, por exemplo, no festival de Woodstock. Mirando minha vida no caleidoscópio desse musical imperdível, revi alguns personagens de minha experiência londrina: a brasileira Linda e o libanês Antoine; ambos mudaram,desde então, de nome; Linda voltou a seu nome mineiro de batismo: Wilma; quanto a meu primo, traduziu seu nome libanês para o armênio: Antonov. Da brasileira, sei que vive em Genebra, onde a visitei algumas vezes; sobre o Antoine, nunca mais soube de nada, tendo, inclusive, procurado-o no Google. Ele vivia angustiadíssimo por causa da guerra no Oriente Médio, exilara-se em Haia, onde o visitei; depois, dele só tenho imensíssimas saudades.
Words are flowing out like endless rain into a paper cup
They slither while they pass they slip away across the universe
Pools of sorrow, waves of joy are drifting through my opened mind
Possessing and caressing me
Jai Guru Deva Om
Nothing's gonna change my word
Nothing's gonna change my word
Nothing's gonna change my word
Nothing's gonna change my word
Images of broken light which dance before me like a million eyes
They call me on and on across the universe
Thoughts meander like a restless wind inside a letterbox
They tumble blindly as they make their way across the universe
Jai Guru Deva Om
Nothing's gonna change my word
Mais do que uma quase inocente canção que empresta seu título a um esplêndido filme, "Across the Universe" lança-me, com imagens, palavras, sons, no meu próprio Universo, que muda, sim, e muda a partir de experiências cotidianas, inclusive das experiências de meu universo "hippie" e da experiência de reviver em um filme toda uma época de minha vida vadia.
Words are flowing out like endless rain into a paper cup
They slither while they pass they slip away across the universe
Pools of sorrow, waves of joy are drifting through my opened mind
Possessing and caressing me
Jai Guru Deva Om
Nothing's gonna change my word
Nothing's gonna change my word
Nothing's gonna change my word
Nothing's gonna change my word
Images of broken light which dance before me like a million eyes
They call me on and on across the universe
Thoughts meander like a restless wind inside a letterbox
They tumble blindly as they make their way across the universe
Jai Guru Deva Om
Nothing's gonna change my word
Mais do que uma quase inocente canção que empresta seu título a um esplêndido filme, "Across the Universe" lança-me, com imagens, palavras, sons, no meu próprio Universo, que muda, sim, e muda a partir de experiências cotidianas, inclusive das experiências de meu universo "hippie" e da experiência de reviver em um filme toda uma época de minha vida vadia.
quarta-feira, 22 de abril de 2009
Presente de quem me presenteou com o blog: Roseana Murray
Latuf, hoje revirei o teu blog inteiro indo nas postagens mais antigas. É uma verdadeira maravilha. Bricabraque poético com canções, poemas, ensaios, coisinhas miúdas carretéis de linha... muito bonita a crônica sobre Macaé e os antepassados. É incrível como o blog foi se constituindo, tomando forma , uma não-forma, um deleite.
www.roseanamurray.com
www.roseanamurray.com
segunda-feira, 20 de abril de 2009
"I migliori anni della nostra vita" Morra - M. Fabrizio (1995)
"Penso che ogni giorno sia come una pesca miracolosa
e che bello pescare sospesi su di una soffice nuvola rosa
tu come un gentiluomo ed io come una sposa
mentre fuori dalla finestra si alza in volo soltanto la polvere,
c'è aria di tempesta. Sarà che noi due siamo di un altro lontanissimo pianeta ma il mondo da qui sembra soltanto una botola segreta
tutti vogliono tutto per poi accorgersi che è niente,
noi non faremo come l'altra gente
questi sono e resteranno per sempre i migliori anni della nostra vita
i migliori anni della nostra vita,
stringimi forte che nessuna notte è infinita,
i migliori anni della nostra vita
I migliori anni della nostra vita
i migliori anni della nostra vita
Stringimi forte che nessuna notte è infinita
i migliori anni della nostra vita.
Penso che è stupendo restare al buio abbracciati
e nudi come pugili dopo un incontro
come gli ultimi sopravvissuti,
forse un giorno scopriremo
che non ci siamo mai perduti
e che tutta quella tristezza in realtà non è mai esistita.
I migliori anni della nostra vita
i migliori anni della nostra vita,
stringimi forte che nessuna notte è infinita,
i migliori anni della nostra vita.
I migliori anni della nostra vita
i migliori anni della nostra vita Stringimi forte che nessuna notte è infinita i migliori anni della nostra vita. "
Renato Zero: Album "Sulle tracce dell'imperfetto", 1995 Mina Mazzini: Album "N°0", 1999
e che bello pescare sospesi su di una soffice nuvola rosa
tu come un gentiluomo ed io come una sposa
mentre fuori dalla finestra si alza in volo soltanto la polvere,
c'è aria di tempesta. Sarà che noi due siamo di un altro lontanissimo pianeta ma il mondo da qui sembra soltanto una botola segreta
tutti vogliono tutto per poi accorgersi che è niente,
noi non faremo come l'altra gente
questi sono e resteranno per sempre i migliori anni della nostra vita
i migliori anni della nostra vita,
stringimi forte che nessuna notte è infinita,
i migliori anni della nostra vita
I migliori anni della nostra vita
i migliori anni della nostra vita
Stringimi forte che nessuna notte è infinita
i migliori anni della nostra vita.
Penso che è stupendo restare al buio abbracciati
e nudi come pugili dopo un incontro
come gli ultimi sopravvissuti,
forse un giorno scopriremo
che non ci siamo mai perduti
e che tutta quella tristezza in realtà non è mai esistita.
I migliori anni della nostra vita
i migliori anni della nostra vita,
stringimi forte che nessuna notte è infinita,
i migliori anni della nostra vita.
I migliori anni della nostra vita
i migliori anni della nostra vita Stringimi forte che nessuna notte è infinita i migliori anni della nostra vita. "
Renato Zero: Album "Sulle tracce dell'imperfetto", 1995 Mina Mazzini: Album "N°0", 1999
ONDA DE OUTRO BLOG
"Amanhã, faça sol ou faça chuva, vou ver o mar... porque já não me bastam os horizontes deste rio que atravesso todos os dias"
domingo, 19 de abril de 2009
JERÔNIMO, GERALDA & ISAÍAS, SANTOS NOSSOS DE CADA DIA
Desde a mais remota Antigüidade, os sonhos são oráculos, constituem profecias, apontam caminhos. Sábios, os indígenas dizem que, quando sonhamos, falamos com os deuses. Não foi à toa que a ciência da psicanálise, que é uma real mitologia da modernidade, funda-se, em grande parte, na interpretação dos sonhos. Em misterioso conto, o esotérico e utópico Fernando Pessoa põe na boca de seu poético protagonista estas palavras:
A música, o luar e os sonhos são as minhas armas mágicas. Mas por música não deve entender-se só aquela que se toca, se não também aquela que fia eternamente por tocar. Por luar, ainda, não se deve supor que se fala só do que vem da lua e faz as árvores grandes perfis; há outro luar, que o mesmo sol não exclui, e obscurece em pleno dia o que as coisas fingem ser. Só os sonhos são sempre o que são. É o lado de nós em que nascemos e em que somos sempre naturais e nossos.
Foi por um sempre esperado telefonema que minha adorada Cláudia, comunicando-me a festa de aniversário da passagem de seu Pai, narrou-me o sonho que tivera, onde recebia ordens para que se fizesse a anual homenagem a Jerônimo, na qual minha mãe, Geralda Mucci, deveria também ser homenageada. Compareci, no sonho de minha Amiga número 1, como o orador, no sentido mesmo daquele que ora, labora e implora bênçãos para todos nós. Claudinha sonhou, ainda, com meu pai, Isaías Mucci, quando, numa cena no deserto, que fora um paraíso, ele lhe disse que eu havia sido concebido no Líbano, que ressurge, sempre, de areias e cinzas.
Reunidos em torno de Cláudia, Marilza, Everest e Juninho, nós, amigos fiéis desta Família exemplar, agradecemos, fervorosamente, ao Universo a felicidade de carregarmos no sangue a memória de nossos Antepassados, que nos precederam na Eternidade, de onde velam por nós.
São Jerônimo, Santa Geralda e Santo Isaías hão de nos guiar por caminhos de música, luar e sonhos. Com sonhos no alforje de nossos corações, haveremos de ser sabiamente felizes. Amém!
A música, o luar e os sonhos são as minhas armas mágicas. Mas por música não deve entender-se só aquela que se toca, se não também aquela que fia eternamente por tocar. Por luar, ainda, não se deve supor que se fala só do que vem da lua e faz as árvores grandes perfis; há outro luar, que o mesmo sol não exclui, e obscurece em pleno dia o que as coisas fingem ser. Só os sonhos são sempre o que são. É o lado de nós em que nascemos e em que somos sempre naturais e nossos.
Foi por um sempre esperado telefonema que minha adorada Cláudia, comunicando-me a festa de aniversário da passagem de seu Pai, narrou-me o sonho que tivera, onde recebia ordens para que se fizesse a anual homenagem a Jerônimo, na qual minha mãe, Geralda Mucci, deveria também ser homenageada. Compareci, no sonho de minha Amiga número 1, como o orador, no sentido mesmo daquele que ora, labora e implora bênçãos para todos nós. Claudinha sonhou, ainda, com meu pai, Isaías Mucci, quando, numa cena no deserto, que fora um paraíso, ele lhe disse que eu havia sido concebido no Líbano, que ressurge, sempre, de areias e cinzas.
Reunidos em torno de Cláudia, Marilza, Everest e Juninho, nós, amigos fiéis desta Família exemplar, agradecemos, fervorosamente, ao Universo a felicidade de carregarmos no sangue a memória de nossos Antepassados, que nos precederam na Eternidade, de onde velam por nós.
São Jerônimo, Santa Geralda e Santo Isaías hão de nos guiar por caminhos de música, luar e sonhos. Com sonhos no alforje de nossos corações, haveremos de ser sabiamente felizes. Amém!
sexta-feira, 17 de abril de 2009
Ne Me Quitte Pas (1959), de Jacques Brel (1929-1978)
Ne me quitte pas
Il faut oublier
Tout peut s'oublier
Qui s'enfuit déjà
Oublier le temps
Des malentendus
Et le temps perdu
À savoir comment
Oublier ces heures
Qui tuaient parfois
À coups de pourquoi
Le coeur du bonheur
Ne me quitte pas
Moi je t'offrirai
Des perles de pluie
Venues de pays
Où il ne pleut pas
Je creuserai la terre
Jusqu'après ma mort
Pour couvrir ton corps
D'or et de lumière
Je ferai un domaine
Où l'amour sera roi
Où l'amour sera loi
Où tu seras reine
Ne me quitte pas
Ne me quitte pasJ
Je t'inventerai
Des mots insensés
Que tu comprendras
Je te parlerai
De ces amants là
Qui ont vu deux fois
Leurs coeurs s'embrasser
Je te raconterai
L'histoire de ce roi
Mort de n'avoir pas
Pu te rencontrer
Ne me quitte pas
On a vu souvent
Rejaillir le feu
De l'ancien volcan
Qu'on croyait trop vieux
Il est paraît-il
Des terres brûlées
Donnant plus de blé
Qu'un meilleur avril
Et quand vient le soir
Pour qu'un ciel flamboie
Le rouge et le noir
Ne s'épousent-ils pas
Ne me quite pas
Ne me quite pas
Je ne veux plus pleurer
Je ne veux plus parler
Je me cacherai là
À te regarder
Danser et sourire
Et à t'écouter
Chanter et puis rire
Laisse-moi devenir
L'ombre de ton ombre
L'ombre de ta main
L'ombre de ton chien
Ne me quitte pas
Il faut oublier
Tout peut s'oublier
Qui s'enfuit déjà
Oublier le temps
Des malentendus
Et le temps perdu
À savoir comment
Oublier ces heures
Qui tuaient parfois
À coups de pourquoi
Le coeur du bonheur
Ne me quitte pas
Moi je t'offrirai
Des perles de pluie
Venues de pays
Où il ne pleut pas
Je creuserai la terre
Jusqu'après ma mort
Pour couvrir ton corps
D'or et de lumière
Je ferai un domaine
Où l'amour sera roi
Où l'amour sera loi
Où tu seras reine
Ne me quitte pas
Ne me quitte pasJ
Je t'inventerai
Des mots insensés
Que tu comprendras
Je te parlerai
De ces amants là
Qui ont vu deux fois
Leurs coeurs s'embrasser
Je te raconterai
L'histoire de ce roi
Mort de n'avoir pas
Pu te rencontrer
Ne me quitte pas
On a vu souvent
Rejaillir le feu
De l'ancien volcan
Qu'on croyait trop vieux
Il est paraît-il
Des terres brûlées
Donnant plus de blé
Qu'un meilleur avril
Et quand vient le soir
Pour qu'un ciel flamboie
Le rouge et le noir
Ne s'épousent-ils pas
Ne me quite pas
Ne me quite pas
Je ne veux plus pleurer
Je ne veux plus parler
Je me cacherai là
À te regarder
Danser et sourire
Et à t'écouter
Chanter et puis rire
Laisse-moi devenir
L'ombre de ton ombre
L'ombre de ta main
L'ombre de ton chien
Ne me quitte pas
Love for Sale, Cole Porter (1891-1964)
When the only sound in the empty street,
Is the heavy tread of the heavy feet
That belong to a lonesome cop
I open shop.
When the moon so long has been gazing down
On the wayward ways of this wayward town.
That her smile becomes a smirk,
I go to work.
Love for sale,
Appetising young love for sale.
Love that's fresh and still unspoiled,
Love that's only slightly soiled,
Love for sale.
Who will buy?
Who would like to sample my supply?
Who's prepared to pay the price,
For a trip to paradise?
Love for sale
Let the poets pipe of lovein their childish way,
I know every type of love
Better far than they.
If you want the thrill of love,
I've been through the mill of love;
Old love, new love
Every love but true love
Love for sale.
Appetising young love for sale.
If you want to buy my wares.
Follow me and climb the stairs
Love for sale.
Love for sale.
Is the heavy tread of the heavy feet
That belong to a lonesome cop
I open shop.
When the moon so long has been gazing down
On the wayward ways of this wayward town.
That her smile becomes a smirk,
I go to work.
Love for sale,
Appetising young love for sale.
Love that's fresh and still unspoiled,
Love that's only slightly soiled,
Love for sale.
Who will buy?
Who would like to sample my supply?
Who's prepared to pay the price,
For a trip to paradise?
Love for sale
Let the poets pipe of lovein their childish way,
I know every type of love
Better far than they.
If you want the thrill of love,
I've been through the mill of love;
Old love, new love
Every love but true love
Love for sale.
Appetising young love for sale.
If you want to buy my wares.
Follow me and climb the stairs
Love for sale.
Love for sale.
Que C'est Triste Venise, de Charles Aznavour
Que c'est triste Venise
Au temps des amours mortes
Que c'est triste Venise
Quand on ne s'aime plus
On cherche encore des mots
Mais l'ennui les emporte
On voudrait bien pleurer
Mais on ne le peut plus
Que c'est triste Venise
Lorsque les barcaroles
Ne viennent souligner que les silences creux
Et que le coeur se serre
En voyant les gondolles
Abriter le bonheur des couples amoureux
Que c'est triste Venise
Au temps des amours mortes
Que c'est triste Venise
Quand on ne s'aime plus
Les musées, les églises
Ouvrent enfin leurs portes
Inutile beauté
Devant nos yeux déçus
Que c'est triste Venise
Le soir sur la lagune
Quand on cherche une main
Que l'on ne vous tend pas
Et que l'on ironise
Devant le clair de lune
Pour tenter d'oublier
Ce que l'on ne se dit pas
Adieu tous les pigeons
Qui nous ont fait escorte
Adieu Pont des Soupirs
Adieu rêves perdus
C'est trop triste Venise
Au temps des amours mortes
C'est trop triste Venise
Quand on ne s'aime plus
Au temps des amours mortes
Que c'est triste Venise
Quand on ne s'aime plus
On cherche encore des mots
Mais l'ennui les emporte
On voudrait bien pleurer
Mais on ne le peut plus
Que c'est triste Venise
Lorsque les barcaroles
Ne viennent souligner que les silences creux
Et que le coeur se serre
En voyant les gondolles
Abriter le bonheur des couples amoureux
Que c'est triste Venise
Au temps des amours mortes
Que c'est triste Venise
Quand on ne s'aime plus
Les musées, les églises
Ouvrent enfin leurs portes
Inutile beauté
Devant nos yeux déçus
Que c'est triste Venise
Le soir sur la lagune
Quand on cherche une main
Que l'on ne vous tend pas
Et que l'on ironise
Devant le clair de lune
Pour tenter d'oublier
Ce que l'on ne se dit pas
Adieu tous les pigeons
Qui nous ont fait escorte
Adieu Pont des Soupirs
Adieu rêves perdus
C'est trop triste Venise
Au temps des amours mortes
C'est trop triste Venise
Quand on ne s'aime plus
VIRGINIA WOOLF'S LETTER
Dear Leonard...to look life in the face,always...to look life in the face...and to know it...for what it is...at last to know it...to love it...for what it is...and then...to put it away.Leonard...always the years between usalways the years...always the love...always the hours...
(smiles and laughs) I remember one morning, getting up at dawn, there was such a sense of possibility. You know, that feeling? And I remember thinking to myself, so this is the beginning of happiness. This is where it starts. And of course there will always be more. (both laugh) Never occurred to me it wasn't the beginning, it was happiness. It was The Moment. Right then.
(smiles and laughs) I remember one morning, getting up at dawn, there was such a sense of possibility. You know, that feeling? And I remember thinking to myself, so this is the beginning of happiness. This is where it starts. And of course there will always be more. (both laugh) Never occurred to me it wasn't the beginning, it was happiness. It was The Moment. Right then.
Paulo Leminsky
Uma poesia ártica,claro, é isso que eu desejo.
Uma prática pálida,três versos de gelo.
Uma frase-superfície
onde vida-frase alguma
não seja mais possível.
Frase, não,
Nenhuma.
Uma lira nula,reduzida ao puro mínimo,
um piscar do espírito,a única coisa única.
Mas falo.E, ao falar, provoco
nuvens de equívocos(ou enxame de monólogos?)
Sim, inverno, estamos vivos.
Uma prática pálida,três versos de gelo.
Uma frase-superfície
onde vida-frase alguma
não seja mais possível.
Frase, não,
Nenhuma.
Uma lira nula,reduzida ao puro mínimo,
um piscar do espírito,a única coisa única.
Mas falo.E, ao falar, provoco
nuvens de equívocos(ou enxame de monólogos?)
Sim, inverno, estamos vivos.
Poética - Vinícius de Moraes
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.
quinta-feira, 16 de abril de 2009
entrevista que o Doutorando em Ciências Sociais, Moisés Augusto, fez com seu tio
Moisés Augusto – Pra começo de conversa, José Maria ou Nenzito?
José Maria (Nenzito) - Meu nome completo é José Maria Gonçalves. Sou chamado de Zé Maria, por uns e de Nenzito, por outros. Nasci em Cordisburgo, em 1º de junho de 1944, 7º filho do casal José Gonçalves Filho e Dona Elvira de Assis Barbosa. Estudei as primeiras letras em casa mesmo, com minha mãe. Eu pegava uma revista e perguntava minha mãe que palavras eram aquelas em letra grande, na capa. Minha mãe lia e destrinchava a palavra, explicando cada sílaba. Quando me matricularam no Grupo Escolar Mestre Candinho,com quase 10 anos, eu já lia regularmente. Não me matricularam antes esperando que eu crescesse, porque tinham pena de colocar alguém tão pequeno na escola. Quando viram que o tempo passava e altura não aumentava, o jeito foi me deixar entrar na Escola. Eu já lia e na sala de aula ajudava a professora a corrigir os deveres.Terminado o primário em 1957 , comecei logo o Ginásio Comercial de Cordisburgo. Não tinha como continuar os estudos, porque em Cordisburgo não tinha o colegial e meus pais não tinham recursos para mandar-me estudar fora. Cinco anos depois, matriculei-me no iniciante curso de Magistério. Terminado, consegui uma vaga para dar aula em uma escola estadual no meio rural. Lecionei durante três anos. Mais tarde, ao notar minha fragilidade em matemática, matriculei-me no curso de Técnico em Contabilidade. Terminando o curso, tentei vestibular na Faculdade de Direito de Sete Lagoas, tendo sido aprovado. Advoguei apenas por um tempo. Não advogo mais.Trabalho na Prefeitura Municipal de Cordisburgo, no Setor de Tributação e Fiscalização, desde 02/01/1985. Nada a ver com minha vocação artística... Felizmente, estou em vias de me aposentar por idade..Onde me realizo mesmo, é como contador de histórias, atividade que me dá satisfação pessoal. Adoro viajar por este Brasil contando histórias de minha terra, minha gente e do nosso Guimarães Rosa. Em breve, eu e outros colegas contadores faremos uma turnê de 24 dias no estado de São Paulo, com apresentações na capital e no interior.
Moisés Augusto - E os amores?
José Maria (Nenzito) - Continuo solteiro, por opção (das mulheres, infelizmente). Moro com meu filho, Vítor, de 13 anos. Já fui das baladas, das noitadas, das bebidas, do cigarro. Hoje a casa me conquistou: o filme, o livro, a cama, o quintal, os animais domésticos, a música. Adoro caminhar no semi-escuro da madrugada, sozinho com meus pensamentos e com os primeiros chilreios dos pássaros como que fazendo sua oração matinal. Curto a minha “sozinhidão”, como dizia Guimarães.Moisés Augusto – Você é membro da Academia Cordisburguense de Letras. Continua escrevendo...José Maria (Nenzito) - Já arrisquei escrever uns versinhos, mas acho que a fonte secou. Gosto de mergulhar todo na rica literatura roseana, me nutrir de seus sabores e encarnar seus personagens, tão colocados ao nosso chão....Moisés Augusto - O que é ser um contador de histórias?José Maria (Nenzito) - É mergulhar no mundo mágico da literatura e transmiti-la através da narração. Arrancar os personagens que estão costurados no papel e lhes dar vida. Mergulhar no conto, na história a procura dos sentimentos e expô-los à luz. Maravilhar-se quando se enamora de uma estória e começar o romance que só pode acabar em casamento. Não há incompatibilidade de gênios desde que houve simpatia no primeiro olhar.
Moisés Augusto - O que é narrar Guimarães Rosa?
José Maria (Nenzito) Há dois tipos de narração: liberdade em relação ao texto, onde o narrador pode descolar-se no texto e até criar algo dentro do texto, e fidelidade ao texto. Guimarães Rosa está neste segundo. Com ele mais que com qualquer outro, o narrador é cativo do texto. Se fala uma palavra que não é do autor, ela grita desesperada: “EU ESTOU SOBRANDO AQUI!...” É um texto mais difícil de decorar.Mas para quem mora no meio sertanejo, para quem vive fora das metrópoles, é saudável e gostoso narrar o Rosa. Dar vida, cara e voz ao sertanejo. Mas é preciso conhecer o sertanejo assim como é preciso conhecer o Rosa. Um cidadão cosmopolita que conhece bem a literatura Roseana, mas não conhece o sertanejo, terá dificuldades de narrar trechos de Guimarães Rosa.É uma delícia narrar Guimarães Rosa, sobretudo para seus admiradores!
Moisés Augusto - O que é preciso pra ser um bom contador de histórias?
José Maria (Nenzito) - Primeiramente é preciso ter dom para isto, facilidade para transmitir. Depois se empenhar. Decorar é um trabalho pesado. Precisa aprofundar no texto escolhido e não deixar nele nada escondido. Pelo menos tentar trazer tudo o que há no texto à tona. Entretanto, o texto sempre esconde algo de nós. Pela vida afora vamos descobrindo coisas novas no conto, jeito novo de falar. O narrador precisa fazer constantes pesquisas sobre seu texto, fazer experimentações e verificar se a platéia aprova. Se deu certo, incorpora aquele novo jeito, aquela entonação, aquele gesto à sua narração. Pesquisar sempre.
Moisés Augusto – O que mais te toca na obra de Guimarães Rosa? Há algum personagem em especial ou texto com o qual você mais se identifique?
José Maria (Nenzito) – O que mais me toca na obra roseana é o conhecimento do Guimarães sobre a alma, a natureza humana: o homem, sua grandiosidade, e suas baixezas. O ser humano como é. O bem e o mal em luta dentro de cada um. Por isso ele disse que o sertão é do tamanho do mundo. O conflito faz parte de nós, assim como a paz.“O diabo não há, o que há é o homem humano, travessia”.“Que Deus existe, sim, devagrinho, depressa, ele existe, mas quase só por intermédio da ação das pessoas, dos bons e maus” (citações de Grande Sertão: Veredas).E assim eu já respondo à segunda pergunta: O personagem com quem mais me identifico é Riobaldo de GS: Veredas com suas incertezas, sua valentia e seus medos.--
José Maria (Nenzito) - Meu nome completo é José Maria Gonçalves. Sou chamado de Zé Maria, por uns e de Nenzito, por outros. Nasci em Cordisburgo, em 1º de junho de 1944, 7º filho do casal José Gonçalves Filho e Dona Elvira de Assis Barbosa. Estudei as primeiras letras em casa mesmo, com minha mãe. Eu pegava uma revista e perguntava minha mãe que palavras eram aquelas em letra grande, na capa. Minha mãe lia e destrinchava a palavra, explicando cada sílaba. Quando me matricularam no Grupo Escolar Mestre Candinho,com quase 10 anos, eu já lia regularmente. Não me matricularam antes esperando que eu crescesse, porque tinham pena de colocar alguém tão pequeno na escola. Quando viram que o tempo passava e altura não aumentava, o jeito foi me deixar entrar na Escola. Eu já lia e na sala de aula ajudava a professora a corrigir os deveres.Terminado o primário em 1957 , comecei logo o Ginásio Comercial de Cordisburgo. Não tinha como continuar os estudos, porque em Cordisburgo não tinha o colegial e meus pais não tinham recursos para mandar-me estudar fora. Cinco anos depois, matriculei-me no iniciante curso de Magistério. Terminado, consegui uma vaga para dar aula em uma escola estadual no meio rural. Lecionei durante três anos. Mais tarde, ao notar minha fragilidade em matemática, matriculei-me no curso de Técnico em Contabilidade. Terminando o curso, tentei vestibular na Faculdade de Direito de Sete Lagoas, tendo sido aprovado. Advoguei apenas por um tempo. Não advogo mais.Trabalho na Prefeitura Municipal de Cordisburgo, no Setor de Tributação e Fiscalização, desde 02/01/1985. Nada a ver com minha vocação artística... Felizmente, estou em vias de me aposentar por idade..Onde me realizo mesmo, é como contador de histórias, atividade que me dá satisfação pessoal. Adoro viajar por este Brasil contando histórias de minha terra, minha gente e do nosso Guimarães Rosa. Em breve, eu e outros colegas contadores faremos uma turnê de 24 dias no estado de São Paulo, com apresentações na capital e no interior.
Moisés Augusto - E os amores?
José Maria (Nenzito) - Continuo solteiro, por opção (das mulheres, infelizmente). Moro com meu filho, Vítor, de 13 anos. Já fui das baladas, das noitadas, das bebidas, do cigarro. Hoje a casa me conquistou: o filme, o livro, a cama, o quintal, os animais domésticos, a música. Adoro caminhar no semi-escuro da madrugada, sozinho com meus pensamentos e com os primeiros chilreios dos pássaros como que fazendo sua oração matinal. Curto a minha “sozinhidão”, como dizia Guimarães.Moisés Augusto – Você é membro da Academia Cordisburguense de Letras. Continua escrevendo...José Maria (Nenzito) - Já arrisquei escrever uns versinhos, mas acho que a fonte secou. Gosto de mergulhar todo na rica literatura roseana, me nutrir de seus sabores e encarnar seus personagens, tão colocados ao nosso chão....Moisés Augusto - O que é ser um contador de histórias?José Maria (Nenzito) - É mergulhar no mundo mágico da literatura e transmiti-la através da narração. Arrancar os personagens que estão costurados no papel e lhes dar vida. Mergulhar no conto, na história a procura dos sentimentos e expô-los à luz. Maravilhar-se quando se enamora de uma estória e começar o romance que só pode acabar em casamento. Não há incompatibilidade de gênios desde que houve simpatia no primeiro olhar.
Moisés Augusto - O que é narrar Guimarães Rosa?
José Maria (Nenzito) Há dois tipos de narração: liberdade em relação ao texto, onde o narrador pode descolar-se no texto e até criar algo dentro do texto, e fidelidade ao texto. Guimarães Rosa está neste segundo. Com ele mais que com qualquer outro, o narrador é cativo do texto. Se fala uma palavra que não é do autor, ela grita desesperada: “EU ESTOU SOBRANDO AQUI!...” É um texto mais difícil de decorar.Mas para quem mora no meio sertanejo, para quem vive fora das metrópoles, é saudável e gostoso narrar o Rosa. Dar vida, cara e voz ao sertanejo. Mas é preciso conhecer o sertanejo assim como é preciso conhecer o Rosa. Um cidadão cosmopolita que conhece bem a literatura Roseana, mas não conhece o sertanejo, terá dificuldades de narrar trechos de Guimarães Rosa.É uma delícia narrar Guimarães Rosa, sobretudo para seus admiradores!
Moisés Augusto - O que é preciso pra ser um bom contador de histórias?
José Maria (Nenzito) - Primeiramente é preciso ter dom para isto, facilidade para transmitir. Depois se empenhar. Decorar é um trabalho pesado. Precisa aprofundar no texto escolhido e não deixar nele nada escondido. Pelo menos tentar trazer tudo o que há no texto à tona. Entretanto, o texto sempre esconde algo de nós. Pela vida afora vamos descobrindo coisas novas no conto, jeito novo de falar. O narrador precisa fazer constantes pesquisas sobre seu texto, fazer experimentações e verificar se a platéia aprova. Se deu certo, incorpora aquele novo jeito, aquela entonação, aquele gesto à sua narração. Pesquisar sempre.
Moisés Augusto – O que mais te toca na obra de Guimarães Rosa? Há algum personagem em especial ou texto com o qual você mais se identifique?
José Maria (Nenzito) – O que mais me toca na obra roseana é o conhecimento do Guimarães sobre a alma, a natureza humana: o homem, sua grandiosidade, e suas baixezas. O ser humano como é. O bem e o mal em luta dentro de cada um. Por isso ele disse que o sertão é do tamanho do mundo. O conflito faz parte de nós, assim como a paz.“O diabo não há, o que há é o homem humano, travessia”.“Que Deus existe, sim, devagrinho, depressa, ele existe, mas quase só por intermédio da ação das pessoas, dos bons e maus” (citações de Grande Sertão: Veredas).E assim eu já respondo à segunda pergunta: O personagem com quem mais me identifico é Riobaldo de GS: Veredas com suas incertezas, sua valentia e seus medos.--
AFORISMO LOVISOLANO
Mirá, creo que en la barbarie actual, las teorías estéticas son las notas necrológicas del arte. Escritas por sonetistas de epitafios.
TERRÍVEL CONTO MACHADIANO
Machado de Assis
A IGREJA DO DIABO
CAPÍTULO I
DE UMA IDÉIA MIRÍFICA
Conta um velho manuscrito beneditino que o Diabo, em certo dia, teve a idéia de fundar uma igreja. Embora os seus lucros fossem contínuos e grandes, sentia-se humilhado com o papel avulso que exercia desde séculos, sem organização, sem regras, sem cânones, sem ritual, sem nada. Vivia, por assim dizer, dos remanescentes divinos, dos descuidos e obséquios humanos. Nada fixo, nada regular. Por que não teria ele a sua igreja? Uma igreja do Diabo era o meio eficaz de combater as outras religiões, e destruí-las de uma vez.
- Vá, pois, uma igreja, concluiu ele. Escritura contra Escritura, breviário contra breviário. Terei a minha missa, com vinho e pão à farta, as minhas prédicas, bulas, novenas e todo o demais aparelho eclesiástico. O meu credo será o núcleo universal dos espíritos, a minha igreja uma tenda de Abraão. E depois, enquanto as outras religiões se combatem e se dividem, a minha igreja será única; não acharei diante de mim, nem Maomé, nem Lutero. Há muitos modos de afirmar; há só um de negar tudo.
Dizendo isto, o Diabo sacudiu a cabeça e estendeu os braços, com um gesto magnífico e varonil. Em seguida, lembrou-se de ir ter com Deus para comunicar-lhe a idéia, e desafiá-lo; levantou os olhos, acesos de ódio, ásperos de vingança, e disse consigo: - Vamos, é tempo. E rápido, batendo as asas, com tal estrondo que abalou todas as províncias do abismo, arrancou da sombra para o infinito azul.
II
ENTRE DEUS E O DIABO
Deus recolhia um ancião, quando o Diabo chegou ao céu. Os serafins que engrinaldavam o recém-chegado, detiveram-no logo, e o Diabo deixou-se estar à entrada com os olhos no Senhor.
- Que me queres tu? perguntou este.
- Não venho pelo vosso servo Fausto, respondeu o Diabo rindo, mas por todos os Faustos do século e dos séculos.
- Explica-te.
- Senhor, a explicação é fácil; mas permiti que vos diga: recolhei primeiro esse bom velho; dai-lhe o melhor lugar, mandai que as mais afinadas cítaras e alaúdes o recebam com os mais divinos coros...
- Sabes o que ele fez? perguntou o Senhor, com os olhos cheios de doçura.
- Não, mas provavelmente é dos últimos que virão ter convosco. Não tarda muito que o céu fique semelhante a uma casa vazia, por causa do preço, que é alto. Vou edificar uma hospedaria barata; em duas palavras, vou fundar uma igreja. Estou cansado da minha desorganização, do meu reinado casual e adventício. É tempo de obter a vitória final e completa. E então vim dizer-vos isto, com lealdade, para que me não acuseis de dissimulação... Boa idéia, não vos parece?
- Vieste dizê-la, não legitimá-la, advertiu o Senhor,
- Tendes razão, acudiu o Diabo; mas o amor-próprio gosta de ouvir o aplauso dos mestres. Verdade é que neste caso seria o aplauso de um mestre vencido, e uma tal exigência... Senhor, desço à terra; vou lançar a minha pedra fundamental.
- Vai
- Quereis que venha anunciar-vos o remate da obra?
- Não é preciso; basta que me digas desde já por que motivo, cansado há tanto da tua desorganização, só agora pensaste em fundar uma igreja?
O Diabo sorriu com certo ar de escárnio e triunfo. Tinha alguma idéia cruel no espírito, algum reparo picante no alforje da memória, qualquer coisa que, nesse breve instante da eternidade, o fazia crer superior ao próprio Deus. Mas recolheu o riso, e disse:
- Só agora concluí uma observação, começada desde alguns séculos, e é que as virtudes, filhas do céu, são em grande número comparáveis a rainhas, cujo manto de veludo rematasse em franjas de algodão. Ora, eu proponho-me a puxá-las por essa franja, e trazê- las todas para minha igreja; atrás delas virão as de seda pura...
- Velho retórico! murmurou o Senhor.
- Olhai bem. Muitos corpos que ajoelham aos vossos pés, nos templos do mundo, trazem as anquinhas da sala e da rua, os rostos tingem-se do mesmo pó, os lenços cheiram aos mesmos cheiros, as pupilas centelham de curiosidade e devoção entre o livro santo e o bigode do pecado. Vede o ardor, - a indiferença, ao menos, - com que esse cavalheiro põe em letras públicas os benefícios que liberalmente espalha, - ou sejam roupas ou botas, ou moedas, ou quaisquer dessas matérias necessárias à vida... Mas não quero parecer que me detenho em coisas miúdas; não falo, por exemplo, da placidez com que este juiz de irmandade, nas procissões, carrega piedosamente ao peito o vosso amor e uma comenda... Vou a negócios mais altos...
Nisto os serafins agitaram as asas pesadas de fastio e sono. Miguel e Gabriel fitaram no Senhor um olhar de súplica, Deus interrompeu o Diabo.
- Tu és vulgar, que é o pior que pode acontecer a um espírito da tua espécie, replicou-lhe o Senhor. Tudo o que dizes ou digas está dito e redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto; e se não tens força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires. Olha; todas as minhas legiões mostram no rosto os sinais vivos do tédio que lhes dás. Esse mesmo ancião parece enjoado; e sabes tu o que ele fez?
- Já vos disse que não.
- Depois de uma vida honesta, teve uma morte sublime. Colhido em um naufrágio, ia salvar-se numa tábua; mas viu um casal de noivos, na flor da vida, que se debatiam já com a morte; deu-lhes a tábua de salvação e mergulhou na eternidade. Nenhum público: a água e o céu por cima. Onde achas aí a franja de algodão?
- Senhor, eu sou, como sabeis, o espírito que nega.
- Negas esta morte?
- Nego tudo. A misantropia pode tomar aspecto de caridade; deixar a vida aos outros, para um misantropo, é realmente aborrecê-los...
- Retórico e sutil! exclamou o Senhor. Vai; vai, funda a tua igreja; chama todas as virtudes, recolhe todas as franjas, convoca todos os homens... Mas, vai! vai!
Debalde o Diabo tentou proferir alguma coisa mais. Deus impusera-lhe silêncio; os serafins, a um sinal divino, encheram o céu com as harmonias de seus cânticos. O Diabo sentiu, de repente, que se achava no ar; dobrou as asas, e, como um raio, caiu na terra.
Ill
A BOA NOVA AOS HOMENS
Uma vez na terra, o Diabo não perdeu um minuto. Deu-se pressa em enfiar a cogula beneditina, como hábito de boa fama, e entrou a espalhar uma doutrina nova e extraordinária, com uma voz que reboava nas entranhas do século. Ele prometia aos seus discípulos e fiéis as delícias da terra, todas as glórias, os deleites mais íntimos. Confessava que era o Diabo; mas confessava-o para retificar a noção que os homens tinham dele e desmentir as histórias que a seu respeito contavam as velhas beatas.
- Sim, sou o Diabo, repetia ele; não o Diabo das noites sulfúreas, dos contos soníferos, terror das crianças, mas o Diabo verdadeiro e único, o próprio gênio da natureza, a que se deu aquele nome para arredá-lo do coração dos homens. Vede-me gentil a airoso. Sou o vosso verdadeiro pai. Vamos lá: tomai daquele nome, inventado para meu desdouro, fazei dele um troféu e um lábaro, e eu vos darei tudo, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo...
Era assim que falava, a princípio, para excitar o entusiasmo, espertar os indiferentes, congregar, em suma, as multidões ao pé de si. E elas vieram; e logo que vieram, o Diabo passou a definir a doutrina. A doutrina era a que podia ser na boca de um espírito de negação. Isso quanto à substância, porque, acerca da forma, era umas vezes sutil, outras cínica e deslavada.
Clamava ele que as virtudes aceitas deviam ser substituídas por outras, que eram as naturais e legítimas. A soberba, a luxúria, a preguiça foram reabilitadas, e assim também a avareza, que declarou não ser mais do que a mãe da economia, com a diferença que a mãe era robusta, e a filha uma esgalgada. A ira tinha a melhor defesa na existência de Homero; sem o furor de Aquiles, não haveria a Ilíada: "Musa, canta a cólera de Aquiles, filho de Peleu"... O mesmo disse da gula, que produziu as melhores páginas de Rabelais, e muitos bons versos do Hissope; virtude tão superior, que ninguém se lembra das batalhas de Luculo, mas das suas ceias; foi a gula que realmente o fez imortal. Mas, ainda pondo de lado essas razões de ordem literária ou histórica, para só mostrar o valor intrínseco daquela virtude, quem negaria que era muito melhor sentir na boca e no ventre os bons manjares, em grande cópia, do que os maus bocados, ou a saliva do jejum? Pela sua parte o Diabo prometia substituir a vinha do Senhor, expressão metafórica, pela vinha do Diabo, locução direta e verdadeira, pois não faltaria nunca aos seus com o fruto das mais belas cepas do mundo. Quanto à inveja, pregou friamente que era a virtude principal, origem de prosperidades infinitas; virtude preciosa, que chegava a suprir todas as outras, e ao próprio talento.
As turbas corriam atrás dele entusiasmadas. O Diabo incutia-lhes, a grandes golpes de eloqüência, toda a nova ordem de coisas, trocando a noção delas, fazendo amar as perversas e detestar as sãs.
Nada mais curioso, por exemplo, do que a definição que ele dava da fraude. Chamava-lhe o braço esquerdo do homem; o braço direito era a força; e concluía: muitos homens são canhotos, eis tudo. Ora, ele não exigia que todos fossem canhotos; não era exclusivista. Que uns fossem canhotos, outros destros; aceitava a todos, menos os que não fossem nada. A demonstração, porém, mais rigorosa e profunda, foi a da venalidade. Um casuísta do tempo chegou a confessar que era um monumento de lógica. A venalidade, disse o Diabo, era o exercício de um direito superior a todos os direitos. Se tu podes vender a tua casa, o teu boi, o teu sapato, o teu chapéu, coisas que são tuas por uma razão jurídica e legal, mas que, em todo caso, estão fora de ti, como é que não podes vender a tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé, coisas que são mais do que tuas, porque são a tua própria consciência, isto é, tu mesmo? Negá-lo é cair no obscuro e no contraditório. Pois não há mulheres que vendem os cabelos? não pode um homem vender uma parte do seu sangue para transfundi-lo a outro homem anêmico? e o sangue e os cabelos, partes físicas, terão um privilégio que se nega ao caráter, à porção moral do homem? Demonstrando assim o princípio, o Diabo não se demorou em expor as vantagens de ordem temporal ou pecuniária; depois, mostrou ainda que, à vista do preconceito social, conviria dissimular o exercício de um direito tão legítimo, o que era exercer ao mesmo tempo a venalidade e a hipocrisia, isto é, merecer duplicadamente. E descia, e subia, examinava tudo, retificava tudo. Está claro que combateu o perdão das injúrias e outras máximas de brandura e cordialidade. Não proibiu formalmente a calúnia gratuita, mas induziu a exercê-la mediante retribuição, ou pecuniária, ou de outra espécie; nos casos, porém, em que ela fosse uma expansão imperiosa da força imaginativa, e nada mais, proibia receber nenhum salário, pois equivalia a fazer pagar a transpiração. Todas as formas de respeito foram condenadas por ele, como elementos possíveis de um certo decoro social e pessoal; salva, todavia, a única exceção do interesse. Mas essa mesma exceção foi logo eliminada, pela consideração de que o interesse, convertendo o respeito em simples adulação, era este o sentimento aplicado e não aquele.
Para rematar a obra, entendeu o Diabo que lhe cumpria cortar por toda a solidariedade humana. Com efeito, o amor do próximo era um obstáculo grave à nova instituição. Ele mostrou que essa regra era uma simples invenção de parasitas e negociantes insolváveis; não se devia dar ao próximo senão indiferença; em alguns casos, ódio ou desprezo. Chegou mesmo à demonstração de que a noção de próximo era errada, e citava esta frase de um padre de Nápoles, aquele fino e letrado Galiani, que escrevia a uma das marquesas do antigo regímen: "Leve a breca o próximo! Não há próximo!" A única hipótese em que ele permitia amar ao próximo era quando se tratasse de amar as damas alheias, porque essa espécie de amor tinha a particularidade de não ser outra coisa mais do que o amor do indivíduo a si mesmo. E como alguns discípulos achassem que uma tal explicação, por metafísica, escapava à compreensão das turbas, o Diabo recorreu a um apólogo: - Cem pessoas tomam ações de um banco, para as operações comuns; mas cada acionista não cuida realmente senão nos seus dividendos: é o que acontece aos adúlteros. Este apólogo foi incluído no livro da sabedoria.
IV
FRANJAS E FRANJAS
A previsão do Diabo verificou-se. Todas as virtudes cuja capa de veludo acabava em franja de algodão, uma vez puxadas pela franja, deitavam a capa às urtigas e vinham alistar-se na igreja nova. Atrás foram chegando as outras, e o tempo abençoou a instituição. A igreja fundara-se; a doutrina propagava-se; não havia uma região do globo que não a conhecesse, uma língua que não a traduzisse, uma raça que não a amasse. O Diabo alçou brados de triunfo.
Um dia, porém, longos anos depois, notou o Diabo que muitos dos seus fiéis, às escondidas, praticavam as antigas virtudes. Não as praticavam todas, nem integralmente, mas algumas, por partes, e, como digo, às ocultas. Certos glutões recolhiam-se a comer frugalmente três ou quatro vezes por ano, justamente em dias de preceito católico; muitos avaros davam esmolas, à noite, ou nas ruas mal povoadas; vários dilapidadores do erário restituíam-lhe pequenas quantias; os fraudulentos falavam, uma ou outra vez, com o coração nas mãos, mas com o mesmo rosto dissimulado, para fazer crer que estavam embaçando os outros.
A descoberta assombrou o Diabo. Meteu-se a conhecer mais diretamente o mal, e viu que lavrava muito. Alguns casos eram até incompreensíveis, como o de um droguista do Levante, que envenenara longamente uma geração inteira, e, com o produto das drogas socorria os filhos das vítimas. No Cairo achou um perfeito ladrão de camelos, que tapava a cara para ir às mesquitas. O Diabo deu com ele à entrada de uma, lançou-lhe em rosto o procedimento; ele negou, dizendo que ia ali roubar o camelo de um drogomano; roubou-o, com efeito, à vista do Diabo e foi dá-lo de presente a um muezim, que rezou por ele a Alá. O manuscrito beneditino cita muitas outra descobertas extraordinárias, entre elas esta, que desorientou completamente o Diabo. Um dos seus melhores apóstolos era um calabrês, varão de cinqüenta anos, insigne falsificador de documentos, que possuía uma bela casa na campanha romana, telas, estátuas, biblioteca, etc. Era a fraude em pessoa; chegava a meter-se na cama para não confessar que estava são. Pois esse homem, não só não furtava ao jogo, como ainda dava gratificações aos criados. Tendo angariado a amizade de um cônego, ia todas as semanas confessar-se com ele, numa capela solitária; e, conquanto não lhe desvendasse nenhuma das suas ações secretas, benzia-se duas vezes, ao ajoelhar-se, e ao levantar-se. O Diabo mal pôde crer tamanha aleivosia. Mas não havia duvidar; o caso era verdadeiro.
Não se deteve um instante. O pasmo não lhe deu tempo de refletir, comparar e concluir do espetáculo presente alguma coisa análoga ao passado. Voou de novo ao céu, trêmulo de raiva, ansioso de conhecer a causa secreta de tão singular fenômeno. Deus ouviu-o com infinita complacência; não o interrompeu, não o repreendeu, não triunfou, sequer, daquela agonia satânica. Pôs os olhos nele, e disse:
- Que queres tu, meu pobre Diabo? As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão. Que queres tu? É a eterna contradição humana.
Fonte: Contos Consagrados - Machado de Assis - Coleção Prestigio - Ediouro - s/d.
A IGREJA DO DIABO
CAPÍTULO I
DE UMA IDÉIA MIRÍFICA
Conta um velho manuscrito beneditino que o Diabo, em certo dia, teve a idéia de fundar uma igreja. Embora os seus lucros fossem contínuos e grandes, sentia-se humilhado com o papel avulso que exercia desde séculos, sem organização, sem regras, sem cânones, sem ritual, sem nada. Vivia, por assim dizer, dos remanescentes divinos, dos descuidos e obséquios humanos. Nada fixo, nada regular. Por que não teria ele a sua igreja? Uma igreja do Diabo era o meio eficaz de combater as outras religiões, e destruí-las de uma vez.
- Vá, pois, uma igreja, concluiu ele. Escritura contra Escritura, breviário contra breviário. Terei a minha missa, com vinho e pão à farta, as minhas prédicas, bulas, novenas e todo o demais aparelho eclesiástico. O meu credo será o núcleo universal dos espíritos, a minha igreja uma tenda de Abraão. E depois, enquanto as outras religiões se combatem e se dividem, a minha igreja será única; não acharei diante de mim, nem Maomé, nem Lutero. Há muitos modos de afirmar; há só um de negar tudo.
Dizendo isto, o Diabo sacudiu a cabeça e estendeu os braços, com um gesto magnífico e varonil. Em seguida, lembrou-se de ir ter com Deus para comunicar-lhe a idéia, e desafiá-lo; levantou os olhos, acesos de ódio, ásperos de vingança, e disse consigo: - Vamos, é tempo. E rápido, batendo as asas, com tal estrondo que abalou todas as províncias do abismo, arrancou da sombra para o infinito azul.
II
ENTRE DEUS E O DIABO
Deus recolhia um ancião, quando o Diabo chegou ao céu. Os serafins que engrinaldavam o recém-chegado, detiveram-no logo, e o Diabo deixou-se estar à entrada com os olhos no Senhor.
- Que me queres tu? perguntou este.
- Não venho pelo vosso servo Fausto, respondeu o Diabo rindo, mas por todos os Faustos do século e dos séculos.
- Explica-te.
- Senhor, a explicação é fácil; mas permiti que vos diga: recolhei primeiro esse bom velho; dai-lhe o melhor lugar, mandai que as mais afinadas cítaras e alaúdes o recebam com os mais divinos coros...
- Sabes o que ele fez? perguntou o Senhor, com os olhos cheios de doçura.
- Não, mas provavelmente é dos últimos que virão ter convosco. Não tarda muito que o céu fique semelhante a uma casa vazia, por causa do preço, que é alto. Vou edificar uma hospedaria barata; em duas palavras, vou fundar uma igreja. Estou cansado da minha desorganização, do meu reinado casual e adventício. É tempo de obter a vitória final e completa. E então vim dizer-vos isto, com lealdade, para que me não acuseis de dissimulação... Boa idéia, não vos parece?
- Vieste dizê-la, não legitimá-la, advertiu o Senhor,
- Tendes razão, acudiu o Diabo; mas o amor-próprio gosta de ouvir o aplauso dos mestres. Verdade é que neste caso seria o aplauso de um mestre vencido, e uma tal exigência... Senhor, desço à terra; vou lançar a minha pedra fundamental.
- Vai
- Quereis que venha anunciar-vos o remate da obra?
- Não é preciso; basta que me digas desde já por que motivo, cansado há tanto da tua desorganização, só agora pensaste em fundar uma igreja?
O Diabo sorriu com certo ar de escárnio e triunfo. Tinha alguma idéia cruel no espírito, algum reparo picante no alforje da memória, qualquer coisa que, nesse breve instante da eternidade, o fazia crer superior ao próprio Deus. Mas recolheu o riso, e disse:
- Só agora concluí uma observação, começada desde alguns séculos, e é que as virtudes, filhas do céu, são em grande número comparáveis a rainhas, cujo manto de veludo rematasse em franjas de algodão. Ora, eu proponho-me a puxá-las por essa franja, e trazê- las todas para minha igreja; atrás delas virão as de seda pura...
- Velho retórico! murmurou o Senhor.
- Olhai bem. Muitos corpos que ajoelham aos vossos pés, nos templos do mundo, trazem as anquinhas da sala e da rua, os rostos tingem-se do mesmo pó, os lenços cheiram aos mesmos cheiros, as pupilas centelham de curiosidade e devoção entre o livro santo e o bigode do pecado. Vede o ardor, - a indiferença, ao menos, - com que esse cavalheiro põe em letras públicas os benefícios que liberalmente espalha, - ou sejam roupas ou botas, ou moedas, ou quaisquer dessas matérias necessárias à vida... Mas não quero parecer que me detenho em coisas miúdas; não falo, por exemplo, da placidez com que este juiz de irmandade, nas procissões, carrega piedosamente ao peito o vosso amor e uma comenda... Vou a negócios mais altos...
Nisto os serafins agitaram as asas pesadas de fastio e sono. Miguel e Gabriel fitaram no Senhor um olhar de súplica, Deus interrompeu o Diabo.
- Tu és vulgar, que é o pior que pode acontecer a um espírito da tua espécie, replicou-lhe o Senhor. Tudo o que dizes ou digas está dito e redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto; e se não tens força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires. Olha; todas as minhas legiões mostram no rosto os sinais vivos do tédio que lhes dás. Esse mesmo ancião parece enjoado; e sabes tu o que ele fez?
- Já vos disse que não.
- Depois de uma vida honesta, teve uma morte sublime. Colhido em um naufrágio, ia salvar-se numa tábua; mas viu um casal de noivos, na flor da vida, que se debatiam já com a morte; deu-lhes a tábua de salvação e mergulhou na eternidade. Nenhum público: a água e o céu por cima. Onde achas aí a franja de algodão?
- Senhor, eu sou, como sabeis, o espírito que nega.
- Negas esta morte?
- Nego tudo. A misantropia pode tomar aspecto de caridade; deixar a vida aos outros, para um misantropo, é realmente aborrecê-los...
- Retórico e sutil! exclamou o Senhor. Vai; vai, funda a tua igreja; chama todas as virtudes, recolhe todas as franjas, convoca todos os homens... Mas, vai! vai!
Debalde o Diabo tentou proferir alguma coisa mais. Deus impusera-lhe silêncio; os serafins, a um sinal divino, encheram o céu com as harmonias de seus cânticos. O Diabo sentiu, de repente, que se achava no ar; dobrou as asas, e, como um raio, caiu na terra.
Ill
A BOA NOVA AOS HOMENS
Uma vez na terra, o Diabo não perdeu um minuto. Deu-se pressa em enfiar a cogula beneditina, como hábito de boa fama, e entrou a espalhar uma doutrina nova e extraordinária, com uma voz que reboava nas entranhas do século. Ele prometia aos seus discípulos e fiéis as delícias da terra, todas as glórias, os deleites mais íntimos. Confessava que era o Diabo; mas confessava-o para retificar a noção que os homens tinham dele e desmentir as histórias que a seu respeito contavam as velhas beatas.
- Sim, sou o Diabo, repetia ele; não o Diabo das noites sulfúreas, dos contos soníferos, terror das crianças, mas o Diabo verdadeiro e único, o próprio gênio da natureza, a que se deu aquele nome para arredá-lo do coração dos homens. Vede-me gentil a airoso. Sou o vosso verdadeiro pai. Vamos lá: tomai daquele nome, inventado para meu desdouro, fazei dele um troféu e um lábaro, e eu vos darei tudo, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo...
Era assim que falava, a princípio, para excitar o entusiasmo, espertar os indiferentes, congregar, em suma, as multidões ao pé de si. E elas vieram; e logo que vieram, o Diabo passou a definir a doutrina. A doutrina era a que podia ser na boca de um espírito de negação. Isso quanto à substância, porque, acerca da forma, era umas vezes sutil, outras cínica e deslavada.
Clamava ele que as virtudes aceitas deviam ser substituídas por outras, que eram as naturais e legítimas. A soberba, a luxúria, a preguiça foram reabilitadas, e assim também a avareza, que declarou não ser mais do que a mãe da economia, com a diferença que a mãe era robusta, e a filha uma esgalgada. A ira tinha a melhor defesa na existência de Homero; sem o furor de Aquiles, não haveria a Ilíada: "Musa, canta a cólera de Aquiles, filho de Peleu"... O mesmo disse da gula, que produziu as melhores páginas de Rabelais, e muitos bons versos do Hissope; virtude tão superior, que ninguém se lembra das batalhas de Luculo, mas das suas ceias; foi a gula que realmente o fez imortal. Mas, ainda pondo de lado essas razões de ordem literária ou histórica, para só mostrar o valor intrínseco daquela virtude, quem negaria que era muito melhor sentir na boca e no ventre os bons manjares, em grande cópia, do que os maus bocados, ou a saliva do jejum? Pela sua parte o Diabo prometia substituir a vinha do Senhor, expressão metafórica, pela vinha do Diabo, locução direta e verdadeira, pois não faltaria nunca aos seus com o fruto das mais belas cepas do mundo. Quanto à inveja, pregou friamente que era a virtude principal, origem de prosperidades infinitas; virtude preciosa, que chegava a suprir todas as outras, e ao próprio talento.
As turbas corriam atrás dele entusiasmadas. O Diabo incutia-lhes, a grandes golpes de eloqüência, toda a nova ordem de coisas, trocando a noção delas, fazendo amar as perversas e detestar as sãs.
Nada mais curioso, por exemplo, do que a definição que ele dava da fraude. Chamava-lhe o braço esquerdo do homem; o braço direito era a força; e concluía: muitos homens são canhotos, eis tudo. Ora, ele não exigia que todos fossem canhotos; não era exclusivista. Que uns fossem canhotos, outros destros; aceitava a todos, menos os que não fossem nada. A demonstração, porém, mais rigorosa e profunda, foi a da venalidade. Um casuísta do tempo chegou a confessar que era um monumento de lógica. A venalidade, disse o Diabo, era o exercício de um direito superior a todos os direitos. Se tu podes vender a tua casa, o teu boi, o teu sapato, o teu chapéu, coisas que são tuas por uma razão jurídica e legal, mas que, em todo caso, estão fora de ti, como é que não podes vender a tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé, coisas que são mais do que tuas, porque são a tua própria consciência, isto é, tu mesmo? Negá-lo é cair no obscuro e no contraditório. Pois não há mulheres que vendem os cabelos? não pode um homem vender uma parte do seu sangue para transfundi-lo a outro homem anêmico? e o sangue e os cabelos, partes físicas, terão um privilégio que se nega ao caráter, à porção moral do homem? Demonstrando assim o princípio, o Diabo não se demorou em expor as vantagens de ordem temporal ou pecuniária; depois, mostrou ainda que, à vista do preconceito social, conviria dissimular o exercício de um direito tão legítimo, o que era exercer ao mesmo tempo a venalidade e a hipocrisia, isto é, merecer duplicadamente. E descia, e subia, examinava tudo, retificava tudo. Está claro que combateu o perdão das injúrias e outras máximas de brandura e cordialidade. Não proibiu formalmente a calúnia gratuita, mas induziu a exercê-la mediante retribuição, ou pecuniária, ou de outra espécie; nos casos, porém, em que ela fosse uma expansão imperiosa da força imaginativa, e nada mais, proibia receber nenhum salário, pois equivalia a fazer pagar a transpiração. Todas as formas de respeito foram condenadas por ele, como elementos possíveis de um certo decoro social e pessoal; salva, todavia, a única exceção do interesse. Mas essa mesma exceção foi logo eliminada, pela consideração de que o interesse, convertendo o respeito em simples adulação, era este o sentimento aplicado e não aquele.
Para rematar a obra, entendeu o Diabo que lhe cumpria cortar por toda a solidariedade humana. Com efeito, o amor do próximo era um obstáculo grave à nova instituição. Ele mostrou que essa regra era uma simples invenção de parasitas e negociantes insolváveis; não se devia dar ao próximo senão indiferença; em alguns casos, ódio ou desprezo. Chegou mesmo à demonstração de que a noção de próximo era errada, e citava esta frase de um padre de Nápoles, aquele fino e letrado Galiani, que escrevia a uma das marquesas do antigo regímen: "Leve a breca o próximo! Não há próximo!" A única hipótese em que ele permitia amar ao próximo era quando se tratasse de amar as damas alheias, porque essa espécie de amor tinha a particularidade de não ser outra coisa mais do que o amor do indivíduo a si mesmo. E como alguns discípulos achassem que uma tal explicação, por metafísica, escapava à compreensão das turbas, o Diabo recorreu a um apólogo: - Cem pessoas tomam ações de um banco, para as operações comuns; mas cada acionista não cuida realmente senão nos seus dividendos: é o que acontece aos adúlteros. Este apólogo foi incluído no livro da sabedoria.
IV
FRANJAS E FRANJAS
A previsão do Diabo verificou-se. Todas as virtudes cuja capa de veludo acabava em franja de algodão, uma vez puxadas pela franja, deitavam a capa às urtigas e vinham alistar-se na igreja nova. Atrás foram chegando as outras, e o tempo abençoou a instituição. A igreja fundara-se; a doutrina propagava-se; não havia uma região do globo que não a conhecesse, uma língua que não a traduzisse, uma raça que não a amasse. O Diabo alçou brados de triunfo.
Um dia, porém, longos anos depois, notou o Diabo que muitos dos seus fiéis, às escondidas, praticavam as antigas virtudes. Não as praticavam todas, nem integralmente, mas algumas, por partes, e, como digo, às ocultas. Certos glutões recolhiam-se a comer frugalmente três ou quatro vezes por ano, justamente em dias de preceito católico; muitos avaros davam esmolas, à noite, ou nas ruas mal povoadas; vários dilapidadores do erário restituíam-lhe pequenas quantias; os fraudulentos falavam, uma ou outra vez, com o coração nas mãos, mas com o mesmo rosto dissimulado, para fazer crer que estavam embaçando os outros.
A descoberta assombrou o Diabo. Meteu-se a conhecer mais diretamente o mal, e viu que lavrava muito. Alguns casos eram até incompreensíveis, como o de um droguista do Levante, que envenenara longamente uma geração inteira, e, com o produto das drogas socorria os filhos das vítimas. No Cairo achou um perfeito ladrão de camelos, que tapava a cara para ir às mesquitas. O Diabo deu com ele à entrada de uma, lançou-lhe em rosto o procedimento; ele negou, dizendo que ia ali roubar o camelo de um drogomano; roubou-o, com efeito, à vista do Diabo e foi dá-lo de presente a um muezim, que rezou por ele a Alá. O manuscrito beneditino cita muitas outra descobertas extraordinárias, entre elas esta, que desorientou completamente o Diabo. Um dos seus melhores apóstolos era um calabrês, varão de cinqüenta anos, insigne falsificador de documentos, que possuía uma bela casa na campanha romana, telas, estátuas, biblioteca, etc. Era a fraude em pessoa; chegava a meter-se na cama para não confessar que estava são. Pois esse homem, não só não furtava ao jogo, como ainda dava gratificações aos criados. Tendo angariado a amizade de um cônego, ia todas as semanas confessar-se com ele, numa capela solitária; e, conquanto não lhe desvendasse nenhuma das suas ações secretas, benzia-se duas vezes, ao ajoelhar-se, e ao levantar-se. O Diabo mal pôde crer tamanha aleivosia. Mas não havia duvidar; o caso era verdadeiro.
Não se deteve um instante. O pasmo não lhe deu tempo de refletir, comparar e concluir do espetáculo presente alguma coisa análoga ao passado. Voou de novo ao céu, trêmulo de raiva, ansioso de conhecer a causa secreta de tão singular fenômeno. Deus ouviu-o com infinita complacência; não o interrompeu, não o repreendeu, não triunfou, sequer, daquela agonia satânica. Pôs os olhos nele, e disse:
- Que queres tu, meu pobre Diabo? As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão. Que queres tu? É a eterna contradição humana.
Fonte: Contos Consagrados - Machado de Assis - Coleção Prestigio - Ediouro - s/d.
A TRAIÇÃO DOS SIGNOS, SEGUNDO JORGE LOVISOLO
Fijate cómo las siluetas acústicas de las palabras, en ocasiones no le hacen justicia a lo que de-signan.Vos decís que "declinás" hacia el crepúsculo esta bella tarde de otoño. Declinar indica "ir para abajo", pero tu querido crepúsculo es "ascencional", va "para arriba": Valéry decía que lo va hacia la noche va hacia el amor: "La fin du jour est femme".Lo mismo le pasaba a Mallarmé: no encontraba correspondencia entre la palabra "nuit" (diurna, brillante) y la palabra "jour" (nocturna, opaca).Quien piensa así jamás podrá escribir el Libro. Por eso Mallarmé sólo nos legó papelitos sueltos que le fueron arrancando las circunstancias (incluido Le coup...)Un abrazo. Jorge
PUBLICADO POR JUAN ARIAS NO JORNAL ESPANHOL "EL PAIS"
TRIBUNA: JUAN ARIAS
¿Para qué quiso ser Papa?
JUAN ARIAS 15/04/2009
Conocí en Roma, hace ahora 50 años, al entonces simple teólogo progresista, Joseph Ratzinger, cuando era asesor del también progresista episcopado alemán. Era ya como hoy: delgado, de mirada esquiva y misteriosa, lo opuesto del otro teólogo también asesor de los obispos progresistas, el suizo Hans Küng, todo él alegría y vitalidad. Eran los tiempos del Concilio Vaticano II. Juan XXIII, que hablaba por teléfono con Kruschev en ruso para intentar evitar la guerra de los misiles de Cuba, lanzó un reto al mundo descreído y pidió que volviera a la Iglesia. Abrió las puertas a los episcopados más avanzados, gritó contra los "profetas de desventuras", se ganó a la inteligencia de la Iglesia de entonces. Se vislumbró la esperanza.
El teólogo Ratzinger conduce a la Iglesia por la senda de la intransigencia y la polémicaDuró poco. Un cardenal español que, como tal, formaba parte de uno de los episcopados más oscuros del mundo, dijo al clero, al volver a su diócesis: "Y ahora a esperar que las aguas vuelvan a su cauce". Volvieron en parte, por obra sobre todo de Ratzinger, que cambió de piel y llegó a escribir un libro contra aquel Concilio, que en su opinión había sido un "error". Fue premiado: le hicieron obispo, después cardenal y más tarde guardián de la ortodoxia como Prefecto de la Sagrada Congregación de la Fe, la heredera de la antigua Inquisición.Ratzinger usó mano de hierro contra la inteligencia progresista de la Iglesia, apoyado sólo en parte por el Papa polaco Wojtyla. Condenó a todos los teólogos capaces de pensar, sobre todo a los teólogos de la liberación, que intentaban devolver a los pobres de América Latina la esperanza traicionada de los Evangelios. Recuerdo la mañana del proceso en Roma a un teólogo brasileño, el franciscano Leonardo Boff. Le esperé cuatro horas a la puerta del ex Santo Oficio. Salió cansado, pero seguro, digno. "Me ha condenado. No podré seguir escribiendo", dijo con tristeza y dolor. Me relató algunas escenas del proceso con Ratzinger. "Me dijo que estaba más guapo con el hábito de franciscano y yo le advertí de que quizás fuese verdad, pero que si en un autobús, en Brasil, fuera vestido así, todos me dejarían su asiento. Sería un hombre de poder y no un siervo de Jesús, pobre con los pobres", me contó.Silencioso y misterioso, impenetrable y siempre un duro suave pero inconmovible, convencido de su valer, Ratzinger quiso más: aspiró a las llaves de Pedro. Usó el Cónclave que debería elegir al sucesor del carismático y casi santificado en vida Juan Pablo II, para eliminar a todos los posibles candidatos menos conservadores que él. Se apoderó de las reuniones de los cardenales reunidos en Roma para la elección del nuevo papa. Les prohibió hablar con los medios de comunicación. Les convenció de que Europa se estaba hundiendo, víctima de su pecado de agnosticismo y rechazo a la Iglesia. Hacía falta un salvador. Se presentó como tal en el discurso del Cónclave. Creó una red mundial de apoyo a su candidatura. En secreto.Fue elegido. ¿Para qué? Creyó que era él quien llevaba razón al decir que el Concilio Vaticano II del profético y anciano Juan XXIII había sido una equivocación. Perdonó a los rebeldes contra las aperturas del Concilio, a los seguidores del excomulgado Lefevbre, a los que seguían diciendo misa contra la pared, de espaldas a los fieles, en latín. Se olvidó de restituir a los teólogos más abiertos la dignidad que él mismo les había quitado. Se equivocó. Aquel Concilio no murió. Sus semillas siguen vivas en los cinco continentes y ahora empiezan a brotar, con indignación, contra una Iglesia desorientada, donde, por primera vez en muchos siglos, se critica desde dentro o, peor aún, ya no se escucha la voz del Papa.Ratzinger se reía benévolamente de lo poco de teología que, según él, sabía el Papa polaco, que era su superior. En una cena a la que asistí en Roma, en casa de un periodista alemán, se permitió decir que él tenía que leer previamente los discursos del Papa para que no tuvieran errores teológicos. Han pasado muchos años desde aquella cena. Hoy, el papa Ratzinger, el sutil y duro teólogo, no necesita que nadie le lea sus discursos para corregírselos.Los cardenales que lo eligieron en el secreto del Cónclave, generalmente más pastores que teólogos, se dejaron encantar con la erudición académica del colega alemán. Pensaron que sus altos estudios teológicos y su firmeza doctrinal iban a ayudar a enderezar a la Iglesia rebelde, heredera del Concilio. Pero se olvidaron de que no siempre caminan parejas la teología y la diplomacia, la dureza dogmática y la capacidad de actuar políticamente y con flexibilidad frente a los problemas nuevos del mundo y los difíciles equilibrios internacionales.La teología de Benedicto XVI chocó en África con la evidencia de la política y de la cultura de aquellas gentes. Ha chocado en casi todas las manifestaciones en las que ha preferido anteponer su saber teológico, de cuño intransigente y tridentino, con las esperanzas de los que aún siguen pensando que la Iglesia Católica puede ser árbitro de paz, defensora de la diversidad de las culturas y esperanza de libertad.En verdad, no está consiguiendo ser recibido ni amado como lo fue el Papa que no sabía teología, que también era conservador, pero que no se avergonzaba de escribir poesías en sus ratos libres. Quizás en la soledad que lo agarrota en estos momentos Ratzinger se esté preguntando: "¿Para qué quise ser Papa?"
.Juan Arias es periodista y autor de La seducción de los ángeles. Un antídoto contra la soledad (Editorial Espasa).
¿Para qué quiso ser Papa?
JUAN ARIAS 15/04/2009
Conocí en Roma, hace ahora 50 años, al entonces simple teólogo progresista, Joseph Ratzinger, cuando era asesor del también progresista episcopado alemán. Era ya como hoy: delgado, de mirada esquiva y misteriosa, lo opuesto del otro teólogo también asesor de los obispos progresistas, el suizo Hans Küng, todo él alegría y vitalidad. Eran los tiempos del Concilio Vaticano II. Juan XXIII, que hablaba por teléfono con Kruschev en ruso para intentar evitar la guerra de los misiles de Cuba, lanzó un reto al mundo descreído y pidió que volviera a la Iglesia. Abrió las puertas a los episcopados más avanzados, gritó contra los "profetas de desventuras", se ganó a la inteligencia de la Iglesia de entonces. Se vislumbró la esperanza.
El teólogo Ratzinger conduce a la Iglesia por la senda de la intransigencia y la polémicaDuró poco. Un cardenal español que, como tal, formaba parte de uno de los episcopados más oscuros del mundo, dijo al clero, al volver a su diócesis: "Y ahora a esperar que las aguas vuelvan a su cauce". Volvieron en parte, por obra sobre todo de Ratzinger, que cambió de piel y llegó a escribir un libro contra aquel Concilio, que en su opinión había sido un "error". Fue premiado: le hicieron obispo, después cardenal y más tarde guardián de la ortodoxia como Prefecto de la Sagrada Congregación de la Fe, la heredera de la antigua Inquisición.Ratzinger usó mano de hierro contra la inteligencia progresista de la Iglesia, apoyado sólo en parte por el Papa polaco Wojtyla. Condenó a todos los teólogos capaces de pensar, sobre todo a los teólogos de la liberación, que intentaban devolver a los pobres de América Latina la esperanza traicionada de los Evangelios. Recuerdo la mañana del proceso en Roma a un teólogo brasileño, el franciscano Leonardo Boff. Le esperé cuatro horas a la puerta del ex Santo Oficio. Salió cansado, pero seguro, digno. "Me ha condenado. No podré seguir escribiendo", dijo con tristeza y dolor. Me relató algunas escenas del proceso con Ratzinger. "Me dijo que estaba más guapo con el hábito de franciscano y yo le advertí de que quizás fuese verdad, pero que si en un autobús, en Brasil, fuera vestido así, todos me dejarían su asiento. Sería un hombre de poder y no un siervo de Jesús, pobre con los pobres", me contó.Silencioso y misterioso, impenetrable y siempre un duro suave pero inconmovible, convencido de su valer, Ratzinger quiso más: aspiró a las llaves de Pedro. Usó el Cónclave que debería elegir al sucesor del carismático y casi santificado en vida Juan Pablo II, para eliminar a todos los posibles candidatos menos conservadores que él. Se apoderó de las reuniones de los cardenales reunidos en Roma para la elección del nuevo papa. Les prohibió hablar con los medios de comunicación. Les convenció de que Europa se estaba hundiendo, víctima de su pecado de agnosticismo y rechazo a la Iglesia. Hacía falta un salvador. Se presentó como tal en el discurso del Cónclave. Creó una red mundial de apoyo a su candidatura. En secreto.Fue elegido. ¿Para qué? Creyó que era él quien llevaba razón al decir que el Concilio Vaticano II del profético y anciano Juan XXIII había sido una equivocación. Perdonó a los rebeldes contra las aperturas del Concilio, a los seguidores del excomulgado Lefevbre, a los que seguían diciendo misa contra la pared, de espaldas a los fieles, en latín. Se olvidó de restituir a los teólogos más abiertos la dignidad que él mismo les había quitado. Se equivocó. Aquel Concilio no murió. Sus semillas siguen vivas en los cinco continentes y ahora empiezan a brotar, con indignación, contra una Iglesia desorientada, donde, por primera vez en muchos siglos, se critica desde dentro o, peor aún, ya no se escucha la voz del Papa.Ratzinger se reía benévolamente de lo poco de teología que, según él, sabía el Papa polaco, que era su superior. En una cena a la que asistí en Roma, en casa de un periodista alemán, se permitió decir que él tenía que leer previamente los discursos del Papa para que no tuvieran errores teológicos. Han pasado muchos años desde aquella cena. Hoy, el papa Ratzinger, el sutil y duro teólogo, no necesita que nadie le lea sus discursos para corregírselos.Los cardenales que lo eligieron en el secreto del Cónclave, generalmente más pastores que teólogos, se dejaron encantar con la erudición académica del colega alemán. Pensaron que sus altos estudios teológicos y su firmeza doctrinal iban a ayudar a enderezar a la Iglesia rebelde, heredera del Concilio. Pero se olvidaron de que no siempre caminan parejas la teología y la diplomacia, la dureza dogmática y la capacidad de actuar políticamente y con flexibilidad frente a los problemas nuevos del mundo y los difíciles equilibrios internacionales.La teología de Benedicto XVI chocó en África con la evidencia de la política y de la cultura de aquellas gentes. Ha chocado en casi todas las manifestaciones en las que ha preferido anteponer su saber teológico, de cuño intransigente y tridentino, con las esperanzas de los que aún siguen pensando que la Iglesia Católica puede ser árbitro de paz, defensora de la diversidad de las culturas y esperanza de libertad.En verdad, no está consiguiendo ser recibido ni amado como lo fue el Papa que no sabía teología, que también era conservador, pero que no se avergonzaba de escribir poesías en sus ratos libres. Quizás en la soledad que lo agarrota en estos momentos Ratzinger se esté preguntando: "¿Para qué quise ser Papa?"
.Juan Arias es periodista y autor de La seducción de los ángeles. Un antídoto contra la soledad (Editorial Espasa).
EVELYN KLIGERMAN, CERAMISTA E ESCULTORA
Latuf,
sempre tive certeza de que você era um bruxinho...que há anos misturava, num caldeirão, desejos, palavras, condimentos libaneses...e pedia para que um dia chegassem a Saquarema pessoas que se transformariam numa família escolhida, e, graças a seus desejos satisfeitos, pela poeta-irmã Roseana você também chegou na minha vida, numa cadeia que não tem fim.
Falar/escrever sobre Latuf é como acender luzes. Por onde passa você ilumina não só com tanto conhecimento que generosamente distribui, mas com a solaridade que emana de todos os seus poros.
E teu blog é o teu retrato...barulhento, lírico, e, como num folhetim, sempre se espera o que de melhor virá. Já te disse que a maravilhosa Roda de Leitura tem como "sobremesa" o que vem escrito depois por você.
Acho que todos temos que agradecer aos deuses essa criança-poeta que apareceu entre nós!
Lechaim!!!!!
Evelyn
ceramista e escultora
www.evelynkligerman.com
sempre tive certeza de que você era um bruxinho...que há anos misturava, num caldeirão, desejos, palavras, condimentos libaneses...e pedia para que um dia chegassem a Saquarema pessoas que se transformariam numa família escolhida, e, graças a seus desejos satisfeitos, pela poeta-irmã Roseana você também chegou na minha vida, numa cadeia que não tem fim.
Falar/escrever sobre Latuf é como acender luzes. Por onde passa você ilumina não só com tanto conhecimento que generosamente distribui, mas com a solaridade que emana de todos os seus poros.
E teu blog é o teu retrato...barulhento, lírico, e, como num folhetim, sempre se espera o que de melhor virá. Já te disse que a maravilhosa Roda de Leitura tem como "sobremesa" o que vem escrito depois por você.
Acho que todos temos que agradecer aos deuses essa criança-poeta que apareceu entre nós!
Lechaim!!!!!
Evelyn
ceramista e escultora
www.evelynkligerman.com
DE FERNANDO QUEIROZ, AMANTE DA ESCRITURA
Querido Amigo Latuf,
Eu sei toda a verdade!
E a verdade é que o seu blog sustenta a erudição que emana da sua alma.
É informativo, tem humor, é verdadeiramente alegre e espelha o perfil do
autor. A web ganhou o que era privilégio dos seus alunos em sala de aula
e dos amigos que te rodeiam.
Tenho feito visitas diárias e assim me sinto, inclusive, mais próximo de
Saquarema ( “onde o sol vai pegar uma praia”), porto que desejo fazer meu
ancoradouro. Como escreveu nossa poeta: para que o destino se cumpra..
Eu sei toda a verdade!
E a verdade é que o seu blog sustenta a erudição que emana da sua alma.
É informativo, tem humor, é verdadeiramente alegre e espelha o perfil do
autor. A web ganhou o que era privilégio dos seus alunos em sala de aula
e dos amigos que te rodeiam.
Tenho feito visitas diárias e assim me sinto, inclusive, mais próximo de
Saquarema ( “onde o sol vai pegar uma praia”), porto que desejo fazer meu
ancoradouro. Como escreveu nossa poeta: para que o destino se cumpra..
quarta-feira, 15 de abril de 2009
RITUAL PRAIANO SAQUAREMENSE
Neste glorioso verão, que acaba de acabar, dando lugar a um magnífico outono, inaugurei um hábito, que venho cultivando: a cada fim-de-semana, vou, às oito horas, buscar o Rafael para irmos à praia de Itaúna. Antes de sentarmo-nos a uma mesa, na areia, bem frente ao mar, revolto e azul-turquesa, travando conversações poético-filosóficas, visitamos meu querido amigo Marinho, proprietário da loja de antiqüidades, intitulada "Na puta velha". Ao chegar aos portões, anuncio-nos: "Chopin e Baudelaire!" Naquela belíssima casa, Rafael põe-se ao piano, tocando, entre outros, Débussy, Chopin, Beethoven, Albinoni... Enquanto o som do piano faz contraponto à música do mar, vou lendo, gostosamente, em voz alta, os poemas eroticíssimos do jornalista AG Marinho, que serão, em breve, publicados por uma editora portuguesa. Outro dia, gozávamos essa tertúlia marítima, quando, de repente, um beija-flor varou, como uma flecha colorida, os salões, indo mirar-se num espelho de cristal francês bisotê. Narciso tropical, a avezinha cantava, cantava, cantava para si mesma, conferindo à música clássica, à música da poesia e à música do mar uma beleza mais que sublime.
terça-feira, 14 de abril de 2009
CONTOS FILOSÓFICOS DO MUNDO INTEIRO, JEAN-CLAUDE CARRIÈRE
-"Mas o que você faz de manhã até a noite? Com que você se ocupa?
Nasreddin respondeu:
- Procuro a maneira de não morrer.
- E isso funciona?
- Por enquanto, sim".
(p. 186)
Nasreddin respondeu:
- Procuro a maneira de não morrer.
- E isso funciona?
- Por enquanto, sim".
(p. 186)
segunda-feira, 13 de abril de 2009
JUAN ARIAS, ÓRACULO, DESDE SAQUAREMA, DE LOS ÁNGELES
"El mundo tiene necesidad de ángeles"
JUAN CRUZ - Madrid - 13/04/2009
Juan Arias (Almería, 1932), periodista, ex sacerdote, autor de libros con José Saramago, Juan Luis Cebrián, Paulo Coelho o Fernando Savater, ha transitado en su obra por la felicidad, por la religión y ahora, de la mano de los ángeles, se refiere a la soledad. La soledad, dice, viene de que no sabemos de dónde venimos. Su libro La seducción de los ángeles presenta a los ángeles como "un antídoto contra la soledad". Desde Río de Janeiro, donde vive y escribe para EL PAÍS, Arias explica esa relación de los ángeles (y de los hombres) con la soledad.
"La soledad viene de no saber lo que somos ni por qué estamos aquí"
Pregunta. ¿Y cómo nos alivian los ángeles?
Respuesta. No son cristianos. Se remontan a las civilizaciones y religiones más antiguas. La Iglesia los tomó prestados. Son la mejor metáfora de la amistad, y en la vida sólo los amigos -que son los verdaderos ángeles- son capaces de aliviar la soledad existencial.
P. ¿De dónde viene la soledad?
R. De no saber ni lo que somos ni por qué estamos en este mundo y adónde vamos a parar. Son las preguntas que ya se hacían los hombres del Neolítico cuando empezaron a enterrar a sus muertos, asustados ante la muerte y el más allá. El hombre moderno añade a eso la codicia de poseer. El mejor antidepresivo sería la cercanía de un amigo.
P. Dice en su libro que la Iglesia habla poco de los ángeles. ¿Les tiene miedo?
R. La Iglesia siempre tuvo miedo a los ángeles. Hasta llegó a prohibir su culto. Porque ellos no dan miedo a los hombres, como Dios. Ellos no juzgan, lo perdonan todo. Sólo están ahí, a tu lado, llenando tus vacíos, aliviando tus zozobras.
P. El sexo de los ángeles: usted dice que sí habría que hablar del sexo de los ángeles. ¿En qué sentido?
R. En la Biblia los ángeles aparecen siempre como personas. En el judaísmo existen los ángeles femeninos. La Iglesia siempre tuvo y sigue teniendo miedo al sexo, que es un factor de libertad. Por eso les quitó el sexo a los ángeles, los castró.
P. ¿Y los ángeles caídos? Habla de que el bien vence al mal.
R. La humanidad ya habría dejado de existir hace mucho si, a pesar de todos los demonios y de todos los impulsos de violencia, el bien no acabase prevaleciendo sobre el mal. Todo en nuestro mundo es hoy mejor que hace cincuenta años, y dentro de cien será aún mejor. El mal es como la sangre, se ve enseguida. El bien es invisible.
P. Escribir un libro con ángeles parece una extravagancia.
R. El mundo sería más feliz si tuviera el coraje de ser un poco más extravagante... Mi libro es una extravagancia, una provocación. Si los ángeles son la mejor metáfora de alguien que no te juzga, es que el mundo tiene una necesidad extrema de ángeles.
JUAN CRUZ - Madrid - 13/04/2009
Juan Arias (Almería, 1932), periodista, ex sacerdote, autor de libros con José Saramago, Juan Luis Cebrián, Paulo Coelho o Fernando Savater, ha transitado en su obra por la felicidad, por la religión y ahora, de la mano de los ángeles, se refiere a la soledad. La soledad, dice, viene de que no sabemos de dónde venimos. Su libro La seducción de los ángeles presenta a los ángeles como "un antídoto contra la soledad". Desde Río de Janeiro, donde vive y escribe para EL PAÍS, Arias explica esa relación de los ángeles (y de los hombres) con la soledad.
"La soledad viene de no saber lo que somos ni por qué estamos aquí"
Pregunta. ¿Y cómo nos alivian los ángeles?
Respuesta. No son cristianos. Se remontan a las civilizaciones y religiones más antiguas. La Iglesia los tomó prestados. Son la mejor metáfora de la amistad, y en la vida sólo los amigos -que son los verdaderos ángeles- son capaces de aliviar la soledad existencial.
P. ¿De dónde viene la soledad?
R. De no saber ni lo que somos ni por qué estamos en este mundo y adónde vamos a parar. Son las preguntas que ya se hacían los hombres del Neolítico cuando empezaron a enterrar a sus muertos, asustados ante la muerte y el más allá. El hombre moderno añade a eso la codicia de poseer. El mejor antidepresivo sería la cercanía de un amigo.
P. Dice en su libro que la Iglesia habla poco de los ángeles. ¿Les tiene miedo?
R. La Iglesia siempre tuvo miedo a los ángeles. Hasta llegó a prohibir su culto. Porque ellos no dan miedo a los hombres, como Dios. Ellos no juzgan, lo perdonan todo. Sólo están ahí, a tu lado, llenando tus vacíos, aliviando tus zozobras.
P. El sexo de los ángeles: usted dice que sí habría que hablar del sexo de los ángeles. ¿En qué sentido?
R. En la Biblia los ángeles aparecen siempre como personas. En el judaísmo existen los ángeles femeninos. La Iglesia siempre tuvo y sigue teniendo miedo al sexo, que es un factor de libertad. Por eso les quitó el sexo a los ángeles, los castró.
P. ¿Y los ángeles caídos? Habla de que el bien vence al mal.
R. La humanidad ya habría dejado de existir hace mucho si, a pesar de todos los demonios y de todos los impulsos de violencia, el bien no acabase prevaleciendo sobre el mal. Todo en nuestro mundo es hoy mejor que hace cincuenta años, y dentro de cien será aún mejor. El mal es como la sangre, se ve enseguida. El bien es invisible.
P. Escribir un libro con ángeles parece una extravagancia.
R. El mundo sería más feliz si tuviera el coraje de ser un poco más extravagante... Mi libro es una extravagancia, una provocación. Si los ángeles son la mejor metáfora de alguien que no te juzga, es que el mundo tiene una necesidad extrema de ángeles.
MEU SÃO LONGUINHO
De há muito cultivo uma grande devoção a São Longuinho que, segundo a tradição, é o protetor das coisas perdidas. Assim, a cada vez que eu perdia algo, rezava: "São Longuinho, São Longuinho, se eu achar dou três pulinhos!" Com efeito, eu sempre cumpria a promessa, acrescentando três gritinhos de "Viva São Longuinho!". Contando em sala de aula sobre essa minha idiossincrasia, ouvi de uma aluna que São Longuinho existia e que era um frade franciscano; para provar o fato, deu-me uma imagem do santo protetor que, desde então, faz parte de meu altar particular, onde figuram um belíssimo Crucifixo barroco, Buda, La Pietà, Iemanjá e Santa Terezinha. Quando recupero algo perdido, lá vou eu pular e cantar face a meu santo, que já considero minha memória. Recentemente, perdi um "pen drive" que, além de caríssimo, porque tem 16 gb, contém meus cursos. Rezei a São Longuinho, prometi-lhe meus gritos e pulos, mas nada de o aparelhinho aparecer. Ia ficando decepcionado, quando verifiquei que, no meu altar, houvera sumido a minha imagem milagrosa. Rezei, então, duplamente a São Longuinho: para que ele reaparecesse e me trouxesse o importante aparelho. Num passe de milagre, achei a imagem e, fuxicando minha mochila com 1001 repartições, encontrei o tal "pen drive", que virou ex-voto de minha infantil devoção.
sábado, 11 de abril de 2009
SUBLIME SONETO DE BOCAGE!
Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co'o sacrílego gigante;
Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.
Ludíbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.
Modelo meu tu és, mas... oh, tristeza!...
Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.
Bocage, in 'Rimas'
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co'o sacrílego gigante;
Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.
Ludíbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.
Modelo meu tu és, mas... oh, tristeza!...
Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.
Bocage, in 'Rimas'
MAMMA MIA! MAMMA MIA! MAMMA MIA!
O filme Mamma mia, de Phyllida Lloyd, termina com uma cena, em que todos os atores estão tomando banho na Fonte de Adrodite; assistindo a esse musical, senti-me, durante mais de uma hora e meia, mergulhado na fonte da plena alegria. Tudo, no filme, é amor, alegria, beleza: a paisagem da belíssima ilha grega, as canções que conheço há décadas, o enredo, a atuação de todos os atores, não só os reconhecidíssimos, como até os anônimos das ruelas gregas. Já de há algum tempo tenho o cd com as músicas do filme, que dancei muito, em Belo Horizonte, com minha sobrinha de 4 anos, justamente chamada Sofia, que também é loura, e que, a partir de meu bailado desingonçado, inventa coreografias muito próprias e sedutoras. Ver, finalmente, o filme me levou às cenas de minha dança com a Sofia mineira. Lembrei-me, ainda, do primeiro musical a que assisti, " West side story" (no Brasil, "Amor, sublime amor", um título piegas e, decididamente, clichê); foi em Belo Horizonte. Eu tinha, então, quinze anos e me apaixonei por musicais. Compro todos os dvd's de musicais e, muitas vezes, uso-os, com grande resultado, em minha sala de aula. A cada vez a que vejo um novo musical, acho que é o melhor a que já assisti; considerando "West side story" hors concours, acho "Mamma mia"o meu melhor musical. Até agora...
quinta-feira, 9 de abril de 2009
HISTÓRIA ALTERNATIVA DO MUNDO
O mundo conforme Casciari
Hernán Casciari
Li uma vez que a Argentina não é nem melhor, nem pior que a Espanha, só que mais jovem. Gostei dessa teoria e aí inventei um truque para descobrir a idade dos países baseando-me no 'sistema cão'.
Desde meninos nos explicam que para saber se um cão é jovem ou velho, deveríamos multiplicar a sua idade biológica por 7. No caso de países temos que dividir a sua idade histórica por 14 para conhecer a sua correspondência humana. Confuso? Neste artigo exponho alguns exemplares reveladores.
Argentina nasceu em 1816, assim sendo, já tem 190 anos. Se dividimos estes anos por 14, a Argentina tem 'humanamente' cerca de 13 anos e meio, ou seja, está na pré-adolescência. É rebelde, se masturba, não tem memória, responde sem pensar e está cheia de acne.
Quase todos os países da América Latina têm a mesma idade, e como acontece nesses casos, eles formam gangues. A gangue do Mercosul é formada por quatro adolescentes que tem um conjunto de rock. Ensaiam em uma garagem, fazem muito barulho, e jamais gravaram um disco.
A Venezuela , que já tem peitinhos, está querendo unir-se a eles para fazer o coro . Em realidade, como a maioria das mocinhas da sua idade, quer é sexo, neste caso com Brasil que tem 14 anos e um membro grande.
O México também é adolescente, mas com ascendente indígena. Por isso, ri pouco e não fuma nem um inofensivo baseado, como o resto dos seus amiguinhos. Mastiga coca, e se junta com os Estados Unidos, um retardado mental de 17 anos, que se dedica a atacar os meninos famintos de 6 anos em outros continentes.
No outro extremo, está a China milenária. Se dividirmos os seus 1.200 anos por 14 obtemos uma senhora de 85, conservadora, com cheiro a xixi de gato, que passa o dia comendo arroz porque não tem - ainda - dinheiro para comprar uma dentadura postiça. A China :country-region tem um neto de 8 anos, :country-regionTaiwan , que lhe faz a vida impossível. Está divorciada faz tempo de Japão, um velho chato, que se juntou às Filipinas, uma jovem pirada, que sempre está disposta a qualquer aberração em troca de grana.
Depois, estão os países que são maiores de idade e saem com o BMW do pai. Por exemplo, Austrália e Canadá. Típicos países que cresceram ao amparo de papai Inglaterra e mamãe França, tiveram uma educação restrita e antiquada e agora se fingem de loucos. A Austrália é uma babaca de pouco mais de 18 anos, que faz topless e sexo com a África do Sul. O Canadá é um mocinho gay emancipado, que a qualquer momento pode adotar o bebê Groenlândia para formar uma dessas famílias alternativas que estão de moda.
A França é uma separada de 36 anos, mais puta que uma galinha, mas muito respeitada no âmbito profissional. Tem um filho de apenas 6 anos: Mônaco, que vai acabar virando puto ou bailarino... ou ambas coisas. É a amante esporádica da Alemanha, um caminhoneiro rico que está casado com Áustria, que sabe que é chifruda, mas que não se importa.
A Itália é viúva faz muito tempo. Vive cuidando de São Marino e do Vaticano, dois filhos católicos gêmeos idênticos.
Esteve casada em segundas núpcias com Alemanha (por pouco tempo e tiveram a Suíça), mas agora não quer saber mais de homens. A Itália gostaria de ser uma mulher como a Bélgica: advogada, executiva independente, que usa calças e fala de política de igual para igual com os homens (A Bélgica também fantasia de vez em quando que sabe preparar espaguete).
A Espanha é a mulher mais linda de Europa (possivelmente a França se iguale a ela, mas perde espontaneidade por usar tanto perfume). É muito tetuda e quase sempre está bêbada. Geralmente se deixa foder pela Inglaterra e depois a denuncia. A Espanha tem filhos por todas as partes (quase todos de 13 anos), que moram longe. Gosta muito deles, mas a perturbam quando têm fome, passam uma temporada na sua casa e assaltam sua geladeira.
Outro que tem filhos espalhados no mundo é a Inglaterra. Sai de barco de noite, transa com alguns babacas e nove meses depois, aparece uma nova ilha em alguma parte do mundo. Mas não fica de mal com ela. Em geral, as ilhas vivem com a mãe, mas a Inglaterra as alimenta. A Escócia e a Irlanda, os irmãos de Inglaterra que moram no andar de cima, passam a vida inteira bêbados e nem sequer sabem jogar futebol. São a vergonha da família.
A Suécia e a Noruega são duas lésbicas de quase 40 anos, que estão bem de corpo, apesar da idade, mas não ligam para ninguém. Transam e trabalham, pois são formadas em alguma coisa. Às vezes, fazem trio com a Holanda (quando necessitam maconha, haxixe e heroína); outras vezes cutucam a Finlândia, que é um cara meio andrógino de 30 anos, que vive só em um apartamento sem mobília e passa o tempo falando pelo celular com Coréia.
A Coréia (a do sul) vive de olho na sua irmã esquizóide. São gêmeas, mas a do Norte tomou líquido amniótico quando saiu do útero e ficou estúpida. Passou a infância usando pistolas e agora, que vive só, é capaz de qualquer coisa. Estados Unidos, o retardadinho de 17 anos, a vigia muito, não por medo, mas porque quer pegar as suas pistolas.
Irã e Iraque eram dois primos de 16 que roubavam motos e vendiam as peças, até que um dia roubaram uma peça da motoca dos Estados Unidos e acabou o negocio para eles. Agora estão comendo lixo.
O mundo estava bem assim até que, um dia, a Rússia se juntou (sem casar) com a Perestroika e tiveram uma dúzia e meia de filhos. Todos esquisitos, alguns mongolóides, outros esquizofrênicos.
Faz uma semana, e por causa de um conflito com tiros e mortos, os habitantes sérios do mundo, descobrimos que tem um país que se chama Kabardino-Balkaria. É um país com bandeira, presidente, hino, flora, fauna... e até gente! Eu fico com medo quando aparecem países de pouca idade, assim de repente. Que saibamos deles por ter ouvido falar e ainda temos que fingir que sabíamos, para não passar por ignorantes.
Mas aí, eu pergunto: por que continuam nascendo países, se os que já existem ainda não funcionam?
NOTA SOBRE O AUTOR:
Hernán Casciari nasceu em Mercedes ( Buenos Aires ), a 16 de março de 1971.
Escritor e jornalista argentino. É conhecido por seu trabalho ficcional na Internet, onde tem trabalhado na união entre literatura e blog, destacado na blognovela. Sua obra mais conhecida na rede, 'Weblog de una mujer gorda', foi editada em papel,com o título: 'Más respeto, que soy tu madre'.
Hernán Casciari
Li uma vez que a Argentina não é nem melhor, nem pior que a Espanha, só que mais jovem. Gostei dessa teoria e aí inventei um truque para descobrir a idade dos países baseando-me no 'sistema cão'.
Desde meninos nos explicam que para saber se um cão é jovem ou velho, deveríamos multiplicar a sua idade biológica por 7. No caso de países temos que dividir a sua idade histórica por 14 para conhecer a sua correspondência humana. Confuso? Neste artigo exponho alguns exemplares reveladores.
Argentina nasceu em 1816, assim sendo, já tem 190 anos. Se dividimos estes anos por 14, a Argentina tem 'humanamente' cerca de 13 anos e meio, ou seja, está na pré-adolescência. É rebelde, se masturba, não tem memória, responde sem pensar e está cheia de acne.
Quase todos os países da América Latina têm a mesma idade, e como acontece nesses casos, eles formam gangues. A gangue do Mercosul é formada por quatro adolescentes que tem um conjunto de rock. Ensaiam em uma garagem, fazem muito barulho, e jamais gravaram um disco.
A Venezuela , que já tem peitinhos, está querendo unir-se a eles para fazer o coro . Em realidade, como a maioria das mocinhas da sua idade, quer é sexo, neste caso com Brasil que tem 14 anos e um membro grande.
O México também é adolescente, mas com ascendente indígena. Por isso, ri pouco e não fuma nem um inofensivo baseado, como o resto dos seus amiguinhos. Mastiga coca, e se junta com os Estados Unidos, um retardado mental de 17 anos, que se dedica a atacar os meninos famintos de 6 anos em outros continentes.
No outro extremo, está a China milenária. Se dividirmos os seus 1.200 anos por 14 obtemos uma senhora de 85, conservadora, com cheiro a xixi de gato, que passa o dia comendo arroz porque não tem - ainda - dinheiro para comprar uma dentadura postiça. A China :country-region tem um neto de 8 anos, :country-regionTaiwan , que lhe faz a vida impossível. Está divorciada faz tempo de Japão, um velho chato, que se juntou às Filipinas, uma jovem pirada, que sempre está disposta a qualquer aberração em troca de grana.
Depois, estão os países que são maiores de idade e saem com o BMW do pai. Por exemplo, Austrália e Canadá. Típicos países que cresceram ao amparo de papai Inglaterra e mamãe França, tiveram uma educação restrita e antiquada e agora se fingem de loucos. A Austrália é uma babaca de pouco mais de 18 anos, que faz topless e sexo com a África do Sul. O Canadá é um mocinho gay emancipado, que a qualquer momento pode adotar o bebê Groenlândia para formar uma dessas famílias alternativas que estão de moda.
A França é uma separada de 36 anos, mais puta que uma galinha, mas muito respeitada no âmbito profissional. Tem um filho de apenas 6 anos: Mônaco, que vai acabar virando puto ou bailarino... ou ambas coisas. É a amante esporádica da Alemanha, um caminhoneiro rico que está casado com Áustria, que sabe que é chifruda, mas que não se importa.
A Itália é viúva faz muito tempo. Vive cuidando de São Marino e do Vaticano, dois filhos católicos gêmeos idênticos.
Esteve casada em segundas núpcias com Alemanha (por pouco tempo e tiveram a Suíça), mas agora não quer saber mais de homens. A Itália gostaria de ser uma mulher como a Bélgica: advogada, executiva independente, que usa calças e fala de política de igual para igual com os homens (A Bélgica também fantasia de vez em quando que sabe preparar espaguete).
A Espanha é a mulher mais linda de Europa (possivelmente a França se iguale a ela, mas perde espontaneidade por usar tanto perfume). É muito tetuda e quase sempre está bêbada. Geralmente se deixa foder pela Inglaterra e depois a denuncia. A Espanha tem filhos por todas as partes (quase todos de 13 anos), que moram longe. Gosta muito deles, mas a perturbam quando têm fome, passam uma temporada na sua casa e assaltam sua geladeira.
Outro que tem filhos espalhados no mundo é a Inglaterra. Sai de barco de noite, transa com alguns babacas e nove meses depois, aparece uma nova ilha em alguma parte do mundo. Mas não fica de mal com ela. Em geral, as ilhas vivem com a mãe, mas a Inglaterra as alimenta. A Escócia e a Irlanda, os irmãos de Inglaterra que moram no andar de cima, passam a vida inteira bêbados e nem sequer sabem jogar futebol. São a vergonha da família.
A Suécia e a Noruega são duas lésbicas de quase 40 anos, que estão bem de corpo, apesar da idade, mas não ligam para ninguém. Transam e trabalham, pois são formadas em alguma coisa. Às vezes, fazem trio com a Holanda (quando necessitam maconha, haxixe e heroína); outras vezes cutucam a Finlândia, que é um cara meio andrógino de 30 anos, que vive só em um apartamento sem mobília e passa o tempo falando pelo celular com Coréia.
A Coréia (a do sul) vive de olho na sua irmã esquizóide. São gêmeas, mas a do Norte tomou líquido amniótico quando saiu do útero e ficou estúpida. Passou a infância usando pistolas e agora, que vive só, é capaz de qualquer coisa. Estados Unidos, o retardadinho de 17 anos, a vigia muito, não por medo, mas porque quer pegar as suas pistolas.
Irã e Iraque eram dois primos de 16 que roubavam motos e vendiam as peças, até que um dia roubaram uma peça da motoca dos Estados Unidos e acabou o negocio para eles. Agora estão comendo lixo.
O mundo estava bem assim até que, um dia, a Rússia se juntou (sem casar) com a Perestroika e tiveram uma dúzia e meia de filhos. Todos esquisitos, alguns mongolóides, outros esquizofrênicos.
Faz uma semana, e por causa de um conflito com tiros e mortos, os habitantes sérios do mundo, descobrimos que tem um país que se chama Kabardino-Balkaria. É um país com bandeira, presidente, hino, flora, fauna... e até gente! Eu fico com medo quando aparecem países de pouca idade, assim de repente. Que saibamos deles por ter ouvido falar e ainda temos que fingir que sabíamos, para não passar por ignorantes.
Mas aí, eu pergunto: por que continuam nascendo países, se os que já existem ainda não funcionam?
NOTA SOBRE O AUTOR:
Hernán Casciari nasceu em Mercedes ( Buenos Aires ), a 16 de março de 1971.
Escritor e jornalista argentino. É conhecido por seu trabalho ficcional na Internet, onde tem trabalhado na união entre literatura e blog, destacado na blognovela. Sua obra mais conhecida na rede, 'Weblog de una mujer gorda', foi editada em papel,com o título: 'Más respeto, que soy tu madre'.
OMMAR KAYYAM (1048-1131)
Rubayat 23-49
Ommar Kayyam
Ah, é tudo um tabuleiro de noites e dias
Os homens são peças e o fardo temerário
Com elas joga e move e toma e dá o mate
E uma a uma as recolhe, e vai guardar no armário.
No céu, a mão esquerda da alvorada
Eu sonho. Na taverna uma voz escuto na algazarra: 'Despertai meus pequenos, e enchei bem o copo antes que seque o vinho da vida em sua jarra'
Façamos o que é mais do que há por fazer antes também que nós ao pó vamos enfim
Pó vai para o pó, sobre o pó vai jazer, sem vinho, sem canções e sem cantor. Sem fim.
Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto morre!
Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te, pois, de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada.
Ommar Kayyam
Ah, é tudo um tabuleiro de noites e dias
Os homens são peças e o fardo temerário
Com elas joga e move e toma e dá o mate
E uma a uma as recolhe, e vai guardar no armário.
No céu, a mão esquerda da alvorada
Eu sonho. Na taverna uma voz escuto na algazarra: 'Despertai meus pequenos, e enchei bem o copo antes que seque o vinho da vida em sua jarra'
Façamos o que é mais do que há por fazer antes também que nós ao pó vamos enfim
Pó vai para o pó, sobre o pó vai jazer, sem vinho, sem canções e sem cantor. Sem fim.
Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto morre!
Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te, pois, de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada.
FREUD FALA
Entrevista (1926) com Freud, já fatigado pelo câncer,em seus 70 anos. (Falece em 1939.)
Entre as preciosidades encontradas na biblioteca da Sociedade Sigmund Freud estava essa entrevista. Foi concedida ao jornalista americano George Sylvester Viereck, em 1926. Deve ter sido publicada na imprensa americana da época. Acreditava-se que estivesse perdida quando o Boletim da Sigmund Freud Haus publicou uma versão condensada, em 1970.Na verdade, o texto integral havia sido publicado no volume Psychoanalysis and the Future, número especial do "Journal of Psychology" de Nova Iorque, em 1957. É esse texto que aqui reproduzimos provavelmente pela primeira vez em português.
O VALOR DA VIDA*
Tradução de Paulo Cesar Souza
"Setenta anos ensinaram-me a aceitar a vida com serena humildade."
Quem fala é o professor Sigmund Freud, o grande explorador da alma. O cenário da nossa conversa foi uma casa de verão no Semmering, uma montanha nos Alpes austríacos.Eu havia visto o pai da psicanálise pela última vez em sua casa modesta na capital austríaca. Os poucos anos entre minha última visita e a atual multiplicaram as rugas na sua fronte. Intensificaram a sua palidez de sábio. Sua face estava tensa, como se sentisse dor. Sua mente estava alerta, seu espírito firme, sua cortesia impecável como sempre, mas um ligeiro impedimento da fala me perturbou.Parece que um tumor maligno no maxilar superior necessitou ser operado. Desde então Freud usa uma prótese, para ele uma causa de constante irritação.
- Detesto o meu maxilar mecânico, porque a luta com o aparelho me consome tanta energia preciosa. Mas prefiro ele a maxilar nenhum. Ainda prefiro a existência à extinção.Talvez os deuses sejam gentis conosco, tornando a vida mais desagradável à medida que envelhecemos. Por fim, a morte nos parece menos intolerável do que os fardos que carregamos.
( Freud se recusa a admitir que o destino lhe reserva algo especial.) - Por que - disse calmamente - deveria eu esperar um tratamento especial? A velhice, com suas agruras chega para todos. Eu não me rebelo contra a ordem universal. Afinal, mais de setenta anos. Tive o bastante para comer. Apreciei muitas coisas, a companhia de minha mulher, meus filhos, o pôr do sol. Observei as plantas crescerem na primavera. De vez em quando tive uma mão amiga para apertar. Vez ou outra encontrei um ser humano que quaseme compreendeu. Que mais posso querer? - O senhor teve a fama, dissem que sua obra influi na literatura de cada país. O homem olha a vida e a si mesmo com outros olhos, porcausa do senhor. E recentemente, no seu septuagésimo aniversário, o mundo se uniu para homenageá-lo - com exceção da sua própriaUniversidade.
- Se a Universidade de Viena me demonstrasse reconhecimento, eu ficaria embaraçado. Não há razão em aceitar a mim e a minha obra,porque tenho setenta anos. Eu não atribuo importância insensata aos decimais. A fama chega apenas quando morremos, e francamente, o que vem depois não me interessa. Não aspiro à glória póstuma. Minha modéstia não é virtude. - Não significa nada o fato de que o seu nome vai viver?
- Absolutamente nada, mesmo que ele viva, o que não é certo. Estou bem mais preocupado com o destino de meus filhos. Espero que suas vidas não venham a ser difíceis. Não posso ajudá-los muito. A guerra praticamente liquidou com minhas posses, o que havia poupado durante a vida. Mas posso me dar por satisfeito. O trabalho é minha fortuna.
( Estávamos subindo e descendo uma pequena trilha no jardim da casa.Freud acariciou ternamente um arbusto que florescia.)
- Estou muito mais interessado neste botão do que no que possa me acontecer depois que estiver morto.
- Então o senhor é, afinal, um profundo pessimista?
- Não, não sou. Não permito que nenhuma reflexão filosófica estrague a minha fruição das coisas simples da vida.
- O senhor acredita na persistência da personalidade após a morte, de alguma forma que seja?
- Não penso nisso. Tudo o que vive perece. Por que deveria o homem construir uma exceção? - Gostaria de retornar em alguma forma, de ser resgatado do pó? O senhor não tem, em outras palavras, desejo de imortalidade?
- Sinceramente, não. Se a gente reconhece os motivos egoístas por trás de conduta humana, não tem o mínimo desejo de voltar à vida,movendo-se num círculo, seria ainda a mesma. Além disso, mesmo se o eterno retorno das coisas, para usar a expressão de Nietzsche, nos dotasse novamente do nosso invólucro carnal, para que serviria, sem memória? Não haveria elo entre passado e futuro. Pelo que me toca estou perfeitamente satisfeito em saber que o eterno aborrecimento de viver finalmente passará. Nossa vida é necessariamente uma série de compromis -sos, uma luta interminável entre o ego e seu ambiente. O desejo de prolongar a vida excessivamente me parece absurdo.
- Bernard Shaw sustenta que vivemos muito pouco, disse eu. Ele acha que o homem pode prolongar a vida se assim desejar, levando suavontade a atuar sobre as forças da evolução. Ele crê que a humanidade pode reaver a longevidade dos patriarcas.
- É possível, respondeu Freud, que a morte em si não seja uma necessidade biológica. Talvez morramos porque desejamos morrer. Assim como amor e ódio por uma pessoa habitam em nosso peito ao mesmo tempo,assim também toda a vida conjuga o desejo de manter-se e o desejo da própria destruição. Do mesmo modo que um pequeno elástico esticado tende a assumir a forma original, assim também toda a matéria viva, consciente ou inconscientemente, busca readquirir a completa, a absoluta inércia da existência inorgânica. O impulso de vida e oimpulso de morte habitam lado a lado dentro de nós. A morte é a companheira do amor. Juntos eles regem o mundo. Isto é o que diz o meu livro, Além do princípio do prazer. No começo, a psicanálise supôs que o Amor tinha toda a importância. Agora sabemos que a morte é igualmente importante. Biologicamente, todo ser vivo, não importa quãointensamente a vida queime dentro dele, anseia pelo Nirvana, pela cessação da "febre chamada viver", anseia pelo seio de Abraão. O desejo pode ser encoberto por digressões. Não obstante, o objetivo derradeiro da vida é a sua própria extinção.
- Isto, exclamei, é a filosofia da autodestruição. Ela justifica o auto-extermínio. Levaria logicamente ao suicídio universal imaginado por Eduard von Hartmann.
- A humanidade não escolhe o suicídio porque a lei do seu ser desaprova a via direta para o seu fim. A vida tem que completar o seu ciclo de existência. Em todo ser normal, a pulsão de vida é forte o bastante para contrabalançar a pulsão de morte, embora no final resulte mais forte. Podemos entreter a fantasia de que a morte nos vempor nossa própria vontade. Seria mais possível que pudéssemos vencer a morte, não fosse por seu aliado dentro de nós. Neste sentido, acrescentou Freud com um sorriso, pode ser justificado dizer que toda morte é suicídio disfarçado.
(Estava ficando frio no jardim. Prosseguimos a conversa no gabinete. Vi uma pilha de manuscritos sobre a mesa, com a caligrafia clara de Freud.)
- Em que o senhor está trabalhando?
- Estou escrevendo uma defesa da análise leiga, da psicanálise praticada por leigos. Os doutores querem tornar a análise ilegal para os não-médicos. A História, essa velha plagiadora, repete-se após cada descoberta. Os doutores combatem cada nova verdade no começo. Depois procuram monopolizá-la.
- O senhor teve muito apoio dos leigos?
- Alguns dos meus melhores discípulos são leigos.
- O senhor está praticando muito psicanálise?
- Certamente. Neste momento, estou trabalhando num caso muito difícil,tentando desatar os conflitos psíquicos de um interessante novo paciente. Minha filha também é psicanalista, como você vê...
( Nesse ponto apareceu Miss Anna Freud, acompanhada por seu paciente, um garoto de onze anos, de feições inconfundivelmente anglo-saxônicas.)
- O senhor já analisou a si mesmo?
- Certamente. O psicanalista deve constantemente analisar a si mesmo.Analisando a nós mesmos, ficamos mais capacitados a analisar os outros. O psicanalista é como o bode expiatório dos hebreus. Os outros descarregam seus pecados sobre ele. Ele deve praticar sua arte à perfeição para desvencilhar-se do fardo jogado sobre ele.
- Minha impressão, observei, é de que a psicanálise desperta em todos que a praticam o espírito da caridade cristã. Nada existe na vida humana que a psicanálise não possa nos fazer compreender. "Tout comprendre c'est tout pardonner".
- Pelo contrário, esbravejou Freud, suas feições assumindo a severidade de um profeta hebreu. Compreender tudo não é perdoar tudo.A análise nos ensina não apenas o que podemos suportar, mas também o que podemos evitar. Ela nos diz o que deve ser eliminado. A tolerância com o mal não é, de maneira alguma, um corolário do conhecimento.
( Compreendi subitamente porque Freud havia litigado com os seguidores que o haviam abandonado, por que ele não perdoava sua dissensão do caminho reto da ortodoxia psicanalítica. Seu senso do que é direito é herança dos seus ancestrais. Uma herança de que ele se orgulha como se orgulha de sua raça.)
- Minha língua, ele me explicou, é o alemão. Minha cultura, minha realização, é alemã. Eu me considero um intelectual alemão, até perceber o crescimento do preconceito anti-semita na Alemanha e na Áustria. Desde então prefiro me considerar judeu.
( Fiquei algo desapontado com esta observação. Parecia-me que o espírito de Freud deveria habitar nas alturas, além de qualquer preconceito de raças, que ele deveria ser imune a qualquer rancor pessoal. No entanto, precisamente, a sua indignação, a sua honesta ira, tornava-o mais atraente como ser humano. Aquiles seria intolerável, não fosse por seu calcanhar! )
- Fico contente, Herr Professor, de que também o senhor tenha seus complexos, de que também o senhor demonstre que é um mortal!
- Nossos complexos, replicou Freud, são a fonte de nossa fraqueza; mas com freqüência são também a fonte de nossa força.
- Imagino, observei, quais seriam os meus complexos!
- Uma análise séria, respondeu Freud, dura ao menos um ano. Pode durar mesmo dois ou três anos. Você está dedicando muitos anos de sua vida à "caça aos leões".
- Você procurou sempre as pessoas de destaque para a sua geração: Roosevelt, o Imperador, Hindenburg, Briand, Foch, Joffre, GeorgeBernard Shaw...
- É parte do meu trabalho.
- Mas é também sua preferência. O grande homem é um símbolo. A sua busca é a busca do seu coração. Você está procurando o grande homem para tomar o lugar do seu pai. É parte do seu "complexo do pai"..
( Neguei veementemente a afirmação de Freud. No entanto, refletindo sobre isso, parece-me que pode haver uma verdade, inda não suspeitada por mim, em sua sugestão casual. Pode ser o mesmo impulso que me levou a ele.)
- Gostaria, observei após um momento, de poder ficar aqui o bastante para vislumbrar o meu coração através do seus olhos. Talvez, como a Medusa, eu morresse de pavor a ver minha própria imagem! Entretanto, receio ser muito informando sobre a psicanálise. Eu freqüentemente anteciparia, ou tentaria antecipar suas intenções.
- A inteligência num paciente, replicou Freud, não é um empecilho.Pelo contrário, às vezes facilita o trabalho.
( Neste ponto, o mestre da psicanálise diverge de muitos dos seus seguidores, que não gostam de excessiva segurança do paciente sob o seu escrutínio.)
- Às vezes imagino, questionei, se não seríamos mais felizes se soubéssemos menos dos processos que dão forma a nossos pensamentos eemoções.. A psicanálise rouba a vida do seu último encanto, ao relacionar cada sentimento ao seu original grupo de complexos. Não nostornamos mais alegres descobrindo que nós todos abrigamos, o criminoso e o animal.
- Que objeção pode haver contra os animais? replicou Freud. Eu prefiro a companhia dos animais à companhia humana.
- Por quê?
- Porque são tão mais simples. Não sofrem de uma personalidade dividida, da desintegração do ego, que resulta da tentativa do homem de adaptar-se a padrões de civilização demasiado elevados para o seu mecanismo intelectual e psíquico. O selvagem, como o animal, é cruel,mas não tem a maldade do homem civilizado. A maldade é a vingança do homem contra a sociedade, pelas restrições que ela impõe. As mais desagradáveis características do homem são geradas por esse ajustamento precário a uma civilização complicada. É o resultado do conflito entre nossos instintos e nossa cultura. Muito mais desagradáveis são as emoções simples e diretas de um cão, ao balançara cauda, ou ao latir expressando seu desprazer. As emoções do cão, acrescentou Freud pensativamente, lembram-nos os heróis da Antiguidade. Talvez seja essa a razão porque inconscientemente damos aos nossos cães nomes de heróis antigos, como Aquiles e Heitor.
- Meu cachorro, disse eu, é um dobermann Pinscher, chamado Ajax.
( Freud sorriu.)
- Fico contente de que não possa ler. Ele, certamente, seria um membro menos querido da casa, se pudesse latir sua opinião sobre os traumas psíquicos e o complexo de Édipo!
- Mesmo o senhor, Professor, sonha a existência complexa demais. No entanto, parece-me que o senhor seja, em parte, responsável pelas complexidades da civilização moderna. Antes que o senhor inventasse a psicanálise não sabíamos que nossa personalidade é dominada por uma hoste beligerante de complexos muito questionáveis. A psicanálise torna a vida um quebra-cabeças complicado.
- De maneira alguma, respondeu Freud. A psicanálise torna a vida mais simples. Adquirimos uma nova síntese depois da análise. A psicanálise reordena um emaranhado de impulsos dispersos, procura enrolá-los emtorno do seu carretel. Ou, modificando a metáfora, ela fornece o fio que conduz a pessoa fora do labirinto do seu inconsciente.
- Ao menos na superfície, porém, a vida humana nunca foi mais complexa. E a cada dia alguma nova idéia proposta pelo senhor ou por seus discípulos torna o problema da condução humana mais intrigante e mais contraditório.
- A psicanálise, pelo menos, jamais fecha a porta a uma nova verdade.
- Alguns dos seus discípulos, mais ortodoxos do que o senhor, apegando-se a cada pronunciamento que sai da sua boca.
- A vida muda. A psicanálise também muda, observou Freud. Estava apenas no começo de uma nova ciência.
- A estrutura científica que o senhor ergueu me parece ser muito elaborada. Seus fundamentos - a teoria do "deslocamento", da "sexualidade infantil", do "simbolismo dos sonhos", etc. - parecem permanentes.
- Eu repito, porém, que nós estamos apenas no início. Eu sou apenas um iniciador. Consegui desencavar monumentos soterrados nos substratos da mente. Mas ali onde eu descobri alguns templos, outros poderãodescobrir continentes.
- O senhor ainda coloca a ênfase sobretudo no sexo?
- Respondo com as palavras do seu próprio poeta, Walt Whitman: "Mas tudo faltaria, se faltasse o sexo" ("Yet all were lacking, if sex were lacking"). Entretanto, já lhe expliquei que agora coloco ênfase quase igual naquilo que está "além" do prazer - a morte, a negociação da vida. Este desejo explica porque alguns homens amam a dor - como umpasso para o aniquilamento! Explica porque os poetas agradecem a"Whatever gods there be, /That no life lives forever /And even the weariest river /Winds somewhere safe to sea". ("Quaisquer deuses que existam / Que a vida nenhuma viva para sempre / Que os mortos jamais se levantem / E também o rio mais cansado / Deságue tranqüilo no mar")
- Shaw, como o senhor, não deseja viver para sempre, comentei, mas à diferença do senhor, ele considera o sexo desinteressante.
- Shaw, respondeu Freud sorrindo, não compreende o sexo. Ele não tem a mais remota concepção do amor. Não há um verdadeiro caso amoroso em nenhuma de suas peças. Ele faz brincadeira do amor de Júlio César - talvez a maior paixão da história. Deliberadamente, talvez maliciosamente, ele despe Cleópatra de toda grandeza, reduzindo-a a uma insignificante garota. A razão para a estranha atitude de Shaw diante do amor, para a sua negação do móvel de todas as coisas humanas, que tirou de suas peças o apelo universal, apesar do seuenorme alcance intelectual, é inerente à sua psicologia. Em um de seus prefácios, ele mesmo enfatiza o traço ascético do seu temperamento. Eu posso ter errado em muitas coisas, mas estou certo de que não errei aoenfatizar a importância do instinto sexual. Por ser tão forte, ele se choca sempre com as convenções e salvaguardas da civilização. A humanidade, em um espécie de autodefesa, procura negar sua importância. Se você arranhar um russo, diz o provérbio, aparece o tártaro sob a pele. Analise qualquer emoção humana, não importa quãodistante esteja da esfera da sexualidade, e você certamente encontrará esse impulso primordial, ao qual a própria vida deve a perpetuação.
- O senhor sem dúvida foi bem sucedido em transmitir esse ponto de vista aos escritores modernos. A psicanálise deu novas intensidades àliteratura.
- Também recebeu muito da literatura e da filosofia. Nietzsche foi um dos primeiros psicanalistas. É surpreendente até que ponto a sua intuição prenuncia as novas descobertas. Ninguém se apercebeu mais profundamente dos motivos duais da conduta humana, e da insistência do princípio do prazer em predominar indefinidamente. O Zaratustra diz: "A dor /Grita: Vai!/ Mas o prazer quer eternidade / Pura, profundamente eternidade". A psicanálise pode ser menos amplamente discutida na Áustria e na Alemanha que nos Estados Unidos, a suainfluência na literatura é imensa, porém. Thomas Mann e Hugo von Hofmansthak muito devem a nós. Schnitzler percorre uma via que é, em larga medida, paralela ao meu próprio desenvolvimento. Ele expressa poeticamente o que eu tento comunicar cientificamente. Mas o Dr. Schnitzler não é apenas um poeta, é também um cientista.
- O senhor, repliquei, não é apenas um cientista, mas também um poeta. A literatura americana, continuei, está impregnada da psicanálise.Hupert Hughes Harvrey O'Higgins e outros fazem-se de seus intérpretes.É quase impossível abrir um novo romance sem encontrar referência à psicanálise. Entre os dramaturgos, Eugene O'Neill e Sydney Howard têmprofunda dívida para com o senhor. The silver cord, por exemplo, é simplesmente uma dramatização do complexo de Édipo.
·- Eu sei, replicou Freud, e apresento o cumprimento que há nessa constatação. Mas tenho receio da minha popularidade nos Estados Unidos. O interesse americano pela psicanálise não se aprofunda. A popularização leva à aceitação superficial sem estudo sério. As pessoas apenas repetem as frases que aprendem no teatro ou na imprensa. Pensam compreender algo da psicanálise, porque brincam com seu jargão. Eu prefiro a ocupação intensa com a psicanálise, tal como ocorre nos centros europeus.A América foi o primeiro país a reconhecer-me oficialmente. A Clark University concedeu-me um diplomahonorário quando eu ainda era ignorado na Europa. Entretanto, a América fez poucas contribuições originais à psicanálise. Os americanos são julgadores inteligentes raramente pensadores criativos.Os médicos nos Estados Unidos, e ocasionalmente também na Europa,procuram monopolizar para si a psicanálise. Mas seria um perigo para a psicanálise deixá-la exclusivamente nas mãos dos médicos. Pois uma formação estritamente médica é, com freqüência, um empecilho para o psicanalista. É sempre um empecilho, quando certas concepções científicas tradicionais ficam arraigadas no cérebro estudioso.
( Freud tem que dizer a verdade a qualquer preço! Ele não pode obrigar a si mesmo a agradar a América, onde está a maioria de seus admiradores. Apesar da sua intransigente integridade, Freud é a urbanidade em pessoa. Ele ouve pacientemente cada intervenção, não procurando jamais intimidar o entrevistador. Raro é o visitante que deixa sua presença sem algum presente, algum sinal de hospitalidade.Havia escurecido.Era tempo de eu tomar o trem de volta à cidade que uma vez abrigara o esplendor imperial dos Habsburgos.Acompanhado da esposa e da filha, Freud desceu os degraus que levavam do seu refúgio na montanha à rua, para me ver partir. Ele me pareceu cansado e triste, ao dar o seu adeus.)
- Não me faça parecer um pessimista, ele disse após o aperto de mão.Eu não tenho desprezo pelo mundo. Expressar desdém pelo mundo é apenas outra forma de cortejá-lo, de ganhar audiência e aplauso. Não, eu não sou um pessimista, não enquanto tiver meus filhos, minha mulher e minhas flores! Não sou infeliz - ao menos não mais infeliz que os outros.
( O apito de meu trem soou na noite. O automóvel me conduzia rapidamente para a estação. Aos poucos o vulto ligeiramente curvado e a cabeça grisalha de Sigmund Freud desapareceram na distância. )
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*Esta entrevista está publicada, em outra versão, no livro "A Arte daentrevista", organização de Fábio Altman, desenhos Cássio Loredano,Boitempo Editorial, 2a. ed., 2004, p. 102-112.
Entre as preciosidades encontradas na biblioteca da Sociedade Sigmund Freud estava essa entrevista. Foi concedida ao jornalista americano George Sylvester Viereck, em 1926. Deve ter sido publicada na imprensa americana da época. Acreditava-se que estivesse perdida quando o Boletim da Sigmund Freud Haus publicou uma versão condensada, em 1970.Na verdade, o texto integral havia sido publicado no volume Psychoanalysis and the Future, número especial do "Journal of Psychology" de Nova Iorque, em 1957. É esse texto que aqui reproduzimos provavelmente pela primeira vez em português.
O VALOR DA VIDA*
Tradução de Paulo Cesar Souza
"Setenta anos ensinaram-me a aceitar a vida com serena humildade."
Quem fala é o professor Sigmund Freud, o grande explorador da alma. O cenário da nossa conversa foi uma casa de verão no Semmering, uma montanha nos Alpes austríacos.Eu havia visto o pai da psicanálise pela última vez em sua casa modesta na capital austríaca. Os poucos anos entre minha última visita e a atual multiplicaram as rugas na sua fronte. Intensificaram a sua palidez de sábio. Sua face estava tensa, como se sentisse dor. Sua mente estava alerta, seu espírito firme, sua cortesia impecável como sempre, mas um ligeiro impedimento da fala me perturbou.Parece que um tumor maligno no maxilar superior necessitou ser operado. Desde então Freud usa uma prótese, para ele uma causa de constante irritação.
- Detesto o meu maxilar mecânico, porque a luta com o aparelho me consome tanta energia preciosa. Mas prefiro ele a maxilar nenhum. Ainda prefiro a existência à extinção.Talvez os deuses sejam gentis conosco, tornando a vida mais desagradável à medida que envelhecemos. Por fim, a morte nos parece menos intolerável do que os fardos que carregamos.
( Freud se recusa a admitir que o destino lhe reserva algo especial.) - Por que - disse calmamente - deveria eu esperar um tratamento especial? A velhice, com suas agruras chega para todos. Eu não me rebelo contra a ordem universal. Afinal, mais de setenta anos. Tive o bastante para comer. Apreciei muitas coisas, a companhia de minha mulher, meus filhos, o pôr do sol. Observei as plantas crescerem na primavera. De vez em quando tive uma mão amiga para apertar. Vez ou outra encontrei um ser humano que quaseme compreendeu. Que mais posso querer? - O senhor teve a fama, dissem que sua obra influi na literatura de cada país. O homem olha a vida e a si mesmo com outros olhos, porcausa do senhor. E recentemente, no seu septuagésimo aniversário, o mundo se uniu para homenageá-lo - com exceção da sua própriaUniversidade.
- Se a Universidade de Viena me demonstrasse reconhecimento, eu ficaria embaraçado. Não há razão em aceitar a mim e a minha obra,porque tenho setenta anos. Eu não atribuo importância insensata aos decimais. A fama chega apenas quando morremos, e francamente, o que vem depois não me interessa. Não aspiro à glória póstuma. Minha modéstia não é virtude. - Não significa nada o fato de que o seu nome vai viver?
- Absolutamente nada, mesmo que ele viva, o que não é certo. Estou bem mais preocupado com o destino de meus filhos. Espero que suas vidas não venham a ser difíceis. Não posso ajudá-los muito. A guerra praticamente liquidou com minhas posses, o que havia poupado durante a vida. Mas posso me dar por satisfeito. O trabalho é minha fortuna.
( Estávamos subindo e descendo uma pequena trilha no jardim da casa.Freud acariciou ternamente um arbusto que florescia.)
- Estou muito mais interessado neste botão do que no que possa me acontecer depois que estiver morto.
- Então o senhor é, afinal, um profundo pessimista?
- Não, não sou. Não permito que nenhuma reflexão filosófica estrague a minha fruição das coisas simples da vida.
- O senhor acredita na persistência da personalidade após a morte, de alguma forma que seja?
- Não penso nisso. Tudo o que vive perece. Por que deveria o homem construir uma exceção? - Gostaria de retornar em alguma forma, de ser resgatado do pó? O senhor não tem, em outras palavras, desejo de imortalidade?
- Sinceramente, não. Se a gente reconhece os motivos egoístas por trás de conduta humana, não tem o mínimo desejo de voltar à vida,movendo-se num círculo, seria ainda a mesma. Além disso, mesmo se o eterno retorno das coisas, para usar a expressão de Nietzsche, nos dotasse novamente do nosso invólucro carnal, para que serviria, sem memória? Não haveria elo entre passado e futuro. Pelo que me toca estou perfeitamente satisfeito em saber que o eterno aborrecimento de viver finalmente passará. Nossa vida é necessariamente uma série de compromis -sos, uma luta interminável entre o ego e seu ambiente. O desejo de prolongar a vida excessivamente me parece absurdo.
- Bernard Shaw sustenta que vivemos muito pouco, disse eu. Ele acha que o homem pode prolongar a vida se assim desejar, levando suavontade a atuar sobre as forças da evolução. Ele crê que a humanidade pode reaver a longevidade dos patriarcas.
- É possível, respondeu Freud, que a morte em si não seja uma necessidade biológica. Talvez morramos porque desejamos morrer. Assim como amor e ódio por uma pessoa habitam em nosso peito ao mesmo tempo,assim também toda a vida conjuga o desejo de manter-se e o desejo da própria destruição. Do mesmo modo que um pequeno elástico esticado tende a assumir a forma original, assim também toda a matéria viva, consciente ou inconscientemente, busca readquirir a completa, a absoluta inércia da existência inorgânica. O impulso de vida e oimpulso de morte habitam lado a lado dentro de nós. A morte é a companheira do amor. Juntos eles regem o mundo. Isto é o que diz o meu livro, Além do princípio do prazer. No começo, a psicanálise supôs que o Amor tinha toda a importância. Agora sabemos que a morte é igualmente importante. Biologicamente, todo ser vivo, não importa quãointensamente a vida queime dentro dele, anseia pelo Nirvana, pela cessação da "febre chamada viver", anseia pelo seio de Abraão. O desejo pode ser encoberto por digressões. Não obstante, o objetivo derradeiro da vida é a sua própria extinção.
- Isto, exclamei, é a filosofia da autodestruição. Ela justifica o auto-extermínio. Levaria logicamente ao suicídio universal imaginado por Eduard von Hartmann.
- A humanidade não escolhe o suicídio porque a lei do seu ser desaprova a via direta para o seu fim. A vida tem que completar o seu ciclo de existência. Em todo ser normal, a pulsão de vida é forte o bastante para contrabalançar a pulsão de morte, embora no final resulte mais forte. Podemos entreter a fantasia de que a morte nos vempor nossa própria vontade. Seria mais possível que pudéssemos vencer a morte, não fosse por seu aliado dentro de nós. Neste sentido, acrescentou Freud com um sorriso, pode ser justificado dizer que toda morte é suicídio disfarçado.
(Estava ficando frio no jardim. Prosseguimos a conversa no gabinete. Vi uma pilha de manuscritos sobre a mesa, com a caligrafia clara de Freud.)
- Em que o senhor está trabalhando?
- Estou escrevendo uma defesa da análise leiga, da psicanálise praticada por leigos. Os doutores querem tornar a análise ilegal para os não-médicos. A História, essa velha plagiadora, repete-se após cada descoberta. Os doutores combatem cada nova verdade no começo. Depois procuram monopolizá-la.
- O senhor teve muito apoio dos leigos?
- Alguns dos meus melhores discípulos são leigos.
- O senhor está praticando muito psicanálise?
- Certamente. Neste momento, estou trabalhando num caso muito difícil,tentando desatar os conflitos psíquicos de um interessante novo paciente. Minha filha também é psicanalista, como você vê...
( Nesse ponto apareceu Miss Anna Freud, acompanhada por seu paciente, um garoto de onze anos, de feições inconfundivelmente anglo-saxônicas.)
- O senhor já analisou a si mesmo?
- Certamente. O psicanalista deve constantemente analisar a si mesmo.Analisando a nós mesmos, ficamos mais capacitados a analisar os outros. O psicanalista é como o bode expiatório dos hebreus. Os outros descarregam seus pecados sobre ele. Ele deve praticar sua arte à perfeição para desvencilhar-se do fardo jogado sobre ele.
- Minha impressão, observei, é de que a psicanálise desperta em todos que a praticam o espírito da caridade cristã. Nada existe na vida humana que a psicanálise não possa nos fazer compreender. "Tout comprendre c'est tout pardonner".
- Pelo contrário, esbravejou Freud, suas feições assumindo a severidade de um profeta hebreu. Compreender tudo não é perdoar tudo.A análise nos ensina não apenas o que podemos suportar, mas também o que podemos evitar. Ela nos diz o que deve ser eliminado. A tolerância com o mal não é, de maneira alguma, um corolário do conhecimento.
( Compreendi subitamente porque Freud havia litigado com os seguidores que o haviam abandonado, por que ele não perdoava sua dissensão do caminho reto da ortodoxia psicanalítica. Seu senso do que é direito é herança dos seus ancestrais. Uma herança de que ele se orgulha como se orgulha de sua raça.)
- Minha língua, ele me explicou, é o alemão. Minha cultura, minha realização, é alemã. Eu me considero um intelectual alemão, até perceber o crescimento do preconceito anti-semita na Alemanha e na Áustria. Desde então prefiro me considerar judeu.
( Fiquei algo desapontado com esta observação. Parecia-me que o espírito de Freud deveria habitar nas alturas, além de qualquer preconceito de raças, que ele deveria ser imune a qualquer rancor pessoal. No entanto, precisamente, a sua indignação, a sua honesta ira, tornava-o mais atraente como ser humano. Aquiles seria intolerável, não fosse por seu calcanhar! )
- Fico contente, Herr Professor, de que também o senhor tenha seus complexos, de que também o senhor demonstre que é um mortal!
- Nossos complexos, replicou Freud, são a fonte de nossa fraqueza; mas com freqüência são também a fonte de nossa força.
- Imagino, observei, quais seriam os meus complexos!
- Uma análise séria, respondeu Freud, dura ao menos um ano. Pode durar mesmo dois ou três anos. Você está dedicando muitos anos de sua vida à "caça aos leões".
- Você procurou sempre as pessoas de destaque para a sua geração: Roosevelt, o Imperador, Hindenburg, Briand, Foch, Joffre, GeorgeBernard Shaw...
- É parte do meu trabalho.
- Mas é também sua preferência. O grande homem é um símbolo. A sua busca é a busca do seu coração. Você está procurando o grande homem para tomar o lugar do seu pai. É parte do seu "complexo do pai"..
( Neguei veementemente a afirmação de Freud. No entanto, refletindo sobre isso, parece-me que pode haver uma verdade, inda não suspeitada por mim, em sua sugestão casual. Pode ser o mesmo impulso que me levou a ele.)
- Gostaria, observei após um momento, de poder ficar aqui o bastante para vislumbrar o meu coração através do seus olhos. Talvez, como a Medusa, eu morresse de pavor a ver minha própria imagem! Entretanto, receio ser muito informando sobre a psicanálise. Eu freqüentemente anteciparia, ou tentaria antecipar suas intenções.
- A inteligência num paciente, replicou Freud, não é um empecilho.Pelo contrário, às vezes facilita o trabalho.
( Neste ponto, o mestre da psicanálise diverge de muitos dos seus seguidores, que não gostam de excessiva segurança do paciente sob o seu escrutínio.)
- Às vezes imagino, questionei, se não seríamos mais felizes se soubéssemos menos dos processos que dão forma a nossos pensamentos eemoções.. A psicanálise rouba a vida do seu último encanto, ao relacionar cada sentimento ao seu original grupo de complexos. Não nostornamos mais alegres descobrindo que nós todos abrigamos, o criminoso e o animal.
- Que objeção pode haver contra os animais? replicou Freud. Eu prefiro a companhia dos animais à companhia humana.
- Por quê?
- Porque são tão mais simples. Não sofrem de uma personalidade dividida, da desintegração do ego, que resulta da tentativa do homem de adaptar-se a padrões de civilização demasiado elevados para o seu mecanismo intelectual e psíquico. O selvagem, como o animal, é cruel,mas não tem a maldade do homem civilizado. A maldade é a vingança do homem contra a sociedade, pelas restrições que ela impõe. As mais desagradáveis características do homem são geradas por esse ajustamento precário a uma civilização complicada. É o resultado do conflito entre nossos instintos e nossa cultura. Muito mais desagradáveis são as emoções simples e diretas de um cão, ao balançara cauda, ou ao latir expressando seu desprazer. As emoções do cão, acrescentou Freud pensativamente, lembram-nos os heróis da Antiguidade. Talvez seja essa a razão porque inconscientemente damos aos nossos cães nomes de heróis antigos, como Aquiles e Heitor.
- Meu cachorro, disse eu, é um dobermann Pinscher, chamado Ajax.
( Freud sorriu.)
- Fico contente de que não possa ler. Ele, certamente, seria um membro menos querido da casa, se pudesse latir sua opinião sobre os traumas psíquicos e o complexo de Édipo!
- Mesmo o senhor, Professor, sonha a existência complexa demais. No entanto, parece-me que o senhor seja, em parte, responsável pelas complexidades da civilização moderna. Antes que o senhor inventasse a psicanálise não sabíamos que nossa personalidade é dominada por uma hoste beligerante de complexos muito questionáveis. A psicanálise torna a vida um quebra-cabeças complicado.
- De maneira alguma, respondeu Freud. A psicanálise torna a vida mais simples. Adquirimos uma nova síntese depois da análise. A psicanálise reordena um emaranhado de impulsos dispersos, procura enrolá-los emtorno do seu carretel. Ou, modificando a metáfora, ela fornece o fio que conduz a pessoa fora do labirinto do seu inconsciente.
- Ao menos na superfície, porém, a vida humana nunca foi mais complexa. E a cada dia alguma nova idéia proposta pelo senhor ou por seus discípulos torna o problema da condução humana mais intrigante e mais contraditório.
- A psicanálise, pelo menos, jamais fecha a porta a uma nova verdade.
- Alguns dos seus discípulos, mais ortodoxos do que o senhor, apegando-se a cada pronunciamento que sai da sua boca.
- A vida muda. A psicanálise também muda, observou Freud. Estava apenas no começo de uma nova ciência.
- A estrutura científica que o senhor ergueu me parece ser muito elaborada. Seus fundamentos - a teoria do "deslocamento", da "sexualidade infantil", do "simbolismo dos sonhos", etc. - parecem permanentes.
- Eu repito, porém, que nós estamos apenas no início. Eu sou apenas um iniciador. Consegui desencavar monumentos soterrados nos substratos da mente. Mas ali onde eu descobri alguns templos, outros poderãodescobrir continentes.
- O senhor ainda coloca a ênfase sobretudo no sexo?
- Respondo com as palavras do seu próprio poeta, Walt Whitman: "Mas tudo faltaria, se faltasse o sexo" ("Yet all were lacking, if sex were lacking"). Entretanto, já lhe expliquei que agora coloco ênfase quase igual naquilo que está "além" do prazer - a morte, a negociação da vida. Este desejo explica porque alguns homens amam a dor - como umpasso para o aniquilamento! Explica porque os poetas agradecem a"Whatever gods there be, /That no life lives forever /And even the weariest river /Winds somewhere safe to sea". ("Quaisquer deuses que existam / Que a vida nenhuma viva para sempre / Que os mortos jamais se levantem / E também o rio mais cansado / Deságue tranqüilo no mar")
- Shaw, como o senhor, não deseja viver para sempre, comentei, mas à diferença do senhor, ele considera o sexo desinteressante.
- Shaw, respondeu Freud sorrindo, não compreende o sexo. Ele não tem a mais remota concepção do amor. Não há um verdadeiro caso amoroso em nenhuma de suas peças. Ele faz brincadeira do amor de Júlio César - talvez a maior paixão da história. Deliberadamente, talvez maliciosamente, ele despe Cleópatra de toda grandeza, reduzindo-a a uma insignificante garota. A razão para a estranha atitude de Shaw diante do amor, para a sua negação do móvel de todas as coisas humanas, que tirou de suas peças o apelo universal, apesar do seuenorme alcance intelectual, é inerente à sua psicologia. Em um de seus prefácios, ele mesmo enfatiza o traço ascético do seu temperamento. Eu posso ter errado em muitas coisas, mas estou certo de que não errei aoenfatizar a importância do instinto sexual. Por ser tão forte, ele se choca sempre com as convenções e salvaguardas da civilização. A humanidade, em um espécie de autodefesa, procura negar sua importância. Se você arranhar um russo, diz o provérbio, aparece o tártaro sob a pele. Analise qualquer emoção humana, não importa quãodistante esteja da esfera da sexualidade, e você certamente encontrará esse impulso primordial, ao qual a própria vida deve a perpetuação.
- O senhor sem dúvida foi bem sucedido em transmitir esse ponto de vista aos escritores modernos. A psicanálise deu novas intensidades àliteratura.
- Também recebeu muito da literatura e da filosofia. Nietzsche foi um dos primeiros psicanalistas. É surpreendente até que ponto a sua intuição prenuncia as novas descobertas. Ninguém se apercebeu mais profundamente dos motivos duais da conduta humana, e da insistência do princípio do prazer em predominar indefinidamente. O Zaratustra diz: "A dor /Grita: Vai!/ Mas o prazer quer eternidade / Pura, profundamente eternidade". A psicanálise pode ser menos amplamente discutida na Áustria e na Alemanha que nos Estados Unidos, a suainfluência na literatura é imensa, porém. Thomas Mann e Hugo von Hofmansthak muito devem a nós. Schnitzler percorre uma via que é, em larga medida, paralela ao meu próprio desenvolvimento. Ele expressa poeticamente o que eu tento comunicar cientificamente. Mas o Dr. Schnitzler não é apenas um poeta, é também um cientista.
- O senhor, repliquei, não é apenas um cientista, mas também um poeta. A literatura americana, continuei, está impregnada da psicanálise.Hupert Hughes Harvrey O'Higgins e outros fazem-se de seus intérpretes.É quase impossível abrir um novo romance sem encontrar referência à psicanálise. Entre os dramaturgos, Eugene O'Neill e Sydney Howard têmprofunda dívida para com o senhor. The silver cord, por exemplo, é simplesmente uma dramatização do complexo de Édipo.
·- Eu sei, replicou Freud, e apresento o cumprimento que há nessa constatação. Mas tenho receio da minha popularidade nos Estados Unidos. O interesse americano pela psicanálise não se aprofunda. A popularização leva à aceitação superficial sem estudo sério. As pessoas apenas repetem as frases que aprendem no teatro ou na imprensa. Pensam compreender algo da psicanálise, porque brincam com seu jargão. Eu prefiro a ocupação intensa com a psicanálise, tal como ocorre nos centros europeus.A América foi o primeiro país a reconhecer-me oficialmente. A Clark University concedeu-me um diplomahonorário quando eu ainda era ignorado na Europa. Entretanto, a América fez poucas contribuições originais à psicanálise. Os americanos são julgadores inteligentes raramente pensadores criativos.Os médicos nos Estados Unidos, e ocasionalmente também na Europa,procuram monopolizar para si a psicanálise. Mas seria um perigo para a psicanálise deixá-la exclusivamente nas mãos dos médicos. Pois uma formação estritamente médica é, com freqüência, um empecilho para o psicanalista. É sempre um empecilho, quando certas concepções científicas tradicionais ficam arraigadas no cérebro estudioso.
( Freud tem que dizer a verdade a qualquer preço! Ele não pode obrigar a si mesmo a agradar a América, onde está a maioria de seus admiradores. Apesar da sua intransigente integridade, Freud é a urbanidade em pessoa. Ele ouve pacientemente cada intervenção, não procurando jamais intimidar o entrevistador. Raro é o visitante que deixa sua presença sem algum presente, algum sinal de hospitalidade.Havia escurecido.Era tempo de eu tomar o trem de volta à cidade que uma vez abrigara o esplendor imperial dos Habsburgos.Acompanhado da esposa e da filha, Freud desceu os degraus que levavam do seu refúgio na montanha à rua, para me ver partir. Ele me pareceu cansado e triste, ao dar o seu adeus.)
- Não me faça parecer um pessimista, ele disse após o aperto de mão.Eu não tenho desprezo pelo mundo. Expressar desdém pelo mundo é apenas outra forma de cortejá-lo, de ganhar audiência e aplauso. Não, eu não sou um pessimista, não enquanto tiver meus filhos, minha mulher e minhas flores! Não sou infeliz - ao menos não mais infeliz que os outros.
( O apito de meu trem soou na noite. O automóvel me conduzia rapidamente para a estação. Aos poucos o vulto ligeiramente curvado e a cabeça grisalha de Sigmund Freud desapareceram na distância. )
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*Esta entrevista está publicada, em outra versão, no livro "A Arte daentrevista", organização de Fábio Altman, desenhos Cássio Loredano,Boitempo Editorial, 2a. ed., 2004, p. 102-112.
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