Por que será que Roseana Murray insiste tanto que eu traduza, para o vernáculo, o conto "Comment Wang-Fô fu sauvé", de Marguerite Yourcenar (1903-1987)? Em uma de nossas infindáveis conversações frente ao mar de Saquarema, ela, poeta total, deixou escapar: "Quero compartilhar com você tanta beleza". Já de há muito amo a obra originalíssima de Marguerite Yourcenar, primeira mulher a ocupar um posto na Académie Française; até ousei, nos anos 80, parafrasear a escritora belga, dedicando-lhe um incipiente soneto. Com a insistência de Roseana, procurei, sem êxito, no site de livros franceses, o livro "Nouvelles orientales" (Gallimard, 1963), aberto pelo conto recomendado, mas terminei por encomendá-lo, de Paris, ao amigo Jean-Pierre, que viria passar o verão nestas plagas.
Hoje, 20 de março de 2009, primeiro dia de nosso outono tropical, li, em minha praia matinal, o conto de Yourcenar. Não sei se estou em estado de choque, em êxtase ou levitando: é tudo ao mesmo tempo. Perdi o fôlego e cada letra do conto ressoava na música do mar.
Mais que perplexo, eu me pergunto como me foi possível, até hoje, ler, escrever, exercer o magistério de teoria literária, de oficina de textos, de ética, de estética, de semiologia, como pude viver, enfim, sem conhecer Wang-Fô. Mas cada coisa tem seu tempo. Eu tinha que ter encontrado, primeiro, no astral de Saquarema, a Roseana Murray.
Hoje, no meu outono, quase tão velho quanto o protagonista do conto, sonho com Wang-Fô, porque a arte também me salva.
Quando me encaminhava para o epílogo da onírica narrativa, veio até mim um grande cão negro, que, sem cerimônia alguma, deitou-se na minha canga, cor de cereja ao crepúsculo. Ali ficou budicamente.
Será esse cão Wang-Fô, o pintor eterno? Será ele Ling, o discípulo imortal? Será o cão, vestido de veludo preto, Marguerite Yourcenar, peregrina no labirinto do mundo?
sexta-feira, 20 de março de 2009
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