quinta-feira, 27 de maio de 2010

CAIO DI PALMA, MEU DOUTORANDO

Caros companheiros gragoatardenses,

Embora as palavras nunca possam dizer nada para além de si mesmas, e qualquer tentativa de transpor em linguagem as manifestações do corpo não passem de pueris instrumentalizações dos sujeitos em signos, compartilho convosco os calores de meu último escrito alimentado por nosso último encontro. Devo dizer que nossas divagações intelectuais, ou poderia dizer, disseminações sensoriais, tem provocado profundas cicatrizes no meu corpo-texto de cada dia. Na última aula, nossas reflexões finais sobre vida, morte, existência, arte e dionisismo convocaram-me impiedosamente para um flerte obsceno com as chamas, fui incendiado pelas labaredas estranhas da arte em potência, da revolução e do desregramento dos sentidos corpóreos e textuais.
Agradeço profundamente a todos vocês pelo andamento sublime que tem sido este corpo-a-corpo entre nossos pensamentos, anseios, paixões e corpos!

Amor, Luz e Revolução no coração de todos os homens,
Caio

IMANIFESTO HORIZONTAL AOS COVARDES

OU O ESTUDO DE DOIS CORPOS



Primeiro, um lugar que faça girar a cena

Um corpo escrito sobre outro corpo,

A divulgar as esculturas preservadas nos sujeitos

Os dois e o silêncio, o tempo como professor



Atinjo o óbvio obtuso das duas bocas

Assusto-me, evidências da minha morte!

Quem poderá, com um gesto,

Riscar a odisséia de vossas vidas?



Um corpo torna-se presença

Sob escombros fátuos do pensamento,

Cruzo ilhas férreas em cólicas de Gaia

No dia-a-dia Réia, digo rios (tempos)

Uno-me a ele através de seus gestos previsíveis,

Seus receios medíocres, suas plataformas castradas



Salivar seus indícios escusos,

No caos ácido da cidade entorpecida,

Faz-me sufocar o desejo e a selvagem figura.

Tento, mas não atinjo, seu vazio instaurador

- Do silêncio ou da morte do sentir?

Quem diz? Que importa quem fala?

Já disse alguém.



Nesse corpo, apenas sinto o neutro,

A opinião velada no insulto.

Eis o ser que se ausenta e teme-se,

Interrompe a imersão no acaso sexual



O neutro é a recusa do jogo e do amante,

É tornar-se ausência quando deveria tornar-se dado,

É fechar o texto no abrir da página



Há um tal provincianismo do geo-narcisismo

Que enjoa-me as alegorias e as divagações sexuais

As metáforas edipianizam-se, apagadas aqui

Nesse solo, inútil presença riscada



Fazer o que há é tarefa de poucos

Lançar-se no abismo do devaneio sutil,

Tactear as vertigens taradas do acaso indisciplinador

Assinar, no próprio sexo,

As libertações casuais dos trajetos em revoluções.

Tarefa nobre, corajosa e ensandecida,

Suicida, às vezes, no gosto sul do olhar noturno!



- Eis que pressinto Dioniso se apossar do texto /sic/

Os dados, já no jogo estamos lançados!



O segundo corpo, ilustre filho da meta-noite,

Intersecciona o fundo branco da tela

Desembainha, pelo avesso do sexo,

As peles vestidas na estranheza do corpo calado.



Há fuligem nas chamas dos dedos – um texto,

Perscruta ecos e tintas nos lagos obscenos da dedicação.

Em irradiação volátil de afetos, traquina,

Confunde as formas num deserto de almas.

Diz ser parte Fausto, parte Orfeu e todo enigma

Uno-me a ele através de suas imagens e seus fantasmas.



Insinua-se como um rito errante,

Cênico nas dissimulações amorosas,

Faz delirar os homens de prazeres outros.

Sob as tábuas inscritas em seu cheiro tatuado,

O laço do amante entregue ao delírio!

Origens dispersas, talvez eternamente,

De saudosas orgias bacantes



As primeiras mulheres selvagens abrem-se,

Libertam-se do temor e das gentes suas

Errando pelas colinas em busca de Dioniso,

Comem carne crua e trepam na relva nua

Em torpor ou vislumbre profético,

Escutamos a descontrolada manifestação do sublime.

Elas desinstrumentalizam-se, ex-sujeitos

Não sujeitas ao acaso obrigatório das identidades



Isoladas na mania dionisíaca,

Tratam de apagar os rastros serenos de Apolo,

O deus sol, a clave diurna e racional dos paradigmas

Ousam, no decorrer das luas,

Ondular os colapsos nervosos do bárbaro Dioniso,

Deus estranho, libertador de paixões e de fúrias



O limítrofe hermafrodita embriagado,

Imagem arquetípica da vida indestrutível,

Carrega em suas máscaras as vestes

E o tambor cintilante do ditirambo,

A convocar à vida o vinho, o teatro,

A metamorfose e a loucura.



Eis que o texto colide suas linhas, sinuosas,

Com o fulgor raro de existências puras!



Onde o corpo estranho levou meu texto?

Que importa? Há em mim muitos, sempre outros!

O corpo some e soma-se ao meu trajeto

Eis que somos um, e somos todos!

Viemos aqui por um motivo e sabemo-lo:

Dizer o inaudito sobre os corpos libertos,

Sobre as possíveis revoluções do mundo.

Somos, talvez por toda a eternidade,

Um espelho controverso de duas figuras quebradas.



Dedico as plêiades dessas letras minúsculas

Aos seguidores do bardo coxeado Dioniso,

Aos coroados por seus adornos iniciáticos:

Na testa, o impulso de todos,

Os festivais em ramos de Eras!

No rosto, a metamorfose das máscaras,

A dissimulação e loucura como transcurso,

Um brinde às vivências totais!

Na boca, o fogo da flauta e dos vinhos,

A busca do ardente texto em arritmia marginal

Ao corpo em elipses revolucionárias de libertação!

E nos pés, os leopardos adormecidos,

O presente de poucos,

Designar o grande lobo – a Morte,

Não como finitude perigosa ou tenebrosa,

E sim como flerte ilustre de vida e de caos!



Aos atores e aos palhaços deslocados,

Aos vadios boêmios e aos músicos errantes,

Aos poetas marginais e aos revolucionários militantes,

Infinitos em possibilidades de epifanias indestrutíveis,

Dou-vos parte de mim e toda minha paixão!



(Caio Di Palma)

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