quarta-feira, 11 de março de 2009

EU, NO SEBO, ENFIM!

Fui sempre um rato de sebos, procurando-os, obsessivamente, em todas as cidades deste Brasil imenso, tornado uma biblioteca tropical. Jamais me esquecerei de ter encontrado, há mais de uma década, o Prof. Antônio Carlos Secchin ( hoje imortal da Academia Brasileira de Letras e autor do primeiro, creio eu, livro-roteiro dos sebos cariocas) lá pelas bandas da Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro, que é uma região, famosa também por abrigar inúmeros sebos. Noto que, fora do Brasil, não há essa cultura dos sebos: na França, por exemplo, há os bouquinistes, à beira do rio Sena, em frente à igreja de Notre Dame; mas lá, na terra de Voltaire, são antiquários de livros, o mesmo ocorrendo na Argentina, onde se trata de livros raros, caríssimos, por sinal. Uma coisa que me atrai, muitíssimo, nos sebos, para além de seu clima e aura de busca, de curiosidade, de voyeurismo erudito, é, precisamente, o fato de poder se encontrarem obras raras, esgotadas, de tiragem pequena. Aliás, já existem sebos virtuais e os há até com o nome de “livros difíceis”, difíceis de serem encontrados, claro!
Na minha prática de sebo, tenho colecionado algumas histórias, como comprar livros com famosos autógrafos; uma me ocupa, atualmente, a memória, a imaginação e um especial afeto: havia aqui, em Saquarema, o único sebo da Região dos Lagos, propriedade do jornalista João, ao qual eu adorava ir o mais freqüentemente possível; até estacionava meu carro em frente ao sebo para tê-lo como referência obrigatória de minhas andanças. Certo dia, naquele sebo discreto (infelizmente fechou as portas e me deixou, na boca, um gosto amargo de amigo morto; foi substituído por uma clínica geriátrica...), encontrei o livro Carnavais de guerra, de minha amicíssima Dulce Tupy, a quem telefonei incontinenti, dando-lhe a notícia do achado do precioso livro (único no gênero), dizendo-lhe que o havia comprado para presentear a alguém e lendo-lhe a dedicatória; ironicamente, como sempre, ela comentou que o político local a quem presenteara era um analfabeto, como tantos de sua laia.
Semana passada, Rodrigo Araújo, meu eterno orientando, avisou-me que havia um livro meu, com dedicatória e tudo, no sebo “Soletrando”, em Niterói. Corri para comprovar o fato: adentrei a imensa livraria, gritando ao gerente Wando: “Quero o meu livro. Agora sou mais célebre do que se estivesse na Academia Brasileira de Letras, porque tenho um livro que pode ser comprado por qualquer um que, depois de ter circulado, veio parar nesta vala comum!” Tive imensa curiosidade em saber quem havia depositado, naquela espécie de biblioteca de Alexandria, o meu Ruína & simulacro decadentista, editado, em 1994, pela Tempo Brasileiro, do Rio de Janeiro. O Rodrigo comentara que o leitor abnegado poderia ter morrido e sua família tivesse querido desfazer-se do pertence. Li a dedicatória: “Ao China – irmão querido nas artes -, com abraço cósmico. Saqüá, Primavera, 1994”. Imediatamente, veio-me à mente aquele leitor que me recusara: um belo jovem, professor de capoeira, na FAFIMA, faculdade de Macaé,-RJ. Saí do sebo, abraçando meu livrinho, um filho pródigo que, num lance de capoeira, voltava serelepe às minhas vetustas mãos para poder ir parar em outras mãos, jovens ou velhas, e, quiçá, em outro sebo. Oxalá!

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