domingo, 10 de maio de 2009

MANOEL DE BARROS, MEU DEUS!

O Fotógrafo

Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada minha aldeia estava morta
Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa. Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O Silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Pilhei uma paisagem velha a desabar sobre uma paisagem.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou para mim que ela andava na aldeia
De braços com Maiakovski – seu criador.
Fotografei a nuvem de calça e o poeta.
Nenhum outro poeta no mundo faria uma roupa mais
Justa para cobrir a sua noiva.

O Aferidor

Tenho um Aferidor de Encantamentos.
A uma açucena encostada no rosto de uma criança
O meu Aferidor deu nota dez.
Ao nomezinho de Deus no bico de um sabiá
O Aferidor deu nota dez.
A uma fuga de Bach que vi nos olhos de uma criatura
O Aferidor deu nota vinte.
Mas a um homem sozinho no fim de uma estrada
Sentado nas pedras de suas próprias ruínas
O meu Aferidor deu desencanto.
O mundo é sortido, Senhor, como dizia meu pai.

Nenhum comentário:

Postar um comentário