Quando do lançamento, dia 05 de dezembro de 2008, na Casa de Cultura Walmir Ayala, em Saquarema-RJ, do livro Tudo acaba em poesia, de Jota de Jesus, editado pela Tupy Comincações, Camilo Mota, requintado poeta e editor do jornal Poiésis, chamou a atenção de todos para a simplicidade da arte do Autor. Fiquei pensando na crítica generosa e passei a prestar mais atenção naquela virtude do livro estreante, virtude que o irmana a dois São Francisco, um pernambucano, outro gaúcho, da belíssima poesia brasileira: Manuel Bandeira (1886-1968), que tem esta dicção:
A onda
a onda anda
aonde anda
a onda?
a onda ainda
ainda onda
ainda anda
aonde?
aonde?
a onda a onda
e a Mário Quintana (1906-1994), que fala de si nestes termos: Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! Eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Ah! mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas… Aí vai! Estou com 78 anos, mas sem idade. Idades só há duas: ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a Eternidade.Nasci no rigor do inverno, temperatura: 1 grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro - o mesmo tendo acontecido a sir Isaac Newton! Excusez du peu… Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que acho que nunca escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso! sou é caladão, introspectivo. Não sei por que sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros?Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de farmácia durante cinco anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Érico Verissimo - que bem sabem (ou souberam) o que é a luta amorosa com as palavras.
Ouvindo, atentamente, a leitura do poema “Raízes“, por Dulce Tupy, que lhe imprimiu uma especial dramaticidade, percebi o quanto de nordestinado está implícito naqueles versos que, de tão singelos, são uma crônica maravilhosa do mais comezinho cotidiano. Convocado a ler algum poema, optei por “O homem e as cebolas”, que conhecera em sua fatura, dado que Jota me abordava, muitas vezes, na rua e me mostrava sua produção in fieri; esse poema passou, antes de ser impresso, por meus míopes olhos e coração macerado:
A vida da gente
é comparável às cebolas:
no início,
sai a pele delgada;
em seguida,
sai outra camada.
E várias outras.
No final,
nada resta.
Nem a pele,
nem o corpo,
nem a réstia.
É belíssimo o símile da cebola. O epílogo soa budista. Este poema valeria um livro. Eu mesmo me vejo como cebola e, sobre essa qualidade metafórica, tão árabe, falo a meus alunos da UFF, em Niterói, aonde chego, ainda de manhãzinha, cheio de peças roupa (echarpe, casaco, pull-over...), que vou despindo ao longo do dia acadêmico.
Outro dia, Dulce Tupy, mistura de musa, jornalista, editora e agitadora cultural, comentava que não se sabia qual seria a capa do livro do Jota de Jesus; brilhante como sempre, ela optou por colocar uma foto de cacto, porque o poeta é, fisicamente, todo torto. Mas sua poesia, penso eu, é linear e pura. Algo me incomoda nessa poesia tão cristalina. Já sei: é sua pureza, a pureza que eu tinha nas dunas de Canoa Quebrada, no Ceará, registrada em meu inaugural livro de poemas Palavras & silêncios (1984), apresentado por Walmir Ayala e Antônio Carlos Villaça, premiado pela Sociedade Brasileira de Escritores; no entanto, escondo obsessivamente, até de mim mesmo, esse livro, um filho renegado, que me terá aberto as portas da vida acadêmica. Onde terei eu perdido a inocência, que leio em Tudo acaba em poesia ? Já não posso mais recuperá-la, não porque já está quebrado o cristal, antes pelo fato de eu me ter tornado tão crítico que será preciso Camilo Mota para me chamar a atenção para a simplicidade essencial. Aquele meu incipiente livrinho, assim se inaugura, com uma pureza pré-adolescente:
Coração obstinado
Não há amor morto
que dê cheque-mate
no meu coração torto
Para além da olorosa cebola, outra metáfora vegetal que me irmana a Jota de Jesus, é que eu quero, e digo e repito isso o tempo todo, voltar, na próxima reencarnação, como um cacto. Um cacto plantado na praia de Saquarema. Serei um cacto, torto, gauche, enviesado, olhando, eternamente, a poesia simples e absoluta do mar.
quarta-feira, 11 de março de 2009
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