quarta-feira, 11 de março de 2009

CRÔNICA NATALINA

Foi minha querida cunhada Carlota quem introduziu, em nossa ampla família, não só a teatralização nas festas de Natal como o jogo “amigo oculto”, que eu conhecia nas empresas em que trabalhara (na Universidade, não se brinca de “amigo oculto”, talvez porque os acadêmicos sejam sérios demais e a amizade seja um jogo, quiçá indesejável). Sempre participei da brincadeira do “amigo oculto” (em outros lugares, chama-se “amigo secreto”), não só porque facilita a questão da troca de presentes como se constitui uma ocasião para se declarar, ludicamente, amor. Este ano, o “amigo oculto”, do dia 24, foi restrito à família da Maria, minha irmã-caçula, e do Vicente, meu irmão mais velho; não entendi por que não fui incluído. Mais tarde, vim a saber que meu nome não constava por falta de par; mas par a gente inventa e se não o há, faz-se o jogo ímpar.
Assisti, naquela sala tão ampla, tão bela, tão aconchegante, que é um misto de sala de jantar, sala de visitas, escritório, ao jogo do “amigo oculto” e, como eu não tomava parte diretamente, pude observar melhor a reação de cada um ao dar e ao receber o presente. No meio da festa, Maria, a eterna e terna anfitriã, contava histórias, histórias que não acabam mais, histórias com fundamento verídico e com elucubração fantástica. Sherazade perene, ela é quem mais se diverte ao narrar cenas da vida da família; ela ri tanto, ao narrar e encenar, que cada um se contagia. Todos lhe dizem para escrever um livro, ao que ela contesta que não sabe escrever. Mentira lavada, pois escreve muito bem e só necessitaria de um revisor para não escrever “Zelha” e não “Zélia”. Observando a contação de estória de minha irmã, percebi, ainda mais, o quanto somos parecidos: em sala de aula, sou também um palhaço e me divirto ensinando; só que ela tem mais imaginação, euforia, leveza, sem o peso, que carrego, de ter que formar adolescentes, jovens, adultos. Somos, ela e eu, alem de irmãos unidíssimos, possuídos por aquela divina loucura dos poetas, de que fala Platão. Maria conta por contar. Maria enfeita o mundo. Maria embeleza o horizonte da vida de quem a escuta (Mais tarde, Alex, seu filho-caçula confessaria no almoço-jantar natalino: “Mamãe é a mais sábia de todos nós”). Chefe de excursão, o vizinho Eduardo comentou comigo que, no recente passeio a Monte Verde-MG, Maria era uma autêntica atriz de Hollywood. Lembro-me, agora, de ela nos ter contado que está seguindo um curso de memorização, do qual sai mais lerda do que quando começou... Mais uma mentira deslavada, porque acredito piamente que ela vai lá só para ter uma platéia de gente muito mais velha do que ela; lá, é estrela absoluta e pode desfilar modas e gestos, sem receber alfinetadas de nenhum Ronaldo Ésper de plantão! Face a tanta performance, Alex disse o que todo mundo há muito tempo sabe: Rogerinho, o mais engraçado de todos da família, o sobrinho que viajou quase o mundo todo e morou várias vezes na Itália e na França, é “filho” de Maria; Rogerinho é um fenômeno de sedução narrativa; mas acho que Maria é muito mais espontânea, ao passo que o Rogerinho é quase um Professional, um ator da Globo!
Comia-se muito, como é de praxe na mansão Mucci-Carvalho; eu, porém, depois de três suculento pratos de sopa, regados a um vinho razoável, só me fartava com a alegria dos presenteados. Como sempre, a mesa, montada com todo fino gosto pela Flavinha, promotora de festas e eventos, era irresistível. No grupo, o Felipe, do alto de seus belos nove anos, era, definitivamente, o mais tenso, nem querendo comer, tamanha era a sua ansiedade para receber o presente. A cada nome declinado, ele gritava e esperava a sua vez, que demorava mais do que lhe permitia a tensão. Parece que aquela festa toda era para comemorar sua volta ao lar belo-horizontino, depois de quatro longos anos por Goiânia, Natal e Salvador. Finalmente, o rebento de Alex, meu afilhado, e Lu, estava junto aos priminhos e às avós. Felipe quase não podia esperar o momento de ouvir alguém pronunciar “meu amigo oculto....”, tendo-o como destinatário. Era a vez da Lu, que com um lindo sorriso moreno começou seu pequeno discurso; o Felipe continuava tenso e, quando sua mãe disse: “É tudo para mim”, ele, o menino voou literalmente para os braços calorosos da mãe.
Jamais esquecerei que, no único “amigo oculto”, de que não participei, pude assistir, de camarote, ao vôo de amor do Felipe.

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