domingo, 30 de maio de 2010

RODA AMOROSA DE LEITURA ROSEANA MURRAY

A 15ª. Roda de Leitura Roseana Murray, realizada dia 19 de maio do ano em curso, ocorreu dentro dos protocolos, que regeram as edições anteriores, mantendo, portanto, uma tradição de cultura em nossa Saquarema, tão bela e tão carente de ações culturais duradouras.

Cheguei bem antes do horário de abertura, 9hs., porque estava com muitas saudades de nossas Rodas (a anterior acontecera dia 25 de novembro de 2009) e daquela casa amarela, postada frente ao Atlântico, e também porque gosto de ver chegando as pessoas, que se mostram atentas, cheias de expectativas e como quem vai ganhar presente.

Estava lindo o dia outonal, com o mar imensamente turquesa e um clima agradabilíssimo, soprando que estava uma leve brisa. Aos poucos, a varanda marítima encheu-se de crianças e professores, vindo de dez escolas municipais; a cartografia desta Roda de Leitura abrangia todo o município, com suas escolas espalhadas pelos quatro cantos e recantos: Clotildes de Oliveira Rodrigues (na Vila), Padre Manuel (Bacaxá), Castelo Branco (Boqueirão), Gustavo Campos da Silveira (Gravatá), Luciana Santana Coutinho (Porto da Roça), Ismênia Ramos Barroso (Jaconé), Menaldo Carlos (Caixa d’Água), Elcina de Oliveria Coutinho (Água Branca), Edílson Vignoli (Rio d’Areia), Orgé Ferreira dos Santos (Itaúna).

Na casa de Roseana e Juan tudo nos convida à poesia, assim a anfitriã inaugurou aquela edição com a leitura de seu poema “Gaiola”, extraído do livro Falando de pássaros e gatos (Editora Paulus):

de agora em diante

de trás pra frente

e para sempre

nenhuma gaiola amarre

as asas de um pássaro

os passos de um felino

os sonhos de um homem



O silêncio que se seguiu à escuta do poema parecia dizer: Amém!



A atividade seguinte consistiu na leitura do conto “O caso do papagaio Zé Augusto”, do escritor baiano João Ubaldo Ribeiro, em seu livro Contos e crônicas para ler na escola. Foi alegre a recepção do texto hilário, que fez, por exemplo, Evelyn Kligerman, convidada sempre especial de todas as Rodas de Leitura, lembrar-se do que presenciou em praça na Cidade do México, onde o machismo dos mexicanos era medido pela carga de voltagem de choque que cada homem, que se apresentava para o espetáculo, conseguia suportar: o papagaio Zé Augusto adorava tomar choques elétricos, assim como os hombres do México exibem sua força viril por agüentarem fortes choques.

Dando continuidade, houve a leitura, em jogral, do conto “O jardim dos gatos obstinados”, do livro Marcovaldo (1963), de Italo Calvino (1923-1985). Antes, porém, do texto, Juan Arias , que conheceu e entrevistou a Italo Calvino, falou um pouco sobre o escritor italiano, que detestava entrevistas e vivia recluso em Milão, observando, com terrível ironia, as cidades, visíveis e invisíveis. Juan referiu, ainda, a curiosidade do leitor com relação ao autor: quem está por trás do texto? Como o leitor imagina Roseana Murray, que abre as portas de sua casa para seus leitores? O jornalista de El Pais, mais importante periódico da Espanha, informou, ainda, que, na Antigüidade, uma folha de papiro custava 100 bois; tal ato deve nos fazer pensar na nossa felicidade de podermos ler e escrever sem termos que fazer troca de bovinos.

Com o subtítulo de “as estações na cidade”, Marcovaldo remete às quatro estações, em que se passam as fábulas, tendo, sempre, como protagonista a Marcovaldo, um sujeito ingênuo, criativo, sensível, bufão, melancólico, felliniano, diria eu, um Carlitos chapliniano. Na elaboração de suas estórias, Calvino trama a linguagem numa rede tão fina que quase esgarça a própria linguagem.

Foi tão emocionante a leitura do conto que um dos comentários, entre vários – “parece um desenho animado”, “o narrador nos mostra, com signos verbais, as 1001 realidades de toda cidade”, “vemos a cidade pelos olhos dos gatos” - feito por uma menina, identificava Marcovaldo com os gatos, recriando, portanto, a narrativa no sentido de o narrador metamorfoseasse no felino, num dos felinos milaneses. Por obra e arte de uma leitorinha, a figura de retórica “antropomorfismo” virava-se do avesso. De minha parte, vi o tempo todo os gatos de Roma, cidade onde morei e estudei e em que os gatos, ocupando celebérrimas ruínas, fazem parte da mitologia da cidade.

Com o gostoso lanche - pães doces, café, chocolate, bolo -, que foi servido aos convivas, fui observando as reações dos alunos e dos professores e o que mais me marcou foi a alegria de todos, bem como a festa que faziam em torno de Roseana Murray, tornada, naquela manhã luminosa, uma real celebridade, porque fotografada o tempo todo e solicitada para autógrafos. Até parecia – pensava eu – que a platéia adivinhara, inconscientemente, que nossa doce anfitriã vivia pesado luto por sua mãe, enterrada no “dia das mães”, e necessitava de afetos.

As várias edições das Rodas de Leitura têm-se revelado, não somente como uma tomada de consciência, por parte da comunidade saquaremense, quanto à importância da leitura, na formação do cidadão, quanto lugar propício ao desenvolvimento dos afetos; aliás, a arte tem esse condão de unir amorosamente. E a poesia de Roseana Murray, que abre seu coração e sua casa aos leitores, tem sido catalisadora de imensos afetos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário