quarta-feira, 11 de março de 2009

EU, DICIONARISTA, DESDE MENINO!

ANAMORFOSE

Étimo de origem grega – αναμόρφωση -, que se traduz, no vernáculo, por “reformulação”, “forma reconstituída”, “formado de novo”, a anamorfose (anamorphotisches Bild, em alemão, anamorfosi, em italiano, anamorfosis, em espanhol, vertekend beeld , em holandês, anamorphose, em francês, anamorphosis, em inglês) constitui um efeito de ilusão ótica, uma projeção distorcida de uma imagem ou uma perspectiva, que requer do espectador o uso de algum instrumento ou o deslocamento para algum outro ângulo a fim de reconstituir a imagem. O portador de miopia, por exemplo, vive em situação de anamorfose, necessitando de óculos que lhe corrijam a distorção da visão; já Pedro Paulo Mucci, pintor brasileiro, da cidade de Macaé-RJ, extremamente míope, recusava-se, na hora de pintar, a usar óculos, porque queria representar as coisas do jeito como as percebia, sem o artifício de lentes, daí resultando uma pintura diluída, esfumaçada, disforme, mesmo se incrustando um alto grau de erotismo. Deformação reversível de uma imagem produzida mediante um procedimento ótico, como, por exemplo, utilizando-se um espelho curvo ou cilíndrico, ou através de um procedimento matemático, a anamorfose, ou “perspectiva secreta”, segundo Albrecht Dürer (1471-1528), utiliza-se em arte como efeito perspectivo para forçar o observador a tomar um ponto de vista determinadamente preestabelecido ou privilegiado, a partir do qual a imagem recobrará uma forma proporcional e clara. Como método, a anamorfose foi descrita nos estudos sobre perspectiva de Piero da la Francesca (1416-1492), como no tratado De prospectiva pingendi.
A anamorfose estrutura-se tanto no campo da pintura quanto no da matemática, porque se produz, inclusive, para além do uso do espelho, como o fazem, empiricamente, muitos pintores, com base num cálculo gráfico da distorção. Obviamente, aqui se ocupa do lugar artístico dessa instigante categoria, que pode ser de perspectiva – a anamorfose oblíqua renascentista, que data do século XV – ou de espelho – a anamorfose catóptrica, praticada no barroco século XVII. Em ambas as eras, a anamorfose funcionou para esconder significados alternativos da obra, como, por exemplo, alguma obscenidade.
O ícone da anamorfose é o quadro The Ambassadors, de 1533 - um óleo sobre tela, de 209 x 207 cm, exposto na National Gallery, em Londres -, de Hans Holbein, o Jovem (em alemão, Hans Holbein der Jüngere), nascido em Augsburgo, em 1497 ou 1498, morto em Londres, em 1543, considerado um dos mestres do retrato no Renascimento, tendo sido, igualmente, desenhista de xilogravuras, vidrarias e peças de joalheria. O título real desse quadro é Jean de Dinteville et Georges de Selve (os dois embaixadores retratados), constituindo, portanto, uma anamorfose o nome pelo qual veio a ser conhecido.
Importantíssima na história da arte, essa obra do artista alemão possui, para além de sua excelência plástica, uma riqueza simbólica, em grande parte devida ao enigma do objeto que aparece em primeiro plano, enigma apenas deslindado no século XX, quando o historiador de arte lituano-francês Jurgis Baltrusaitis (1903-1988), seguindo, fielmente, seu postulado « J'ai une seule méthode de travail : aller à la source, chercher les vrais textes, au-delà des articles de synthèse (...) C'est en allant à la source qu'on arrive à une vision exacte des choses », verificou que o misterioso osso de sépia - tridimensional, aparentemente informe, que, sob o efeito da deformação ótica só aparece corretamente se o espectador se posicionar à direita da peça e a alguns metros de distância - é a anamorfose de uma caveira, constituindo, por conseguinte, uma alegoria da vaidade humana (note-se que, na boina de Jean de Dinteville, o embaixador que encomendou o retrato, há a imagem, essa, sim, realista de um crânio): « Un singulier objet, pareil à un os de seiche, flotte au-dessus du sol : c’est l’anamorphose d’un crâne qui se redresse lorsqu’on se place tout près, au-dessus, en regardant vers la gauche. Un sens caché et une solennité pèsent lourdement sur toute la scène ». Na introdução de seu livro Anamorphoses, ou Thaumaturgis opticus, encuncia : « La perspective est généralement considérée, dans l’histoire de l’art, comme quelque chose de réaliste restituant la 3ème dimension. C’est avant tout un artifice qui peut servir à toutes les fins. Nous en traitons ici le côté fantastique et aberrant : une perspective dépravée par une démonstration logique de ses lois ». Para corrigir a deformação, o contemplador do quadro pode valer-se das costas de uma colher, de modo que o reflexo sobre a superfície curva desse utensílio doméstico elimine o efeito da perspectiva na pintura.
Por seu turno, Jacques Lacan (1901-1981) debruçou-se, em seus seminários, enfocando o olhar e a constituição do sujeito e de sua relação com a visão, sobre o enigmático objeto, analisando-o no quadro da psicanálise e da semiologia, onde fulge a alegoria : « Comment se fait-il que personne n’ait jamais songé à y évoquer quelque chose qui ressemble à l’effet d’une érection.[...] Que voyez-vous qu’est cet objet, étrange, suspendu, oblique au premier plan en avant de ces deux personnages dont la valeur comme regard, je pense, vous est apparue à tous, ces deux personnages figés, raidis dans leur ornement monstrateur entre lesquels toute une série d’objets qui ne sont rien d’autre, que ces objets là même qui dans la peinture de l’époque figurent, les symboles de la veritas. Car le secret de ce tableau, dont je vous ai rappelé les résonances, les parentés avec les vanitas, de ce tableau fascinant de présenter, entre les deux personnages parés et fixes, tout ce qui rappelle, dans la perspective de l’époque, la vanité des arts et des sciences, - le secret de ce tableau est donné au moment où, nous éloignant légèrement de lui, peu à peu, vers la gauche, puis nous retournant, nous voyons ce que signifie l’objet flottant magique. Il nous reflète notre propre néant, dans la figure de la tête de mort. Usage donc de la dimension géométrale de la vision pour captiver le sujet, rapport évident au désir qui, pourtant, reste énigmatique. »
Outra leitura intertextual do misterioso objeto, construído sob o signo da anamorfose, será considerá-lo como uma legenda plástica do grave enunciado « Memento mori », lembrando, tanto a seu criador quanto aos protagonistas da obra e a seus atemporias contempladores, que cada um irá morrer e que tudo é vaidade.
Outro paradigmático cultor da anamorfose da perspectiva foi o renascentista Leonardo da Vinci (1452-1519), que, em alguns de seus estudos, apontou exemplos de figuras anamorfósicas e cujo Codex Atlanticus (1485) realiza a anamorfose do rosto de um criança e de um olho. Já o barroco praticou a anamorfose na técnica do trompe-l’oeil, que cria, em murais, ilusões arquitetônicas, de que são exemplos ímpares os grandiosos afrescos da cúpula e da abóbada da Igreja de Santo Inácio, em Roma, pintadas, entre 1685 e 1694, pelo jesuíta Andrea Pozzo (1642-1709), que alegorizam, em alucinante perspectiva, com o recurso do trompe-l’oeil, a apoteose do fundador da Companhia de Jesus.
No século XX, a anamorfose foi relida, para apenas citar dois exemplos nucleares, na obra de Marcel Duchamp (1887-1968), cujas instalações Le Grand Verre (1915-1923 ) e La Mariée mise à nu par ses célibataires, même, iniciada em 1915 e propositalmente inacabada en 1925, são paráfrases de anamorfose; também Salvador Dalí (904-1989) utilizou, em inúmeras telas, o efeito da anamorfose. Valorizada no modernismo, por exemplo pelo brasileiro Cândido Portinari (1903-1962), a pintura mural lança mão da anamorfose, que produz uma impressão de relevo e de realidade espacial. Pintando, não mais olhando diretamente a realidade, mas guiando-se somente pelo que se reflete em um espelho cônico, cilíndrico ou piramidal, o artista, operando sob o código da anamorfose, produz obra, que, inclusive, se constitui uma sátira ou crítica social.
Exemplos contemporâneos de anamorfose encontram-se no cinemascope, que usa lentes anamórficas para projetar uma imagem mais ampla a partir de uma estrutura mais estreita de filme. Outro uso da anamorfose aparece, ainda, nos avisos de trânsito, como « Crianças atravessando », quando facilita a leitura dos motoristas ; os nomes « Ambulância » e « Polícia », nos respectivos veículos, seguem o processo da anamorfose, porque promovem a leitura especular invertida ; também a publicidade, com o intuito de maior visibilidade da propaganda dos itens, recorre a esse fantástico recurso. A anamorfose é, ainda, o fenômeno dos espelhos deformadores, que se encontram, como ludismo, em lugares públicos.
No belíssimo filme The brothers Grimm (2005 ), dirigido Terry Gilliam, há uma cena seminal, quando, na torre da floresta encantada, o herói-escritor Jake, representado por Heath Ledger (1979-2008), escala-a a fim de libertar a rainha seqüestrada (Mônica Belucci): um imenso espelho opera uma anamorfose, porque fantasticamente projeta a imagem de Jake e da rainha jovem juntos, quando, na “realidade” ficcional da imagem cinematográfica, os personagens estão separados: Jake encontra-se no centro da sala, ao passo que a rainha, velhíssima, está dormindo. Na mesma seqüência de cenas, o estilhaçamento fragoroso do espelho mágico alegoriza a quebra do feitiço, dado que, fragmentando-se totalmente, a rainha, belamente rejuvenescida, volta a ser uma bruxa em fragmentos especulares. Também existe um filme, precisamente intitulado Anamorph (2007), dirigido por Henry S. Miller e estrelado por Willem Dafoe, que representa um eventual detetive, chamado Stan Aubray, que se dá conta da semelhança de um caso anterior ao que deve, agora, investigar. Como indica seu próprio título, a película baseia-se no conceito de anamorfose, que manipula as leis da perspectiva para criar, numa mesma tela, duas imagens que competem entre si. O detetive deverá desvendar o enigma de duas horrendas imagens distorcidas.
Presença contundente, portanto, em várias linguagens da arte – pintura, arquitetura, cinema, publicidade, instalações -, a anamorfose estrutura, igualmente, o texto literário. Quanto ao parentesco entre literatura e pintura, as correspondências vão além da parelha destes célebres versos horacianos, onde pulsa, porque aludem ao distanciamento para a percepção e o gosto, a anamorfose:

ut pictura poesis; erit quae, si propius stes,
te capiat magis, et quaedam, si longius abstes
(“como a pintura é a poesia; coisas há que de perto
mais te agradam e outras, se à distância estiveres”).
Esses versos sofrem anamorfose na música, por exemplo – “ut musica, pictura”- (MUCCI, 1993, p.125-138). A literatura espelha-se, muitas vezes, na pintura, como no caso paradigmático de Dostoïevski (1821-1881), que, grande admirador de Holbein, ficou chocado quando viu, no Kunstmuseum Basel, em Basiléia, na Suíça, três séculos mais tarde, o quadro O corpo de Cristo morto no túmulo (1521), que poderia, segundo ele, fazer perder a fé ; foi tão impactante a impressão da pintura sobre o escritor russo que ele a descreve em seu romance O idiota (1868). No caso brasileiro, cite-se, de novo, Portinari que, intoxicado pelas tintas, levou para a poesia a arte de sua pintura, como analisou, belamente, em sua dissertação de mestrado Portinari, poeta ocasional, Kátia Nazareth Fideles Devino.
No cubismo, de que um dos postulados fundamentais é, precisamente, por deformar as formas, a anamorfose, verifica-se a significativa tensão entre pintura e literatura. Conforme observa Carlos Ceia, essa vanguarda modernista, que tinha por fim " ‘descompor e recompor a realidade’, rejeitou as técnicas tradicionais de perspectiva bem como a ideia de arte como imitação da natureza e privilegiou a bidimensionalidade e a fragmentaridade dos objectos”. Mencionando a migração do cubismo plástico para outras artes, o organizador deste Dicionário intertextualiza o caso de poetas cubistas, como Mário de Sá-Carneiro (1890-1916) e Fernando Pessoa (1888-1935), dois expoentes do modernismo português. Ao poema citado de Sá-Carneiro, “Cinco horas”, acrescente-se este outro, “Epígrafe” (p. 191), onde o signo “espelho” distorce, ainda mais, uma identidade em frangalhos e em vertiginosa sinestesia:
A sala do castelo é deserta e espelhada.

Tenho medo de Mim. Quem sou? Donde cheguei? ...
Aqui, tudo já foi ... Em sombra estilizada,
A cor morreu — e até o ar é uma ruína ...
Vem de Outro tempo a luz que me ilumina —
Um som opaco me dilui em Rei ...

De Pessoa, Ceia cita: “Álvaro de Campos, num dos poemas dedicados a Walt Whitman, "Futilidade, irrealidade, (...) estática de toda a arte" (s.d.), esboça um poema de inspiração cubista”, de que destaco os versos finais, onde a anamorfose transgride, gloriosamente, a mímesis e conjuga paráfrase e paródia:

Eu nunca farei senão copiar um eco das coisas,
O reflexo das coisas reais no espelho baço de mim.

Na mais recente contemporaneidade, o espelho – emblema e meio privilegiado da anamorfose -, brilha e dança na canção “Viva la vida”, da banda inglesa Coldplay, premiada no Grammy Awards como a melhor canção de 2009; repete-se duas vezes esta estrofe:
I hear Jerusalem bells a ringingRoman Cavalry choirs are singingBe my mirror, my sword and shieldMy missionaries in a foreign field.

Essa repetição não é mero refrão, mas metalinguagem e jogo de mise en abîme. Note-se que a função apelativa, que implica o ouvinte e o espectador do vídeo, pronuncia-se por um sujeito lírico, enredado em mitos (os sinos de Jerusalém e os coros da Cavalaria Romana), misturando a metáfora do espelho com a metáfora da espada, do escudo e com a alegoria de um missionário em terra estrangeira. Retoma-se, dessarte, pós-modernamente, a metáfora romântica da mímesis como lâmpada (espelho) que passeia, refletindo o contexto, porém um contexto sobretudo fantástico. O quarto álbum do grupo, em que se gravou “Viva la vida”, foi lançado no dia 12 de Junho de 2008 nos Estados Unidos, intitulado Viva la Vida or Death and All His Friends. Chris Martin, vocalista da banda, afirmou que escolheu o nome após vê-lo em um quadro da artista mexicana Frida Kahlo (1907-1954). "Ela passou por muita coisa, claro, e aí começou uma grande pintura em sua casa que dizia Viva la Vida or Death and All His Friends. Eu simplesmente amei a ousadia disso", disse o cantor, se referindo a Frida, que teve diversos problemas de saúde”. Então, entre pintura e canção, o intertexto articula, também, a anamorfose, figura especular que distorce dores e amores.
Pergunta-se: qual a imagem certa? Será real o que vemos ou somos vítimas de alguma anamorfose? De abismo em abismo, uma anamorfose gera outra anamorfose ad infinitum, como a semiose ilimitada, segundo Peirce (1839-1914). No fundo, seja do quadro de pintura, seja do texto literário, não há imagem certa do Universo.
No jogo de espelhos, a auto-reflexividade e a reflexividade, de acordo com Carlos Ceia, levam o homem descobrir “que pode ironizar sobre a sua própria condição humana, então podemos falar de uma nova ordem. Assim quando a certeza cede lugar ao simulacro da certeza e quando todo este processo se revela textualmente”, estamos diante do processo da anamorfose. No terreno úbere da reflexividade e da auto-reflexividade, a anamorfose encena, então, o reflexo imaginário de tudo o que se possa considerar representação do real: nas luzes dos espelhos, mágicos, enfeitiçados, encantados, toda representação é uma quimera, um fogo fátuo, um engodo, talvez. Lembremo-nos dos colonizadores que, oferecendo cacos de espelhos aos ameríndios, ludibriavam-nos inexoravelmente.
Será a anamorfose a paródia da mímesis, na medida em que ilude a própria ilusão da representação. No abismo da representação, a anamorfose, deformadamente, opera a prestidigitação da mise en abîme que, segundo Annabela Rita, “consiste num processo de reflexividade literária, de duplicação especular”. Verdadeiros dândis, que, conforme Baudelaire, vivem e dormem diante do espelho, os poetas olham-se, eternamente, no espelho das palavras: o que vêm aí? Espelhos, fragmentos de espelhos, superfícies iluminadas, os poemas elucubram anamorfoses de um real, sempre fantástico.
Uma brevíssima antologia da melhor poesia reflete a magia literária do espelho:
Le miroir
Charles Baudelaire

Un homme épouvantable entre et se regarde dans la glace.
“- Pourquoi vous regardez-vous au miroir, puisque vous ne pouvez vous y voir qu’avec déplaisir?”
L’homme epóuvantable me répond: “ Monsieur, d’après les immortels principes de 89, tous les hommes sont égaux en droits; donc je possède le droit de me mirer; avec plaisir ou déplaisir, cela ne regarde que ma conscience.”
Au nom du bon sens, j’avais sans doute raison; mais, au point de vue de la loi, il n’avait pas tord (p. 201).

Mulher ao espelho
Cecília Meireles

Hoje que seja esta ou aquela, pouco me importa. Quero apenas parecer bela, pois, seja qual for, estou morta.
Já fui loura, já fui morena, já fui Margarida e Beatriz. Já fui Maria e Madalena. Só não pude ser como quis.
Que mal faz, esta cor fingida do meu cabelo, e do meu rosto, se tudo é tinta: o mundo, a vida, o contentamento, o desgosto?
Por fora, serei como queira a moda, que me vai matando. Que me levem pele e caveira ao nada, não me importa quando.
Mas quem viu, tão dilacerados, olhos, braços e sonhos seus se morreu pelos seus pecados, falará com Deus.
Falará, coberta de luzes, do alto penteado ao rubro artelho. Porque uns expiram sobre cruzes, outros, buscando-se no espelho.

AL ESPEJO
Jorge Luis Borges¿Por qué persistes, incesante espejo?¿Por qué duplicas, misterioso hermano,el movimiento de mi mano?¿Por qué en la sombra el súbito reflejo?Eres el otro yo de que habla el griegoy acechas desde siempre. En la tersuradel agua incierta o del cristal que durame buscas y es inútil estar ciego.El hecho de no verte y de sabertete agrega horror, cosa de magia que osasmultiplicar la cifra de las cosasque somos y que abarcan nuestra suerte.Cuando esté muerto, copiarás a otroy luego a otro, a otro, a otro, a otro…

MIRROR

Silvia PlathI am silver and exact. I have no preconceptions.Whatever I see, I swallow immediately.Just as it is, unmisted by love or dislikeI am not cruel, only truthful —The eye of a little god, four-cornered.Most of the time I meditate on the opposite wall.It is pink, with speckles. I have looked at it so longI think it is a part of my heart. But it flickers.Faces and darkness separate us over and over.Now I am a lake. A woman bends over me.Searching my reaches for what she really is.Then she turns to those liars, the candles or the moon.I see her back, and reflect it faithfullyShe rewards me with tears and an agitation of hands.I am important to her. She comes and goes.Each morning it is her face that replaces the darkness.In me she has drowned a young girl, and in me an old womanRises toward her day after day, like a terrible fish.

285
Fernando Pessoa, sob a persona de Alberto CaeiroO espelho reflecte certo; não erra porque não pensa.Pensar é essencialmente errar.Errar é essencialmente estar cego e surdo.
VERSOS DE NATAL
Manuel BandeiraEspelho, amigo verdadeiro,Tu refletes as minhas rugas, Os meus cabelos brancos,Os meus olhos míopes e cansados.Espelho, amigo verdadeiro,Mestre do realismo exato e minucioso,Obrigado, obrigado!Mas se fosses mágico,Penetrarias até o fundo desse homem triste, Descobririas o menino que sustenta esse homem,O menino que não quer morrer,Que não morrerá senão comigo,O menino que todos os anos na véspera do NatalPensa ainda em pôr os seus sapatinhos atrás da porta.LE MIROIR D’UN MOMENT
Paul EluardIl dissipe le jour, Il montre aux hommes les images déliées de l’apparence, Il enlève aux hommes la possibilité de se distraire. Il est dur comme la pierre, La pierre informe, La pierre du mouvement et de la rue, Et son éclat est tel que toutes les armures, tous les masques en sont faussés. Ce que la main a pris dédaigne même de pendre la forme de la main, Ce qui a été compris n’existe plus, L’oiseau s'est confondu avec le vent, Le ciel avec sa vérité, L’homme avec sa realité. O ESPELHO
Mário QuintanaE como eu passasse por diante do espelhonão vi meu quarto com as suas estantesnem este meu rostoonde escorre o tempo.Vi primeiro uns retratos na parede:janelas onde olham avós hirsutose as vovozinhas de saia-balãoComo pára-quedistas às avessas que subissem do fundo do tempo.O relógio marcava a horamas não dizia o dia. O Tempo,desconcertado,estava parado.Sim, estava paradoEm cima do telhado...Como um catavento que perdeu as asas!

Perguntar-se-á o poeta, o leitor do poeta, o escritor do poeta: até quando hemos de nos perder no jogo de espelhos, onde a anamorfose rege o canto dos signos?


BIB: BALTRUSALTIS, Jurgis. Anamorphoses, ou Thaumaturgis opticus ( 1984) . BANDEIRA, Manuel. Poemas (s.d.). BAUDELAIRE, Charles. Oeuvres complètes (1986). BORGES, Jorge Luis. Obras completas II (2000). DEVINO, Kátia Nazareth Fideles. Portinari, poeta ocasional (2005). ELUARD, Paul. Poèmes (1999). HORÁCIO. Arte poética. Trad. R. M. Rosado Fernandes (s.d.). LACAN, Jacques. Le séminaire, livre XI, Les quatre concepts fondamentaux de la psychanalyse (1964). MEIRELES, Cecília. Obra poética (1987). MUCCI, Latuf Isaias. A poética do Esteticismo (1993). PESSOA, Fernando. Obra poética (1977). PLATH, Silvia. Poems (1994). SÁ-CARNEIRO, Mário de. Obra poética completa (1991). QUINTANA, Mário. Poesia completa (2006).
http://www.coldplay.com
Latuf Isaias Mucci

E-Dicionário de Termos Literários, coord. de Carlos Ceia, ISBN: 989-20-0088-9,

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